Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), um respeitado historiador e sociólogo brasileiro.

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Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), um respeitado historiador e sociólogo brasileiro. Durante toda a sua vida, foi perseguido por duas paternidades. Uma, que sempre o incomodou – pois se julgava mal compreendido -, a de ter lançado o conceito de “homem cordial” para definir o caráter nacional do brasileiro. A outra sempre o divertiu: ele era o pai do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, muito mais conhecido que ele. “Sou apenas o pai de Chico”, brincava Sérgio.

Iconoclasta e rigoroso, era capaz de criticar a historiografia oficial como obras menos consagradas com a mesma dose exata de ironia e elegância. Sobre Rocha Pombo, um dos monstros sagrados da História que se ensina nos ginásios, afirmou que “capricha só na compilação de documentos”. Quanto a Leôncio Basbaum, ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro e autor de “A História Sincera da República”, leitura obrigatória para militantes, dissidentes e curiosos, Sérgio Buarque de Holanda não fez por menos. “Não faz pesquisa”, fulminou.

LEITURAS SUPERFICIAIS – Crítico literário desde os 17 anos, quando publicou seus primeiros artigos no tradicional Correio Paulistano, tinha 34 quando Gilberto Freyre decidiu publicar seu “Raízes do Brasil” para inaugurar a coleção “Documentos Brasileiros”, da Editora José Olympio. Com pouca ressonância na época, a obra iria tornar-se um clássico do pensamento brasileiro. Pouco lido, mas muito discutido e citado, “Raízes do Brasil” seria vítima de mal-entendido histórico. Ali, Sérgio escreveu: “Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade. Daremos ao mundo o homem cordial”.

Como se quisesse prevenir-se contra leituras mais superficiais, o próprio Sérgio Buarque de Holanda esclareceu, no livro, que não se devia confundir essa “cordialidade” com “boas maneiras”. Inútil: durante anos a fio “Raízes do Brasil” foi apontado como um manual de um pacato espírito da nacionalidade – e utilizado, tanto pelos que o defendiam como pelos que gostariam de atacá-lo, em nome dessa falsa tese. Foi preciso que, três décadas mais tarde, um paciente trabalho do professor Antônio Cândido demonstrasse que a cordialidade de seu mestre Sérgio Buarque de Holanda era exatamente o contrário do que sempre se pensou: “O ‘homem cordial’ não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez”.

Em grande parte por culpa da repercussão de “Raízes do Brasil”, o restante de sua obra acabou ficando num segundo plano. No entanto, ela representa bem sua trajetória de jovem bem-nascido e inquieto que, nos anos 20, brigaria pelas ideias modernistas no Rio de Janeiro. Primeiro, como representante da Klaxon, dirigida por Mário e Oswald de Andrade. Depois, como um dos fundadores da revista Estética, de onde partiram alguns dos mais certeiros petardos contra o que ainda resistia re ranço parnasiano na cultura brasileira. Formando-se em Direito, teria uma confortável carreira de burocrata a sua espera. Começou conseguindo um lugar como promotor público em Cachoeira do Itapemirim, no Espírito Santo – mas ficou por aí.

Em 1929, está na Alemanha, então o mais rico e fervilhante centro de ideias da Europa, onde descobre a sociologia de Max Weber, inédita mesmo entre os mais cultos círculos da inteligência brasileira. Na volta, entre uma e outra aula da Universidade do Distrito Federal, sem pressa e com muita cautela, Sérgio Buarque começou a escrever seus trabalhos mais importantes. Inimigo do especialismo intelectual, construiu uma obra semelhante à dos velhos sábios do Renascimento – espantosamente abrangente e profunda. Assim, em “Cobra de Vidro” ele reuniria ensaios escritos por volta de 1940 que contêm afirmações preciosas para a época. Por exemplo: “O Brasil, entre todos os países do Novo Mundo, é talvez, ainda, o menos compenetrado de sua posição continental”. Já em “Visão do Paraíso”, sua atenção recuaria por quatro séculos; fez um estudo considerado definitivo sobre a ideologia e a mentalidade dos navegantes do século XVI.

Não foi tudo, porém. As plantações de café e as origens e a decadência da aristocracia paulista seriam analisadas em “Vale do Paraíba- Velhas Fazendas”, no qual seu rigor de sociólogo se soma ao talento de um fino escritor que acompanha os desenhos de Tom Maia, especialista em documentação histórica. Tão prudente em suas atitudes como inventivo no que escrevia, em 1969 Sérgio Buarque renunciaria voluntariamente a sua cadeira de professor de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo, em protesto contra a aposentadoria compulsória de dezenas de mestres promovida com base no AI-5. Mesmo esta firmeza, no entanto, não conseguiu esconder seu prestígio de homem de espírito sempre aberto a discussões. Porque Sérgio Buarque soube sempre ser um homem irrepreensivelmente cordial. Sérgio Buarque, morreu aos 79 anos, no dia 4 de abril de 1982, de complicações pulmonares, em São Paulo. Ao falecer, deixaria a inteligência brasileira órfã de um de seus mais dedicados e profundos representantes.

(Fonte: Veja, 5 de maio, 1982 – Edição n.° 713 – Datas – Pág; 125 – Memória – Pág; 123)

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