Walter Lippmann, o mais famoso jornalista americano do século XX, foi uma instituição nacional

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Lippmann: mostrar onde está o bem

Lippmann (Nova York, 23 de setembro de 1889 – Nova York, 14 de dezembro de 1974), foi o mais famoso jornalista americano do século XX, foi uma instituição nacional

Walter Lippmann não foi apenas o mais famoso jornalista americano do século XX nem só o mais influente, ou o mais respeitado – mais que isso, foi uma instituição nacional. “Uma xícara de café é tudo de que necessito, pela manhã”, dizia o americano típico, numa velha charge publicada pela revista New Yorker. “Uma xícara de café, e a coluna de Walter Lippmann.”

Um breakfast com Lippmann, de fato, foi uma rotina obrigatória para milhões de americanos desde o início da década de 20, quando ele começou a escrever para a revista New Republic, até 1968, quando se retirou do jornalismo, numa época em que sua coluna era publicada por mais de duzentos jornais americanos. Mesmo depois de sua aposentadoria, ele continuou sendo procurado para entrevistas, seu pensamento continuou a ser citado por editorialistas e políticos americanos.

Analista político – Lippmann não era um jornalista que se preocupasse com furos ou entrevistas de primeira mão. Formado pela Universidade de Harvard, onde foi aluno de Santayanna e William James desde 1910, sua formação era, sobretudo, filosófica. Seus artigos, por isso, não continham notícias, mas uma reflexão sobre os acontecimentos. “O jornalismo”, disse certa vez, “tornou-se para mim um laboratório do qual me utilizei para testar meu pensamento e evitar que se tornasse demasiado abstrato.”

Paralelamente à sua colaboração nos jornais, redigida num estilo límpido, sereno, Lippmann escreveu, ao longo de sua vida, 31 livros. O primeiro deles, “A Preface to Politics”, publicado em 1913, numa época em que ainda não se tornara o colunista famoso, foi entusiasticamente recebido pelo ex-presidente Theodore Roosevelt, autor de um artigo cheio de elogios ao jovem talento. Depois disso, Lippmann foi reverenciado ou temido por uma dezena de presidentes, cujas carreiras ele acompanhou atentamente.

Durante a I Guerra Mundial, ele foi chamado por Woodrow Wilson para assessorá-lo na elaboração da posição americana apresentada em Versalhes. Os presidentes Harding e Coolidge, por sua vez, só receberam críticas por parte de Lippmann.

Anos mais tarde, John Kennedy, antes de nomear um secretário de Estado, consultou-o por telefone, para ouvir o seu conselho. E Lyndon Johnson, em meados da década de 60, foi diariamente flagelado em sua coluna por sua política no Vietnam. Quando Lippmann se aposentou e se mudou para Nova York, chegou-se a dizer que ele deixava Washington para se ver longe de Johnson. Mas o orgulhoso colunista, imediatamente, desmentiu essa interpretação: “Eu nunca daria a ele (Johnson) essa honra”, afirmou.

Santuário da razão – A legenda do jornalista-filósofo chegou a extravasar as fronteiras americanas. De Gaulle, que ele admirava juntamente com Churchill como os grandes heróis de nossa era, o recebia regularmente, no Palácio Champs-Elysées, a cada passagem de Lippmann por Paris. Jawaharlal Nehru, durante a viagem que fez a Washington em 1961, visitou tantas vezes a Casa Branca quanto a residência de Lippmann. O governo soviético, por sua vez, empenhou-se a fundo na realização de uma entrevista entre Lippmann e Kruschev, afinal realizada em 1958, depois de gestões semelhantes às consultas diplomáticas que precedem as reuniões entre chefes de Estado.

Sua residência na capital americana – uma casa coberta de hera, situada ao lado da catedral de Washington – estava constantemente aberta para a visita de políticos, professores, escritores, jornalistas. “A casa de Lippmann”, diz Reston, um de seus frequentadores, “não era apenas um salão, onde se reuniam os notáveis, nem um refúgio e uma escola para sucesssivas gerações de jovens repórteres, mas também um clube de debates políticos, e, sobretudo, um santuário da razão, da tolerância e do bom senso.” Por vezes, a velocidade do mundo lhe parecia atordoante, incontrolável. “Houve ocasiões”, disse Lippmann, “em que me surpreendi escrevendo sobre acontecimentos críticos para a humanidade sem outro recurso para interpretá-los a não ser as generalizações improvisadas de um homem perplexo.”

Visão sombria – Os acontecimentos que passaram sob seu crivo foram nada menos do que a I e a II Guerra Mundial, a guerra da Coreia, a guerra fria. Quanto à expansão do fascismo, ele já a previa desde 1935, quando Mussolini invadiu a Etiópia, e Lippmann passou a alertar para a necessidade de os Estados Unidos, então um país praticamente sem Exército, se armarem e se prevenirem. Na guerra da Coreia, ele se opôs ao envolvimento americano. A guerra fria, por sua vez, foi por ele tachada de “totalmente inefecaz”. E ao escrever sobre esses acontecimentos transparecia nele a vocação de um moralista – “não no sentido de exortar os homens a serem bons”, conforme suas palavras, “mas no de mostra-lhes onde está o bem”.

Convenientemente, para um moralista, Lippmann – nascido em Nova York, em 23 de setembro de 1889, filho de próspero comerciante judeu no ramo do vestuário – organizava sua vida de forma regrada e meticulosa. Em Washington, onde morou a maior parte de sua vida, ele acordava às 6h45 da manhã, tomava café com a mulher, Helen (falecida em fevereiro), lia os jornais do dia e depois se recolhia para o gabinete de trabalho. Ali, sempre a mão, escrevia seu artigo diário. Uma secretária, em seguida, se encarregaria de datilografar o texto, enquanto o colunista saía para almoçar, geralmente no Metropolitan Club, na companhia de algum notável da época.

No começo da vida, Lippmann, influenciado pelo sociólogo inglês Graham Wallas, um dos fundadores da Sociedade Fabiana, foi um socialista. Depois, cada vez mais, tornou-se um liberal clássico. Em seus trabalhos, muitas vezes, pode-se detectar uma visão sombria e pessimista sobre os destinos do homem e do mundo. Mas também é possível encontrar trechos em que revela um iluminado deslumbramento, como, por exemplo, quando escreveu: “Nunca se pode esquecer que o homem, com todo o seu egoísmo, a sua covardia e a sua preguiça, tem também um notável poder de resistência e, às vezes, é capaz de morrer por ideais distantes e abstratos.” Ao morrer no sábado, dia 14 de de dezembro de 1974, aos 85 anos de idade, em Nova York, Lippmann deixou os Estados Unidos seguramente mais empobrecidos.

(Fonte: Veja, 25 de dezembro de 1974 –- Edição 329 –- Literatura -– Pág; 34 e 36)
(Fonte: Zero Hora –- ANO 49 -– N° 17.134 –- 4 de setembro de 2012 – JÁ FOI DITO – Pág; 48)

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