Pierre Beaumarchais, principal nome da comédia francesa depois de Molière

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Pierre Beaumarchais (Paris, 24 de janeiro de 1732 – Paris, 18 de maio de 1799), principal nome da comédia francesa depois de Molière.

A ópera As bodas de Fígaro reúne a maior soma de talentos já reunida na história das artes. O enredo é de Pierre Beaumarchais, com texto de Lorenzo Da Ponte, nome que está para o libreto de ópera como Shakespeare para o teatro. E a música, é de Mozart. O resultado da reunião é um espetáculo divertido e provocativo, tanto na dimensão humana quanto na política. Uma espécie de réquiem para o mundo medieval, a anunciar a mentalidade moderna, com uma novidade revolucionária: a democracia.

As bodas de Fígaro, a peça, estrearam em 1784 em Paris, cinco anos antes da Revolução Francesa. A originalidade da trama é que, nela, os personagens ficam indignados com coisas que, na velha ordem, pareciam aceitáveis. No enredo, o conde de Almaviva se apaixona por uma serva, Susanna. O problema: ela é noiva de Fígaro. O mesmo Fígaro, no passado, prestara um serviço inestimável ao conde, ao aproximá-lo de Rosina, sua condessa. Para resolver a situação, o conde resolve restaurar uma lei que ele próprio abolira em seus domínios. O droit du seigneur, pelo qual a virgindade de uma serva pertence ao senhor de terras. Uma espécie de estupro institucionalizado. Nada disso é explícito numa peça em que o medieval e o moderno se chocam. No novo mundo, o conde disfarça seu assédio a Susanna como cortesia. Na música de Mozart – ele e Da Ponte transformaram a peça em ópera em 1786 –, o conde implora pelo amor da serva no dueto “Crudel, per chè finora”, para, logo na ária seguinte, revelar que pretende usar da autoridade, se necessário, para conseguir o que quer.

Na primeira parte da história – a peça O barbeiro de Sevilha, também de Beaumarchais, que também inspirou uma ópera –, o conde se mostrara moderno. Para se aproximar de Rosina, deixa de lado o droit du seigneur e se esforça por conquistá-la. Na hora de fazer a corte, disfarça-se de estudante pobre, para ter certeza do amor da futura condessa. Quando requisita o alcoviteiro Fígaro, o barbeiro, paga pelo serviço. A peça flagra o nascimento de duas novidades libertadoras. O amor romântico, que não se submete às conveniências. E o capitalismo, que transforma a relação escravocrata em troca remunerada.

É útil saber mais sobre o autor da história, inspirador de uma excelente cinebiografia,Beaumarchais, o insolente. Beaumarchais era um homem com um pé no velho mundo, outro no novo. Não se incomodava com a escravidão, ao mesmo tempo que era um árduo defensor da emancipação das mulheres. Considerava-se um romântico, mas nunca se casou com a grande paixão de sua vida, Pauline Le Breton, porque o dote dela era muito baixo. Sua primeira mulher foi uma viúva rica, que abriu para ele as portas da nobreza – e morreu misteriosamente dez meses depois do casamento. Ironicamente ou não, foi para um personagem de As bodas de Fígaro que Mozart e Da Ponte escreveram a melhor canção já composta sobre o amor romântico (talvez empatada com “For no one”, dos Beatles): “Voi che sapete”, em que um adolescente descreve a paixão como se fosse uma doença, sem saber se faz jus ao diagnóstico.

Em mais um aspecto, Beaumarchais foi um homem de seu tempo. Conciliava ideais e dinheiro. Apoiou a Revolução Americana e ainda deu um jeito de lucrar com ela, ao exportar armas para os que lutavam pela independência dos Estados Unidos. No mesmo espírito, ganhava dinheiro encenando espetáculos para os nobres – e, neles, os ridicularizava. Todas as suas peças eram censuradas, enfrentavam processos longos, às vezes Beaumarchais acabava preso – mas, quando os textos iam para o palco, faziam um tremendo sucesso e enchiam seus bolsos.

A ideia mais forte de As bodas de Fígaro – que talvez tenha algo a dizer ao Brasil de hoje – é que o passado nunca volta. Por mais que o conde de Almaviva queira retornar ao velho mundo, o novo acaba por se impor. O narrador do filme Beaumarchais, o insolente diz que a estreia deAs bodas de Fígaro, em 1784, representou o primeiro ato da Revolução Francesa. A democracia é uma peça em vários atos, com infinitos recuos e subtramas. Franceses, ingleses e americanos a aperfeiçoam há mais de 200 anos.

 

(Fonte: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/joao-gabriel-de-lima/noticia/2014/12 – JOÃO GABRIEL DE LIMA – 04/12/2014)

 

 

 

 

 

 

 

 

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