Ossip Mandelstam, poeta russo de tom ligeiramente classicista

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Voz da revolução

Ossip Mandelstam em 1934. Photographie du NKVD.

Ossip Mandelstam em 1934, em foto da polícia política: morte cruel. (Photographie du NKVD.

Ossip Mandelstam (Varsóvia, 15 de janeiro de 1891 – Gulag, Sibéria, 27 de dezembro de 1938), foi um poeta russo, um dos principais nomes do Acmeísmo, de tom ligeiramente classicista.

Um dos melhores membros de sua geração de poetas russos modernos, Mandelstam acreditava de modo quase místico que sua poesia seria capaz de influenciar a realidade.

Criador de uma obra rebuscada, difícil, hermética e avessa a quaisquer exigências oficiais, o poeta já caíra em desgraça nos anos 20. Na década seguinte, banido das editoras e das publicações, vivia numa miséria atenuada somente pelo trabalho de tradutora da esposa e pelo auxílio de amigos.

Mandelstam era, contudo, reconhecido como um poeta excepcional tanto por seus colegas de ofício quanto pelo próprio Stalin. Há muitas lacunas no que se sabe sobre seus últimos anos, e isso permitiu-se tecer hipóteses e romancear a história toda. Pouco antes de seu primeiro encarceramento, Pasternak e Stalin tiveram uma conversa telefônica a respeito de sua importância literária. Mas o conteúdo preciso da conversa continua misterioso.

poesia russa do século XX é uma aventura em que a política e a literatura se cruzam a cada passo. Na voz dos poetas russos modernos, a violência dos fatos históricos (a Revolução Bolchevique de 1917, o terror da ditadura stalinista, a guerra contra o nazismo) se mistura com com as novas formas de expressão (simbolismo, futurismo, construtivismo) para dar origem a uma arte variada e portentosa.

Fica claro que, na União Soviética, escrever não só era perigoso como podia ser mortal. Mesmo com todos os riscos, foram muitos os que insistiram em continuar a escrever, e a escrever bem, até o fim.

Ossip, por exemplo, não suportou tantos ziguezagues políticos. Ele chegou a trabalhar no Ministério da Educação no início dos anos 20.

Em 1934, porém, fez um poema em que Stálin era chamado de “assassino de camponeses”. Foi então condenado a três anos de prisão, cumpriu a pena, e, depois de libertado, foi condenado novamente a cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria, onde morreu de fome, aos 47 anos, em dezembro de 1938.

Na prisão, Mandelstam ainda insistiu em fazer versos como: Inexorável – a invenção da poesia/Não pode ser mudada, e ninguém a irá julgar. Ou, então, O trabalho silencioso prateia/O arado e a voz do inventor.

Neles, a solenidade da arte poética dá o tom.

Nos versos de um Boris Pasternak (o autor de Doutor Jivago), se explica que é do íntimo dos poetas que nasce essa arte que incomoda o poder e dignifica o homem.

Atribui-se ao poeta a frase segundo a qual a Rússia era o país que mais prezava a poesia – já que nela se podia até ser executado por causa de um poema. Foi essa constatação, mais um breve poema que teve um papel-chave em sua morte, em dezembro de 1938. O poema fatal – ou melhor, suicida -, de apenas dezesseis linhas, teria sido composto em 1934.

Satirizava duramente Stalin, sua crueldade homicida e seus principais capangas nos dias quando a coletivização da agricultura estava ocasionando a morte, por fome ou punição, de milhões de camponeses, e quando o ciclo infernal de expurgos, deportações e execuções de caráter político, que se tornou conhecido como o Grande Terror, vinha fazendo um número crescente de vítimas.

Como o Grande Terror dos anos 30, era o clima sufocante da Rússia durante seu decênio mais atroz, foi concentrando-se no trágico destino comum a inúmeros artistas, escritores e poetas russos. Mas pode-se dizer que seu verdadeiro protagonista era Stalin, o responsável pela história maior, a do Grande Terror, que abarca e explica a da morte do poeta.

Os atingidos eram, na maioria, inocentes de todo e qualquer delito, fosse comum ou político. Praticamente todos os que acabaram presos, interrogados, torturados, enviados aos campos de trabalhos forçados ou executados foram colhidos pelas redes lançadas a esmo sobre tal ou qual grupo social, profissional, étnico, geográfico.

Milhões de inocentes foram escolhidos apenas porque o partido e o estado (ambos se confundiam) podiam, de acordo com uma lógica demente, selecioná-los aleatoriamente para engrossar as legiões crescentes de cadáveres e de escravos. Os “tchekistas” (os agentes da polícia política), que sabiam melhor do que ninguém que o acusador de hoje poderia ser o réu de amanhã, tinham cotas de confissões e de culpados a preencher.

Caso não o fizessem, corriam o risco de ser, eles mesmos com suas família, enviados para a vala comum ou para a Sibéria. O Grande Terror nunca teve nada a ver com o combate a dissidentes, opositores, inimigos ou adversários reais do regime e transcendia inclusive o objetivo de manter a população aterrorizada e dócil.

Lera ou mostrara o breve poema apenas a um círculo restrito de pessoas. Entre elas, sua mulher, Nadejda, a jovem e bela atriz Zinaida Záitseva-Antónova (que estava envolvida num ménage à trois com o casal) e seus dois grandes amigos, os também poetas Boris Pasternak e Anna Akhmátova.

Ainda assim, o texto chegou rápido ao conhecimento do tirano e acarretou a inevitável prisão do autor. Surpreendentemente, Mandelstam foi logo solto – mas voltou a ser preso em 1937 e deportado para a Sibéria, onde morreu nas circunstâncias mais cruéis, provavelmente de tifo e em decorrência dos maus-tratos.

Quando poetas se interessam por política, isso raramente produz mais do que maus poemas. Mas, quando partidos, regimes e tiranos se interessam pela poesia – algo que sucedeu tanto na Rússia czarista como na União Soviética de Stalin -, o resultado inevitável são poetas encarcerados ou mortos.

(Fonte: Veja, 4 de setembro de 1985 – Edição 887 – LIVROS/ Por Mário Sérgio Conti – Pág: 133/134)

(Fonte: Veja, 15 de setembro de 2010 – ANO 43 – N º 37 – Edição 2182 – Livros/ Por Nelson Ascher – De Mandelstam para Stalin, de Robert Littell – Pág: 160/161)

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