Joseph Conrad, mestre da ficção, foi um dos maiores escritores do século XX

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Conrad: falso aventureiro do mar e grande escritor de verdade

Aventura nas trevas

Joseph Conrad (Kiev, Ucrânia, 3 de dezembro de 1857 – Kent, Inglaterra, 3 de agosto de 1924), mestre da ficção, foi um dos maiores escritores do século XX

Escritor inglês de ascendência russa, radicado na Inglaterra e nascido na Polônia – Foi alguém capaz de levar ao romance a solidão do homem contemporâneo, do homem que se torna civilizado mas, nos momentos decisivos, sucumbe às forças primitivas de sua natureza.

Órfão aos 11 anos e criado por um tio rico, Joseph Conrad preferiu abandonar a sua Polônia natal para realizar o sonho juvenil de tornar-se um lobo-do-mar. Ele entrou para a marinha mercante inglesa, percorreu quase todo o mundo, tornou-se oficial e, aos 35 anos, decidiu ser escritor. Afirmando basear-se em fatos vividos, Conrad passou de herói romântico e ganhou fama como autor de livros de aventuras.

TRAIÇÃO E CULPA – O grande escritor está, sobretudo, em Sob os Olhos do Ocidente (Under Western Eyes, Inglaterra, 1911), livro que compõe o quinteto de ouro de Joseph Conrad junto com O Coração das Trevas, Lord Jim, Nostromo e O Agente Secreto. O personagem do romance, Cirilo Sidorovich Razumov, é órfão.

Seu sonho de estudante sem família, na Rússia czarista, era modesto – conquistar um lugar estável de professor. Mas conviver com a barbárie de um Estado policial sem se envolver mostrou-se impossível. Estudioso e confiável, foi a ele que recorreu um colega de escola, o revolucionário Haldin, após lançar uma bomba sobre um ministro de Estado.

Razumov sente-se traído pelo amigo e decide denunciá-lo. Agora, é ele quem comete um ato de traição – e a traição engole Cirilo Razumov. A aventura política vira dilaceração moral, já que Conrad passa então a analisar os dilemas de Sidorovich Razumov.

O marinheiro Monsieur George, de A Flexa de Ouro (The Arrow of Gold, Inglaterra, 1919), representa, idealizadamente, algumas das aventuras experimentadas pelo próprio Conrad quando chegou a Marselha desejoso de lançar-se ao mar, em 1874. No romance, o herói, pelo amor de uma mulher, envolve-se em contrabando de armas para beneficiar uma causa política espanhola e bate-se em duelo pela honra da amada.

Mais prosaicas, as ações do Conrad verdadeiro são motivadas pelo espírito boêmio, por dinheiro e acabam numa tentativa de suicídio. Tudo indica que a única semelhança entre autor e personagem está na desilusão final do livro – a perda do navio, causada por uma traição, e a perda do amor representam o naufrágio das crenças juvenis de ambos.

Mergulhar nas histórias do estudante russo e do marinheiro sem passado é entrar no jogo central de Conrad, um xadrez de luz e trevas, de civilização e selvageria. Os aventureiros do mar, leais e desinteressados, desiludem-se com os nobres interesseiros e submergem no pessimismo. “A vida parece ser apenas uma série de traições”, conclui Monsieur George. Em Sob os Olhos do Ocidente, Razumov, que se tortura caindo na abjeção de tornar-se informante da polícia czarista, reencontra a paz ao confessar sua traição.

Sob os Olhos é um romance mais profundo que A Flexa de Ouro. Nele, de maneira maias acabada, as aventuras exteriores se transformam em aventuras interiores. Os personagens de Conrad, na maioria dos casos, tentam acreditar nos valores da amizade, do amor, da democracia e da esperança – mas o desespero sempre triunfa. O escritor não se lamenta – apenas mostra que a aventura do herói moderno está no seu próprio interior. Conhecendo seus limites, ele pode tentar superar-se.

Foi preciso esperar quase um século para descobrir-se que Conrad, pessoalmente, era menor do que a biografia que ele mesmo pintou, e que, artisticamente, havia deixado uma obra bem maior do que o convencional gênero “romance de aventuras.”

Conrad, dizem os seus biógrafos, foi um maníaco-depressivo e um aventureiro de araque – nas viagens, ele raramente saía da cabine, onde passava dias lendo. A mesmo tempo, no mar da literatura, a crítica reconhece Conrad como um dos maiores escritores do século XX.

Joseph Conrad morreu em agosto de 1924, na Inglaterra.

(Fonte: Veja, 31 de outubro de 1984 – Edição 843 – Livros/ Por Mirian Paglia Costa – Pág: 121/122)

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