David Alfaro Siqueiros, pintor, muralista, político e uma das figuras mais importantes da arte mexicana

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Siqueiros (1896-1974)

 

David Alfaro Siqueiros (Cidade do México, 29 de dezembro de 1896 – Cuernavaca, Cidade do México, 6 de janeiro de 1974), pintor mexicano, muralista, político, militante comunista e uma das figuras mais importantes da arte do seu país. Fez parte do ciclo chamado Escola Muralista Mexicana. Trata-se de um lugar-comum. A necessidade de enfatizá-lo, porém, serve para mostrar, perfeitamente, as contradições que povoaram a carreira do pintor. Como fundador e mestre, na década de 20, ao lado de Diego Rivera (1886-1967) e José Clemente Orozco (1883-1949), da pomposamente intitulada “Renascença Mexicana”, Siqueiros tem seu verbete assegurado nas enciclopédias de arte.

 

Mas, como obstinado sobrevivente de um estilo de vida institucionalizado há mais de trinta anos, um estilo de vida concomitantemente protegido e perseguido pelos governos astecas, sua figura parece destinada a diminuir de vulto com a passagem do tempo. Em breve, não se falará mais que Siqueiros liderou, a rajadas de metralhadora, um atentado stalinista contra a vida de Leon Trótski, em 1940. Logo estará esquecido que Ramón Mercader, assassino efetivo de Trótski, meses depois era amigo íntimo do pintor. Enfim, como revolucionário, Siqueiros talvez não consiga mais do que a lembrança das notas de rodapé.

 

Nitrocelulose – David Siqueiros nasceu na região de Chihuahua, a terra de Pancho Villa, a 29 de dezembro de 1896. E as mais importantes passagens de sua carreira, curiosamente, foram marcadas pelas vezes em que foi preso. Assim aconteceu em 1910 quando, ainda um menino, dormiu num cárcere, acusado de fomentar uma greve estudantil. Nessa ocasião, teria estabelecido os primeiros princípios do que mais tarde apelidaria de “arte pública”, estreitamente ligada à agitação política.

 

Anos após, em 1930, o governo mexicano confinou-o na cidadezinha de Taxco. Foi quando Siqueiros começou a se dedicar às exaustivas pesquisas técnicas que o levaram ao uso pioneiro das tintas sintéticas à base de nitrocelulose. Além disso, ele chegou a produzir cem óleos num ano.

 

Seu último grande surto de criatividade, finalmente, coincidiu com o período em que foi preso, na década de 60, pelo crime de “dissolução social”. Condenado a oito anos, cumpriu somente metade da pena. Mas teve a oportunidade, por exemplo, de realizar o alentado trabalho de ilustração do livro “Residencia en la Tierra”, do poeta chileno Pablo Neruda, comunista como Siqueiros – cada volume seria vendido depois, por 5 000 dólares, mais de 30 000 cruzeiros. Ainda na prisão, transformado em anônimo artesão, em companhia de outros detentos o pintor gastou longas horas decorando isqueiros. Produziu cerca de trezentos quadros de cavalete, os quais vendeu por 10 000 dólares cada um. E desenhou os estudos preliminares para a monumental obra que, esperava, coroaria sua vida: “A Marcha da Humanidade na América Latina”. Ironicamente, Siqueiros acabou libertado graças a um indulto concedido aos mexicanos que tivessem prestado “importantes serviços ao país”.

 

Três vezes maior – Vaidoso, presunçoso, exibicionista ao ponto de ser impossível distinguir os limites entre seu gosto pela publicidade e suas verdadeiras convicções, Siqueiros chegou mesmo a dizer que era “uma fusão de Karl Marx com Michelangelo”. E a corporificação desse pensamento ele tentou impor em “A Marcha da Humanidade”, um gigantesco conjunto de painéis destinados a exaltar “as revoluções populares do continente”. Siqueiros pintou-o já doente, num esforço prodigioso, num ritmo vertiginoso de trabalho. E ao completá-lo, u m complexo arquitetônico, escultórico e pictórico três vezes maior do que a Capela Sistina, anunciou orgulhosamente: “É o maior mural jamais pintado no mundo – pelo menos em tamanho”.

 

Em termos artísticos, “A Marcha” não tem os mesmos méritos das obras mais antigas do artista. Quando produziu seu auto-retrato “El Coronelazo”, de 1945, uma debochada homenagem à sua própria participação na Guerra Civil Espanhola, ainda guardava porções do melhor período do muralismo. Sabia como refletir, através da fantasia, dos simbolismos e das alegorias, a essência de certas angústias humanas. Suas últimas obras, porém, demonstraram cabalmente uma verdade que perseguiu Siqueiros durante uma verdade que perseguiu Siqueiros durante toda a sua carreira: dentro da trindade santíssima da “Renascença Mexicana”, ele sempre foi inferior a Rivera na técnica e a Orozco na sensibilidade. Em todo caso, sua existência pelo menos serviu para demonstrar a liberdade artística existente em seu país. Não se sabe, na história, de muitos pintores que tenham saído da cadeia para pintar murais subvencionados pelo governo.

 

Nos últimos anos, de fato, os paradoxos de sua personalidade se multiplicaram. Já vitimado pelo câncer que o matou dia 6 de janeiro de 1974, aos 77 anos, em Cuernavaca, sob o olhar vigilante e pragmático de dona Angélica Arenal, sua mulher e companheira de lutas, passava a maior parte de seu tempo recolhido à sua luxuosa mansão de Cuernavaca, saboreando o charme de suas aventuras em longas conversas com visitantes, curiosos e jornalistas. Seu porte marcial aprumado por um colete ortopédico (consequência da queda de um andaime), os olhos verdes sempre inquisitivos, o rosto congestionado e uma leonina cabeleira de rebeldes cachos brancos envolvendo-lhe a cabeça. Siqueiros contava suas aventuras subversivas à beira de uma simpática piscina. E, a quem precisasse, não titubeava em oferecer os serviços de sua fulgurante Mercedes com chofer.

Com a morte de David Alfaro Siqueiros fica definitivamente encerrado o ciclo da chamada Escola Muralista Mexicana.

(Fonte: Veja, 16 de janeiro, 1974 – Edição 280 – DATAS – Pág; 13 – ARTE – Pág; 78)

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