Galeão Coutinho, autor de relatos, criador de personagens tragicômicas e de peripécias cotidianas com indisfarçável fundo anedótico

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Galeão Coutinho: quase um cronista

É considerado um dos grandes tradutores brasileiros 

Galeão Coutinho (Belo Horizonte, (Belo Horizonte, 26 de setembro de 1897 – Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1951), jornalista, escritor e romancista (que usou os pseudônimos Cândido e João Sem Terra), autor de relatos, criador de personagens tragicômicas e de peripécias cotidianas com indisfarçável fundo anedótico. Foi o quarto presidente da União Brasileira de Escritores, tendo João Acciolly como vice-presidente. Mineiro-fluminense – nasceu em Belo Horizonte e passou a infância em Pádua (RJ), tinha prenome de lorde, Salisbury, em homenagem ao político e diplomata inglês.
 
Chamava-se Salisbury Galeão Coutinho em homenagem ao terceiro marquês de Salisbury, Roberto Arthur Talbot Gascoyne-Cecil, primeiro-ministro do governo britânico na época em que a Turquia declarou guerra à Grécia. Mas, ao contrário do primeiro-ministro do então florescente império britânico, sua tribuna foram as redações de São Paulo e do Rio de Janeiro, com uma incursão na indústria editorial: fundou na década de 30, com Mário de Andrade, Sérgio Milliet e outros, as Edições Cultura Brasileira, onde publicou dois romances, “Simão, o Caolho” (1937 e este “Vovô Morungaba” (1938).
 
O livro de Galeão Coutinho data de 1949. São as “Confidências de Dona Marcolina”. Jornalista por vocação, escrevendo de forma simples e direta, fluente e superficial, Galeão Coutinho viciou-se na linguagem do comunicador que se dirige ao leitor comum, ao homem sem rosto, supostamente de instrução média ou de poucas letras. Jamais conseguiu se livrar da linguagem jornalística para criar sua linguagem ficcional. Seus romances assemelham-se a crônicas.
 
Na tradição da novelística urbana brasileira, ele poderia ser o continuador de Lima Barreto, que escrevia de maneira desleixada porém com densidade. A modéstia de suas estruturas ficcionais e a ligeireza da prosa impedem-lhe, contudo, a permanência literária em nível mais alto. Já se disse que o tempo é o selecionador definitivo, o crítico infalível. Isso vale para Galeão Coutinho. 
 
Cabra e circo – Galeão Coutinho escreveu sobre a pequena classe média em vias de proletarização e a respeito dos humildes funcionários públicos, de paletó coçado e gravata esfiapada, vítimas fáceis de agiotas e eternos devedores de Deus e do mundo, como acontece em “Vovô Morungaba”.
Dionélio Machado (1895-1985) antecedeu-o, no tema e nas intenções, com “Os Ratos” (1935), estudo magistral de um servidor público que perambula pelas ruas da capital gaúcha, Porto Alegre em busca de um empréstimo de alguns mil réis com que pagar um fornecedor e ressalvar a dignidade ferida.
 
O aspecto original de Galeão Coutinho terá de ser encontrado no tom, não na temática. Dionélio Machado alcançou a tragicidade. O autor de “Vovô Morungaba” fica no cômico, embora, às vezes, com um travo de amargura. Elpídio Barra Mansa, personagem principal, não chega, como Carlitos, a trinchar os sapatões que ferveu e a comer os cadarços como se fossem espaguete.
No entanto, para subsistir não lhe falta inventiva: passa rifas, incluindo a de uma cabra que jamais possuiu, especializou-se em pedir dinheiro emprestado, que não restituiu, recorre ao espiritismo e entra para um circo. E não é só: divulga nos jornais a notícia de sua morte, evidentemente com fins lucrativos. Não infringe o Código Penal, mas ataca, de rijo, a Lei das Contravenções Penais. Afora as tretas, é pessoa muito digna, deveras direita.
 
Como viver de minguada renda sem recorrer à mão armada, eis o traço obsessivo da novelística de Galeão Coutinho. Suas personagens, incluindo o Barra Mansa e o Mata Sete de “Vovô Morungaba”, vivem de ardis que não abalam o pacto social. Ditosos tempos. Fatalistas, resignadas, elas resistem, desafiam a subsistência cada vez mais penosa.
 
A partir de sua morte, em desastre de avião, em 17 de setembro de 1951, quando viajava do Rio de Janeiro para São Paulo, o silêncio envolve-lhe o nome e a obra. Se vivo fosse, Galeão Coutinho poderia explicar, em outro romance, como viver do salário mínimo.
 
 
(Fonte: Veja, 16 de novembro de 1977 – Edição 480 – LITERATURA/ Por HÉLIO PÓLVORA – Pág: 128/129)
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