Osman Lins, um dos mais prolíficos e inventivos escritores da literatura brasileira contemporânea

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Lins: um escritor que buscou o leitor sem rosto

Osman da Costa Lins (Vitória de Santo Antão, 5 de julho de 1924 – São Paulo, 8 de julho de 1978), um dos mais prolíficos e inventivos escritores da literatura brasileira contemporânea. Lins possuía uma bibliografia de quase uma vintena de obras publicadas, além de um volume de peças para a televisão, a ser lançado brevemente, e um romance que não pode terminar, “Cabeça Levada em Triunfo.”

Nascido em Vitória de Santo Antão, pernambucano, a 5 de julho de 1924, Osmar Lins estreou em 1955, com “O Visitante” – na verdade, o segundo romance que escreveu, pois o primeiro permaneceria inédito. E era natural que começasse pela ficção. Homem do interior, até então sem possibilidades de formação universitária, só lhe restavam os caminhos da sensibilidade e da intuição. Quando, a partir de 1941, passou a residir no Recife, sentiu falta de base teórica e adiou por isso sua contribuição à ensaística. “Guerra sem Testemunhas” – a respeito do escritor, do ofício de escrever e da realidade cultural brasileira, muitas vezes esmagadora, apareceu somente em 1969. E em 1973 viria “Lima Barreto e o Espaço Romanesco”, tese com que se doutorou em letras pela Universidade de Marília, São Paulo.

QUESTÕES MORAIS –- Atraído para a dramaturgia, cursou a Escola de Artes da Universidade do Recife. O término do curso, em 1961, coincide com a primeira peça de Osman Lins, “Lisbela e o Prisioneiro”, inscrita em concurso patrocinado por Tônia – Celi-Autran, em busca de originais brasileiros, e encenada por aquela companhia nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro.

Certamente ele não viveu só de literatura. Bancário, considerou essa atividade um obstáculo às suas aspirações. Retornando de sua primeira visita à Europa (que rendeu o relato “Marinheiro de Primeira Viagem”, em 1963), fixou-se em São Paulo e conseguiu abreviar a carreira no banco. Não tardaria a se tornar professor de literatura na faculdade de Marília. Mas sua constatação do clamoroso despreparo dos alunos se, por um lado, acirrou o debate sobre a insatisfatória qualidade do ensino de letras, acabou por leva-lo a renunciar ao magistério, por descrer de sua contribuição em favor da melhoria de nível.

Passou a escrever todas as manhãs, e aos sábados e domingos compensava o tempo eventualmente perdido durante a semana. Assim, professando a dignidade do escritor, inimigo ferrenho do texto vazio ou rotineiro, foi construindo uma obra. Já em seu livro de estreias, “O Visitante”, Osman Lins deflagra o que seria, ao longo de todas as suas criações, um processo inquiridor de natureza filosófica: o romance expõe e procura desenvolver questões morais.

VARIAÇÕES TEMPORAIS –- A mesma preocupação percorre os contos de “Os Gestos” (1957). Mas a receptividade da crítica será mais acentuada em relação ao romance “o Fiel e a Pedra” (1961). A partir do tema, esse livro de Osman Lins é uma peça universal, de clara ressonância cultural, que retrocede, na apresentação do herói puro, absoluto e triunfante, à antiguidade clássica. Uma luz forte, cegante, parece brotar da prosa e iluminar o essencial.

Nas narrativas de “Nove, Novena” (1966), Osman Lins inicia uma segunda abertura em sua obra romanesca, marcada pela montagem do livro como peça artística. Paralelamente à estrutura, esmera-se, a partir de tais narrativas, no aperfeiçoamento de uma prosa ornamental, não propriamente no sentido dos parâmetros literários, senão de uma visão mágica, de uma luminosidade de vitral. Por sua vez, as personagens se desdobram na medida em que o ficcionista permite variações temporais.

“Avalovara”, o romance seguinte publicado em 1973, é outra de suas estruturas geométricas, só que mais complexa. O romancista utiliza uma frase latina, “Sator arepo tenet opera rotas” (tradução aproximada: “o lavrador mantém com cuidado a charrua nos sulcos”), a qual, com cada letra ocupando um quadrado, forma cinco linhas legíveis em todas as direções. Sobre os quadrados, a partir do núcleo, desenrola-se uma espiral. Uma letra do palíndromo sugere um tema e o romance se desenvolve no espaço e no tempo, sempre retomado, jamais concluído. À medida que acompanha as variações temáticas, o escritor medita sobre a progressão do seu próprio texto.

MAIOR PERSONAGEM –- Essa posição do autor, vendo a obra avançar, acompanhando-a com atitude crítica, é uma constante em Osman Lins e retorna em seu último romance, “A Rainha dos Cárceres da Grécia” (1977), no qual um professor “edita” um texto ficcional deixado por uma mulher morta, enquanto o esmiúça e também se reporta à biografia da autora.

Em todos esses romances e narrativas, mesmo nos da primeira etapa, a partir principalmente de “O Fiel e a Pedra”, o escritor pernambucano mantém-se fiel a peculiaridades brasileiras. Mas transcende regionalidades com “o intento”, segundo um de seus críticos, “de cruzar fronteiras e aportar à mais distante aventura humana”. Osman Lins confessou várias vezes buscar o leitor sem rosto, e o autor foi certamente sua maior personagem. Osman Lins foi escrito por alguém com este nome. Colocou-se em várias situações, examinou-se, interrogou o meio à procura daquela verdade que persegue e aflige o ficcionista predestinado a descobertas e originalidades. Sua obra é uma autobiografia intelectual. Com o falecimento de Osman Lins, ocorrido dia 8 de julho, em São Paulo, a literatura brasileira perdeu um de seus mais inventivos escritores. Ao morrer de câncer, com 54 anos, Lins deixa uma bibliografia de quase uma vintena de obras publicadas, além de um volume de peças para a televisão, e um romance que não pôde terminar, “Cabeça Levada em Triunfo”.

 

(Fonte: Veja, 12 de dezembro de 1973 –- Edição 275 –- LITERATURA/ Por Leo Gilson Ribeiro –- Pág; 99)
(Fonte: Veja, 19 de julho de 1978 -– Edição 515 -– LITERATURA/ Por Hélio Pólvora –- Pág; 120/122)

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