Herman Kahn (1922-1983), futurólogo americano de extraordinário raciocínio lógico.

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Primeiro dos grandes intelectuais da megamorte

Herman Kahn (Bayonne, 15 de fevereiro de 1922 – Chappaqua, Nova York, 7 de julho de 1983), futurólogo americano de extraordinário raciocínio lógico. Primeiro dos grandes “intelectuais da megamorte”, Herman Kahn jamais se aborreceu em ser objeto de sátira ou controvérsia. “O Dr. Fantástico (Dr. Strangelove, personagem do celebrado filme dirigido por Stanley Kubrick em 1964) tem um pouco de Henry Kissinger, um pouco de mim e um toque de Wernher von Braun”, admitia Kahn com bom humor.

Acusado por um colega de ensinar “como planejar um genocídio, como executá-lo e como justificálo”, Kahn costumava retrucar que “ninguém se livra de notícias más matando o mensageiro”. Sua efervescência pessoal e jovialidade permanente casavam-se mal com a racionalidade escrupulosa e objetividade exacerbada de sua mente – Herman Kahn se recusava a torcer por algum time, mas jamais escondeu seu sentimentalismo para com Israel nem seu patriotismo para com os Estados Unidos.

Sorridente e sociável, Kahn passeava sua figura transbordante por todos os cantos do mundo. Os brasileiros, aliás, se habituaram a ter sobressaltos com Herman Kahn. Num de seus cenários futurísticos, ele levantava a hipótese de que parte da Amazônia fosse transformada num imenso lago, para servir de centro de um sistema hidrelétrico. Depois, surgiu com a desalentadora profecia de que o Brasil levaria 130 anos para atingir o nível de renda per capita dos Estados Unidos. Por último, em seu recém-publicado A Prosperidade Está Próxima, ele coloca o Brasil em sétimo lugar entre as grandes potências do ano 2050.

Até o final de sua vida, Herman Kahn jamais se apertou com as aparentes incongruências de suas várias profecias, recorrendo, sempre que necessário, a um inesgotável arsenal de fundamentações. Sua curiosidade devoradora jamais sucumbiu à dúvida e sua formação em ciências exatas fez com que transformasse em lei o que eram hipótese. De seu observatório futurístico – o reputado centro de pesquisas Hudson Institute, por ele fundado há 22 anos – Kahn se lançou na ingrata tarefa de dar ao mundo uma visão coerente e otimista de seu futuro, anunciando uma Idade de Ouro na qual a tecnologia libertará o homem do trabalho. Só por este esforço intelectual, Herman Kahn já merece ser lembrado.

No final das contas, o otimismo incorrigível que sempre acompanhou Herman Kahn pregou-lhe uma peça fatal. Fulminado por um ataque cardíaco em sua casa de Chappaqua, perto de Nova York, o exuberante futurólogo americano de 61 anos, não viveu o suficiente para testar o item 13 de uma de suas célebres listas de “possibilidades menos prováveis, mas importantes”, para o ano 2000: “O maior rejuvenescimento e/ou extensão significativa da duração de vida – digamos, de 100 a 150 anos”. Falharam o processo da ciência e a tecnologia deste final de século XX, nas quais Kahn tanto apostara em todos os cenários que compôs para o mundo pós-industrial: o check-up anual ao qual ele se havia submetido na semana anterior indicara que sua saúde estava excelente.

Coincidentemente, no dia de sua morte, ele deveria entregar ao Pentágono um volumoso e certamente polêmico estudo feito sob encomenda para o governo americano sobre guerra termonuclear – tema que o celebrizou em 1960, quando fez tremer a intelectualidade ocidental com a publicação de seu primeiro best-seller – Sobre a Guerra Termonuclear. Sem as piedosas platitudes que costumavam envolver tais cenários, e seguindo inexoravelmente todas as etapas de seu perfil, Kahn dissecava neste livro, pela primeira vez, a possibilidade de 40 milhões de seres humanos sumirem da face da Terra – e a vida continuar. Seguiram-se outros livros sobre o tema, como Pensando O Impensável e Sobre a Escalada, e nunca mais o colossal (130 quilos) e superdotado (QI igual a 200) físico e matemático, estrategista militar e futurólogo conseguiu livrar-se da imagem de frio analista da destruição do homem.

UMA AUDACIOSA RECEITA PARA O MUNDO

Enviado em 1969, ao Vietnam para realizar um estudo a pedido do então presidente Richard Nixon, Herman Kahn fez, na volta, uma profecia que soou mal aos ouvidos dos militares de seu país. “Há oito maneiras de ganhar a guerra, e só uma de perdê-la. É esta que os senhores estão usando.” Seis anos depois, em maio de 1975, os Estados Unidos batiam em retirada definitiva do Vietnam, derrotados. Esta e outras profecias fizeram a celebridade de Kahn – antes de qualquer outro, foi ele, também, quem apontou o Japão como a potência industrial do futuro.

Nem sempre, porém, sua capacidade de imaginar o futuro brilhou com a mesma clareza. Kahn jamais antecipou a eclosão de uma crise mundial no petróleo, e muitos de seus estudos ainda permanecem à espera de confirmação Ainda não houve, por exemplo, nenhuma guerra niclear para testar a solidez científica dos cenários de sobrevivência de Kahn. Além disso, o ano 2000, em torno do qual ele construiu a maior parte do seu edifício de futurística, ainda está longe. Mas se forem tomadas as “100 inovações técnicas muito prováveis para o último terço do século XX”, contidas no clássico O Ano 2000, publicado mais de quinze anos atrás, tem-se uma ideia da audácia intelectual de seu autor.

A IDEIA – Os “aparelhos domésticos simples, para gravação e projeção de televisão” já estão nas lojas. Os “computadores caseiros para inspecionar os serviços domésticos” chegaram para ficar. Os “sistemas universais automatizados de crédito, auditoria e bancário” são uma realidade do cotidiano. Quanto à sua listagem de “avanços menos prováveis”, Kahn também acertou: o “aumento direto da capacidade mental humana pela ligação mecânica ou elétrica do cérebro com um computador”, por exemplo, ainda não ocorreu. Mas fica a ideia.
(Fonte: Veja, 13 de julho de 1983 – Edição nº 775 – Datas – Pág; 88)

O controvertido físico, matemático e futurólogo do Hudson Institute, em Nova York, sempre primou, como se sabe, por um otimismo inveterado. Kahn retoma a pregação, já abordada também em obras anteriores – como Os Próximos 200 Anos -, de que o futuro acena com uma sociedade mais rica e satisfeita. Seu cenário mais detalhado, compreensivelmente, são os Estados Unidos, onde já são visíveis os frutos da arrancada tecnológica das últimas décadas e o ritmo de crescimento populacional começa a declinar, apontando para um significativo aumento futuro da renda per capita. Mais especificamente, Kahn acredita que um novo salto de produtividade multiplicará 44 vezes a renda per capita americana até o ano 2100, até atingir o generoso patamar dos 50 000 dólares anuais, algo equivalente a 20 milhões de cruzeiros.

O ano 2050, previu Kahn, encontrará o mundo com sete potências – os Estados Unidos, com um Produto Nacional Bruto (PNB) de 4,5 trilhões de dólares, o Japão com 3,5 trilhões, a China com 2,5 trilhões, Alemanha e França com 1,5 trilhão cada, além da URSS, para a qual não faz uma previsão de PNB. O Brasil surge logo atrás, em sétimo lugar, com 1 trilhão, se tiver um desenvolvimento sem acidentes. Esta despolarização do poderio econômico e militar, será um fator de estabilidade política.

TEORIA INTRIGANTE – O que o diretor do Hudson Institute oferece de realmente apetitoso em A Prosperidade Está Próxima é uma teoria intrigante sobre a base ideológica da atual estagnação industrial dos países ricos, sobretudo os Estados Unidos. Por trás da crise cíclica comandada por fatores puramente econômicos, ele chama atenção para as raízes culturais e sociais do mal-estar. Simplificadamente, uma fase de grande expansão econômica, como os anos 50 nos Estados Unidos, geraria atitudes e políticas que dão a fluência por garantida, enfatizam outros valores que os materiais e terminaram por desacelerar a economia – introduzindo a uma longa recessão até que a sociedade volte a dar prioridade à criação de riquezas.

Assim, a rebelião romântica dos anos 60 nos países ricos, e o hedonismo da década de 70, a chamada década do eu – ambos expressões de uma geração criada na afluência, imediatista e pouco motivada para o progresso material -, teriam atuado como um freio sobre a economia.

(Fonte: Veja, 30 de março de 1983 – Edição nº 760 – Livros/ Por Selma Santa Cruz – Pág; 112/113)

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