Rudolf Hess, ex-número dois do partido nacional-socialista NSDAP no início do reinado de Adolf Hitler

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Até a última gota

Rudolf Hess (Alexandria, 26 de abril de 1894 – Spandau, Berlim ocidental, 17 de agosto de 1987), foi o último líder da Alemanha nazista, o número dois da hierarquia, militar e ex-líder nazista preso desde 1941, condenado à prisão perpétua pelo Tribunal de Nuremberg.

MISTIFICAÇÃO -– Entre o dia 8 de maio de 1945, quando o Reich capitulou, e a obsolescência final do presídio de Spandau, em agosto de 1987, o fenômeno do nazismo passou, em boa parte do mundo, por um processo simultâneo de simplificação e mistificação. Graças a ele, os nazistas – e suas obras – foram desvinculados do pensamento conservador que os gerou e que, mudado, a eles sobrevive. Como a história de casos pitorescos exerce um natural fascínio sobre as pessoas, o anedótico adquiriu, na lembrança do nazismo, um peso irracional em relação a fatos, ideias e crimes.

Com suas experiências mediúnicas e colapsos mentais, Hess era dado por maluco. O histriônico Hitler, também adepto da astrologia, dizia-se solteiro e era amante de Eva Braun. Provavelmente tinha um atrofia da genitália. Goering, cocainômano, dava festas vestido de toga romana e pintava as unhas dos pés. Martin Bormann (1900-1945), braço direito do Führer, condenado por assassinato comum, era um sádico que mantinha a própria família em estado de terror. Antes de suicidar, o chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels (1897-1945), obrigou os cinco filhos a tomarem veneno. Oportunista medíocre, o chanceler Joachim von Ribbentrop foi qualificado por um aristocrata alemão como um homem “tão imbecil que se transforma em desvio da natureza”.

Olhados isoladamente, cada um deles pode ter sido meio louco, meio idiota e maio palhaço. Caíram no ridículo por que perderam a guerra. Se a tivessem vencido, o general Eisenhower poderia ter sido um personagem tão banal quanto Ribbentrop, que se dava ao escândalo de manter um romance com sua motorista Kay Summersby. Churchill? Um alcoólatra. Roosevelt, um presidente senil durante os últimos anos da guerra, casado com uma mulher que se dava a práticas de lesbianismo e amparado pela companhia de uma amante por décadas.

O ex-secretário da Defesa dos Estados Unidos James Forrestal seria retratado como um louco que terminou seus dias, depois da guerra, pulando da janela de um hospício, convencido de que os russos haviam invadido Washington. George Patton, audaz comandante dos blindados americanos, falava com generais romanos e com as tropas de Alexandre, o Grande, nos velhos campos de batalha da África. Tudo isso seria verdade e a questão continuaria exatamente do mesmo tamanho. Churchill, Roosevelt, Eisenhower, Forrestal e Patton lutavam pela liberdade no mundo.

RACISMO – Não se consegue preservar a malignidade básica do nazismo e a beleza da derrota que a civilização lhe impôs a partir do anedotário do período. Como fenômeno histórico ele não foi uma loucura, uma tolice e muito menos uma palhaçada. Foi a exacerbação lógica, fria, popular e internacionalmente aplaudida de um pensamento conservador que prevalecia em boa parte do mundo desde o início do século XIX. Foi a consagração do racismo, da opressão política aos trabalhadores e do aviltamento das liberdades democráticas. Passados 42 anos do fim da guerra, os palanques sobre os quais desfilaram Hitler e Hess estão mambembes, mas sobreviveram dentro da concepção ocidental de civilização, a mesma que impulsionou os tanques que destruíram o Reich.

A bandeira do racismo é empunhada com vigor na França de Jean-Marie Le Pen, que conquistou 2,7 milhões de corações e mentes dos eleitores em 1986 ao proclamar quantos – árabes e negros – são a fonte de todo o mal, exatamente como faziam seus predecessores nazistas em relação aos judeus. Na Áustria, o antigo secretário-geral da ONU Kurt Waldheim teve sua eleição como presidente garantida, em 1986, depois de exposto ao público o seu passado como membro do partido nazista e tenente do Exército alemão acusado de participar de atrocidades cometidas contra civis na Iugoslávia ocupada durante a II Guerra. Na Argentina dos generais, a ditadura instaurada em 1976 pelo presidente golpista Jorge Rafael Videla, com tinturas nazistas, delírios de grandeza e alucinações sobre uma fantasmagórica conspiração judaica, promoveu uma política de extermínio que começou a pretexto de combater o terrorismo e acabou assassinando crianças. Dez anos e 10 000 mortos depois, movidos pelas mesmas ideias, militares argentinos agora conspiram contra o regime democrático.

O dia 17 de agosto começou como um dia normal para o prisioneiro número 7 da cela 23 na prisão de Spandau, em Berlim ocidental. A rotina, desenvolvida ao longo dos últimos quarenta anos, era simples. Acordar às 6 horas da manhã na pequena cela. Depois vinham o café da manhã, a pouca leitura que os olhos fracos do prisioneiro de 93 anos – chamado pelos guardas de der Alte, o velho – permitiam, o primeiro passeio do dia num jardim interno e o almoço.

Às 14h30, foi a hora do passeio da tarde. Dadas as 28 voltas, como sempre, pelo jardim, o velho, também como sempre fazia, entrou numa pequena construção existente no pátio da prisão para descansar. Durante alguns minutos, ele ficou sozinho. Quando os guardas retomaram a vigilância direta, exigida pelo regulamento, o prisioneiro estava caído, com um fio elétrico em torno do pescoço. Levado às pressas para o hospital militar britânico em Berlim, ele não reagiu às tentativas de reanimação e, às 16h10, foi dado como morto. Era o fim de Rudolf Hess, o último sobrevivente da cúpula do nazismo, amigo, seguidor e sucessor designado de Adolf Hitler, ministro do III Reich e general da SS, protagonista de um voo espetacular, em 1941, para propor a paz em separado à Inglaterra – e, nos últimos vinte anos, ocupante solitário de Spandau como remanescente derradeiro dos 22 líderes da Alemanha nazista condenados à forca ou a penas de prisão, por crimes de guerra, no julgamento de Nuremberg.

Hess morreu na prisão, o mesmo ambiente onde passou a metadde de sua vida e no qual, na Alemanha dos anos 20, de pois de participar do putsch da cervejaria de Munique, fora companheiro de cela, fiel escudeiro e secretário de Hitler, então apenas um ambicioso aspirante a líder político, abrindo caminho para sua ascensão posterior nas fileiras do nazismo. Acompanhou-o, até a morte, o clima de delírio e de controvérsia em que sempre viveu. Primeiro, como o poderoso delfim do Führer, dado a práticas ocultistas sob a orientação de uma corte de astrólogos, médiuns e curandeiros. Em seguida, ao partir para o arriscado e solitário voo que o levou da Alemanha até a Escócia, cheio de mapas e de vidros de remédios, para propor a paz que permitiria o fim da “matança da raça branca” – e que concentraria o esforço de guerra alemão contra o inimigo-mor, a Rússia vermelha. Hess não mudou o curso da guerra, não alterou os destinos do mundo nem se livrou do castigo que sobreveio, em Nuremberg, com a pena de prisão perpétua decretada pelo tribunal internacional. O primeiro ministro inglês Winston Churchill simplesmente meteu-o na prisão e continuou a trabalhar em defesa da civilização através do esmagamento do nazismo.

“NÃO ME ARREPENDO” – Durante o julgamento de Nuremberg, Hess, que no auge do poderio do III Reich fora consagrado como a “consciência do partido” nazista, oscilou entre crises de amnésia e períodos de lucidez. “Acho que já vi este homem”, disse ele, durante a fase de interrogatórios, ao lhe ser exibido um filme sobre Hitler. Na declaração final, no entanto, proclamou com voz controlada: “Orgulho-me por ter servido ao maior filho que a Alemanha já produziu em sua História milenar. Não me arrependo de nada”. Os psiquiatras das quatro potências aliadas que conduziam o julgamento – Estados Unidos, União Soviética, França e Inglaterra – diagnosticaram uma personalidade instável, com claros contornos psicopatas, mas pertencente a um homem que sabia muito bem o que fazia quando participava do conselho secreto do gabinete alemão no qual se decidiu a anexação da Áustria e da Chescolováquia e a invasão da Polônia e assinara as infames “leis raciais”, que cassaram a cidadania dos judeus alemães, abrindo caminho, mais tarde, ao genocídio dos judeus por toda a Europa.

O delírio continuou a acompanhar Hess na medida em que os outros seis coordenadores à prisão em Nuremberg morreram ou foram libertados – alguns até para desfrutar um tranquilo fim de vida, como Albert Speer, o arquiteto do III Reich e depois ministro do Armamento -, transformando-o a partir de 1966 no solitário ocupante de Spandau. Para manter o prisioneiro número 7 na sinistra prisão construída na época em qeu Berlim ainda ficava na Prússia, os quatro aliados da época da II Guerra Mundial enviavam destacamentos militares que se revezavam na guarda externa do presídio, mês a mês. O serviço interno exigia um contingente de carcereiros, faxineiros, cozinheiros, telefonistas, médicos,além de eletricistas e enfermeiros bancados pela Alemanha Ocidental, conforme exigem os acordos pós-guerra. Muito menos preocupados com uma hipotética fuga de Hess, os guardas do perímetro externo voltavam suas atenções para possíveis atentados praticados por militantes neonazistas, como chegou a ocorrer em 1986.

A ÚLTIMA GOTA – A idade, a saúde abalada e a condição peculiar de prisioneiro mais caro do mundo levaram personalidades influentes, da Alemanha e de outros países, a interceder pela libertação de Hess. A campanha, iniciada por Wolf Rudiger, o filho que Hess só concordara em receber a partir de 1969, esbarrou sempre na muralha de recusa erguida pela URSS, cuja posição foi certa vez resumida pelo jornal Estrela Vermelha, do Exército soviético: “Hess deve beber do cálice da vingança até a última gota”. Isso só serviu para alimentar as divergências entre os quatro países-carcereiros, aliados na II Guerra Mundial e inimigos desde então. “Hess sempre foi um problema enquanto vivo. Cada decisão tinha que ser aceita pelas quatro capitais”, comentou um diplomata americano na Alemanha. “Isso não poderia mudar agora que está morto.”

O primeiro problema surgiu quando, atestada a morte do prisioneiro, o representante soviético recusou-se a alterar o comunicado oficial conjunto já preparado para esta eventualidade desde muito tempo. Assim, a morte foi apresentada como natural, tendo ocorrido na própria prisão. Nem uma coisa nem outra eram verdade. O suicídio só foi mencionado quase 24 horas mais tarde e, posteriormente ainda, soube-se da existência de uma encontrada no bolso da calça de Hess – abrindo caminho a mais uma rodada de controvérsias. “Como um homem de sua idade poderia tentar o suicídio puxando um fio elétrico em torno do pescoço sem sequer amarrá-lo em algum apoio? Qualquer legista dirá que isso é impossível”, apressou-se em protestar Alfred Seidl, advogado da família, que exigia uma segunda autópsia, realizada dia 18 de agosto.

A longa crônica de suicídios de figurões nazistas ante a derrota ou a prisão, aberta pelo próprio Hitler, que deu um tiro na boca no bunker da chancelaria, registra no entanto um precedente parecido. Robert Ley, ministro do Trabalho do III Reich, matou-se durante o julgamento de Nuremberg com um pedaço de toalha molhado e enrolado em volta do pescoço, sentado no banheiro de sua cela. Burlando, também, a vigilância cerrada da guarda, Hermann Goering, réu mais importante na qualidade de número 2 da hierarquia nazista e comandante da Força Aérea, vestiu um pijama de seda e engoliu uma cápsula de cianureto – escondida num pote de creme e provavelmente dada por um soldado americano da guarda, conquistado por suvenires – 2 horas antes de marchar para a execução na forca.

Com a morte de Hess, acabaram-se os nazistas de parada. Sumiram a tempo de permitir a impressão de que seus gritos, paranóias e fantasias formaram um bando de degenerados que, por acaso, tomaram o poder na Alemanha, levaram-na a uma guerra e, derrotados, foram metidos nos cárceres, por tarados. O nazista Rudolf Hess, um dos homens fortes de Hitler, foi encontrado morto por enforcamento na prisão de Spandau, aos 93 anos.
17 de agosto de 1987 – Rudolf Hess, tenente de Hitler, é encontrado morto por enforcamento na prisão de Spandau.

Rudolf Hess, o último dos nazistas de parada, suicida-se em Spandau, mas não morrem as ideias que o geraram.

Ex-número dois do partido nacional-socialista NSDAP no início do reinado de Adolf Hitler, Rudolf Hess foi condenado à prisão perpétua durante o julgamento contra os chefes nazistas em Nuremberg após a II Guerra Mundial.

Considerado um mártir na comunidade neonazista, o homem que foi o braço direito de Hitler é objeto de culto por parte dos extremistas de direita na Alemanha, que durante muito tempo se reuniram diante de seu túmulo nos dias 17 de agosto.

(Fonte: http://www.correiodopovo.com.br – ANO 116 – Nº 321 -– Cronologia – 17 de agosto de 2011)
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br -– Fatos do Dia – 17 de Agosto de 2011)
(Fonte: Veja, 26 de agosto de 1987 -– Edição 990 -– DATAS/INTERNACIONAL -– Pág; 46 e 109)

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