Affonso Reidy, um dos mais extraordinários urbanistas e arquitetos brasileiros.

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Affonso Reidy (Paris, 26 de outubro de 1909 – Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1964), um dos mais extraordinários urbanistas e arquitetos brasileiros. Reconhecido e reverenciado internacionalmente, foi estranhamente esquecido no Brasil. Affonso Eduardo Reidy lutava por uma arquitetura social e econômica. Toda a sua obra foi realizada nesse sentido.

Integrante da primeira geração de arquitetos modernos do Brasil, Reidy foi assistente de Gregori Warchavchik e integrou a equipe que desenhou o prédio do Ministério da Educação e Saúde (MES). Durante toda a sua vida profissional foi funcionário público. Dominando várias escalas, deixou como legado ícones arquitetônicos e urbanísticos. São de sua lavra ao menos três obras-primas: o conjunto do Pedregulho (1946), o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1953) e o parque do aterro do Flamengo (1962). Para comemorar a efeméride, PROJETO DESIGN publica um ensaio fotográfico recente de Leonardo Finotti, em que o tema é o Colégio Experimental Brasil-Paraguai, (1) um edifício chave para a compreensão da obra de Reidy e da arquitetura moderna brasileira.

O Colégio Experimental Brasil-Paraguai, desenhado por Affonso Eduardo Reidy em 1952, foi financiado pelo governo Getúlio Vargas como presente ao país vizinho. O programa pedagógico, destinado a 420 alunos, foi criado pelo educador brasileiro Manuel Lourenço Filho (1897-1970), que o dividiu em quatro setores (administração/serviços, auditório/ginásio, biblioteca e salas de aulas), em módulos de 6 x 8 metros. Lourenço Filho recomendou ainda um edifício “sem monumentalismo (…) elegante e simples, com uma disposição de volumes que agrade à vista e inspire a idéia de progresso”, de “tipo moderno, sem exageros, pelo aproveitamento funcional que permite”. Em seu documento, Lourenço Filho citou como referência arquitetônica a Sedes Sapientiae, em São Paulo, desenhada em 1940 por Rino Levi. (2)

Convidado pelo governo, através do Itamarati, para fazer o projeto, Reidy esteve duas vezes no local, uma quadra inteira situada na entrada da cidade universitária. Na primeira ocasião, em setembro de 1952, acompanhado por Marcos Konder, que era seu assistente. “Passamos lá uns três ou quatro dias. Reidy me levou para que eu também pudesse opinar sobre o lugar e sobre as ideias que ele já tinha para a escola”, relatou o assistente. (3) Por fim, Reidy acompanhou a cerimônia de lançamento da pedra fundamental do prédio, em novembro do mesmo ano.

O projeto era composto de dois volumes: na frente estava o bloco do teatro e da quadra, que seria a porção pública do conjunto, com jardins de Burle Marx, fácil acesso e volumetricamente mais expressivo; no fundo, o pavilhão escolar sob pilotis – o único que foi construído. Trata-se da primeira edificação em concreto aparente que Reidy realizou e uma das primeiras de grande porte feita por um arquiteto brasileiro. A influência do brutalismo de Le Corbusier, de quem Reidy era amigo e se dizia discípulo, foi lembrada por Yves Bruand: “Não se deve esquecer que o colégio foi projetado em 1953, ou seja, apenas um ano depois de ficar terminada a unidade residencial de Marselha”, escreveu o pesquisador francês. (4) Na verdade, o projeto é de 1952, mesmo ano do término da famosa obra de Corbusier.
Depois de iniciada, a obra foi paralisada em 1957. A construção foi retomada em 1960 e parcialmente concluída em setembro de 1964, um mês após a morte do arquiteto. A localização da biblioteca mudou do projeto para a obra. Apesar de bastante divulgado na época de seu desenho, (5) o colégio construído só foi publicado uma vez em revistas brasileiras, em edição especial da Arquitetura – nº 30 da revista oficial do IAB -, poucos meses após o falecimento do arquiteto, aos 55 anos, no auge de sua produção. Mesmo em livros editados posteriormente, (6) as imagens que o público conhece são em preto e branco, do edifício em construção ou recém-terminado. Por outro lado, Assunção não integra o roteiro da maior parte dos interessados no assunto. Assim, apesar da importância da escola, ela segue distante do dia a dia dos arquitetos brasileiros. No Paraguai, contudo, o projeto é uma referência para os arquitetos contemporâneos locais. (7) Apesar da importância, o prédio recebeu acréscimos que descaracterizam principalmente os pilotis.

O prédio é uma espécie de conexão entre as obras anteriores e posteriores de Reidy. A porção pública, não construída, com seu arco e plano inclinado, lembravam o colégio do Pedregulho, tipicamente escola carioca; o pórtico do pavilhão das salas de aulas, em concreto aparente, é sempre mencionado por ser o embrião do partido do MAM, desenhado um ano depois. Para Francisco Bolonha, (8) o projeto da escola “anuncia” o do museu. Para Yves Bruand, (1) “as pesquisas iniciadas” no colégio “prosseguiram” no MAM.

Bruand apontou na obra influências de Corbusier (no já citado brutalismo e no desenho da colunata em V) e de Niemeyer (também em relação à colunata, associada principalmente à escola e ao hotel na cidade mineira de Diamantina).
Para o estudioso francês, a escola pode ser o ponto alto da trajetória do arquiteto: “Talvez Reidy nunca tenha obtido maior êxito com a fusão, que sempre procurou, entre o racionalismo puro, a força expressiva de Le Corbusier e a imaginação plástica de Niemeyer”.

Contudo, como se pudesse ainda ser mais do que isso, o prédio integra o grupo de projetos que são chaves para a compreensão da arquitetura brasileira. Isso porque Reidy – muito mais do que Niemeyer – é o grande elo entre a escola carioca, dos anos 1930/50, e a arquitetura paulista iniciada no final dos anos 1950, que tem como mentor Vilanova Artigas e como protagonista Paulo Mendes da Rocha. E é curioso que uma peça fundamental entre essas duas correntes não esteja nem no Rio de Janeiro, nem em São Paulo. Outra curiosidade é o fato de não ter sido executado o auditório, tal como ocorrera no MAM/RJ (que teve recente e desastrosa conclusão). (9)

De certa forma, ainda no meio do caminho entre o que era caracterizado como escola carioca e o que viria a ser a escola paulista, o colégio no Paraguai não possui a simplicidade da solução dos pórticos do MAM, que tem pilares iguais nas extremidades. No edifício em Assunção, a parte do pórtico que se parece com o museu no Rio de Janeiro está na face posterior, enquanto o lado oposto se assemelha a propostas clássicas e simples da escola carioca. A solução em corte transversal se assemelha mais ao pavilhão de uma água, tal como na escola de Diamantina e no hotel de Ouro Preto, ambos de Niemeyer, ou no de Nova Friburgo, de Lucio Costa.

Examinando pórticos e formalismo estrutural, Guilherme Wisnik (10) aproxima a escola no Paraguai e o MAM da obra de Paulo Mendes da Rocha. Aliás, o próprio Mendes da Rocha disse: “Não sei por que, mas o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, do Reidy, é brutalismo paulista. E a escola do convênio Brasil-Paraguai, do mesmo Reidy, lá no Paraguai (…) faz parte daquele contexto”. (11)

Por outro lado, a admiração dos paulistas por Reidy pode ser em parte creditada à condição profissional dele, definido por Geraldo Ferraz (12) como “arquiteto socializado” que “trabalha sempre à margem do quadro das injunções imobiliárias especulativas”. Desde recém-formado, Reidy integrou os quadros do funcionalismo público, onde permaneceu até morrer. Ele justificou o fato dizendo que “era impossível naquela época para um arquiteto principiante viver exclusivamente do produto do trabalho do seu ateliê, sobretudo quando esse arquiteto defendia, de maneira intransigente, ideias consideradas insensatas e subversivas”. (13)

Se o fato de ser funcionário público lhe rendeu importantes encargos – como os conjuntos habitacionais que o projetaram internacionalmente e projetos urbanísticos no Rio de Janeiro, então capital federal -, também trouxe a frustração de não ter participado do plano urbanístico de Brasília. Reidy chegou a ser contatado para o trabalho – e pensou em convidar Corbusier para auxiliá-lo -, mas logo foi aberto o concurso e, em protesto por discordar do edital, o arquiteto decidiu ficar de fora. Mas essa já é outra história.

Notas:

1 – Apesar de ser conhecido assim no Brasil, o nome oficial da instituição é Colégio Experimental Paraguai Brasil (CEPB), um dos melhores na capital paraguaia.

2 – Javier Rodriguez Alcala, “Reidy em Cachinga: da política do café com leite à geopolítica do concreto armado”, publicado em junho de 2008 no portal Vitruvius.

3 – Entrevista de Marcos Konder a Antônio Agenor Barbosa e Juliana Mattos, publicada em 2007 no portal Vitruvius.

4 – Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, São Paulo, Perspectiva, 1981.

5 – A obra foi publicada, ainda em projeto, nas revistas Arquitetura e Engenharia (nº 24, janeiro/fevereiro de 1953), Habitat (nº 10, janeiro/março de 1953) e Brasil Arquitetura Contemporânea (nº 5, agosto/setembro de 1953). Depois de pronta, a única publicação em periódico foi no exterior, na Baukunst und Werkform (vol. 14, nº 1, 1962).

6 – Além do livro de Bruand, a escola está presente, entre outras publicações, em: Affonso Eduardo Reidy, Rio de Janeiro, PUC/RJ, Index, 1985; Nabil Bonduki (org.), Affonso Eduardo Reidy, Lisboa, Blau/Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 2000; e Elisabetta Andreoli e Adrian Forty (orgs.), Arquitetura moderna brasileira, Londres, Phaidon Press, 2004.

7 – Em diversas palestras no Brasil, Solano Benítez fez referências ao projeto de Reidy.

8 – Francisco Bolonha, “Reidy: percurso do arquiteto”, em Affonso Eduardo Reidy, obra citada.

9 – Fernando Serapião, “Jogo dos erros”, revista Piauí, nº 12, setembro de 2007.

10 – Guilherme Wisnik, “Modernidade congênita”, em Arquitetura moderna brasileira, obra citada.

11 – Entrevista de Paulo Mendes da Rocha a Andrea Macadar, publicada em 2006 no portal Vitruvius.

12 – Geraldo Ferraz, em artigo reproduzido em Affonso Eduardo Reidy, obra citada.

13 – Alfredo Britto, “O extraordinário talento de um arquiteto completo”, em Affonso Eduardo Reidy, obra citada.

(Fonte: www.arcoweb.com.br – Publicada originalmente em PROJETODESIGN/ Por Fernando Serapião – Edição 356 – Outubro de 2009)
(Fonte: Veja, 1° de agosto, 2001 – Edição 1711 – ANO 34 – N° 30 – DATAS/LUPA – Pág; 114/115)

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