O primeiro indígena Cinta Larga graduado em medicina

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Tales Naian: O primeiro indígena Cinta Larga graduado em medicina, recém-aprovado no “Mais Médicos”

Tales Naian: O primeiro indígena Cinta Larga graduado em medicina, recém-aprovado no “Mais Médicos” – (News Rondônia© Fornecido por Newsrondonia)

 

Na quarta-feira (18) celebramos o “Dia do Médico” e o News Rondônia presta uma homenagem a esses profissionais por contar com exclusividade a história do primeiro indígena de Rondônia – Cinta Larga – graduado em medicina da atualidade: Tales Naian Gomes Cinta Larga. Um jovem de 26 anos, diplomado por uma universidade do Paraguai e que alcançou com muito esforço e dedicação ingresso no Programa “Mais Médicos”, do Governo Federal, e agora luta com o “Revalida”, processo de revalidação dos diplomas de médicos do Brasil.

Tales Cinta Larga nasceu em Ji-Paraná, interior de Rondônia, no dia 05 de junho de 1997 e em poucas semanas de vida foi levado para viver em Cacoal. Filho de pai indígena e mãe Capixaba, Naian teve uma infância mesclada entre os costumes da cidade e da aldeia. Das mais doces companhias neste período, uma personagem não poderia deixar de ser citada neste relato, a sua avó materna, já falecida, dona Carmelina Gomes.

Foi dela que Tales recebeu grande incentivo para os estudos, porém, sem perder a essência do seu povo. Dona Carmelina é responsável não somente pelo apoio moral como também por financiá-lo no exterior, pagando as parcelas da faculdade particular. Tarefa que foi dividida posteriormente com o pai de Tales e os próprios parentes.

Na realidade, Naian é mais um indígena que sofreu ou sofre com a falta de oportunidades no ensino superior por conta do injusto sistema de seleção educacional. A trajetória desse tipo de educação em nosso país, é marcada pela restrição ao grupo privilegiado da população, com evidente exclusão de pessoas indígenas, mesmo com vigência da Constituição Federal de 1988 que garante educação de qualidade e acessível para todos.

EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: É INJUSTA?

No Brasil, os cursos de Medicina são destinados a um grupo privilegiado da população. No censo demográfico de 2010, os brancos representavam 48% da população, sendo constatado, com base na análise dos dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2019, que os concluintes dos cursos de Medicina eram 67% brancos. Já os indígenas, que somam cerca de 0,4% da população brasileira, eram 0,3% dos concluintes.

Quando isolamos esse número para Rondônia, a situação piora e entristece. Para se ter noção, nossa reportagem não encontrou nenhum dado junto às classes médicas sobre o número de médicos indígenas no estado, o que comprova que é preciso repensar as políticas de inclusão e em todas as esferas.

AS BARREIRAS

No caso de Tales, sem conseguir uma vaga numa universidade pública no estado, se sentiu obrigado a realizar seu sonho ao mudar para a pequena cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, distante de Cacoal cerca de 2.014 km, cerca de 27 horas de viagem por terra. Naian é mais um indígena que forçosamente excluído do injusto sistema educacional do país.

Longe de casa, da família, da vida na aldeia, Tales por muitas vezes tentou desistir. Mas, as palavras de sua avó ecoavam a todo momento na cabeça afastando os pensamentos de desistência que por ventura surgiam. Além da saudade, o jovem também enfrentou outras barreiras: a do lado cultural e do idioma. Esse último porque não falava espanhol. Para quem não sabe, o nosso vizinho Paraguai possui dois idiomas oficiais – o Espanhol e o Guarani – porém, existem outros dialetos que dificultam a comunicação com os locais. Esses dialetos se misturam à língua falada nos quatro cantos do Paraguai o que dificulta em muito a compreensão entre emissor e receptor.

Cinta Larga se empenhou, focou nos estudos, ganhou destaque por sua determinação na classe sendo reiteradamente elogiado dentro e fora da sala de aula. Os anos foram passando até que em setembro de 2022, entregou à Universid Politécnica Y Artística – Facultad de Ciencias de la Salud – o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Trabalho obrigatório, entregue à instituição educacional para obtenção do diploma.

Em maio deste ano, o tão sonhado canudo já estava em suas mãos, devidamente assinado e carimbado. Tales tornou-se Médico Cirurgião. Motivo de festa em casa, na aldeia. Mas, o jovem graduado em medicina teria outra barreira caso quisesse atuar no Brasil, realizar o seu sonho central: obter o CRM expedido em terras brasileiras.

“Meu objetivo sempre foi formar, obter o CRM do Brasil, para poder voltar para a minha aldeia e prestar atendimento lá. E no meu cantinho que quero desenvolver o meu trabalho, ajudando o meu povo, as pessoas que vivem lá. Essas pessoas quase não recebem ajudas. Eu sou testemunha do que eles vivem, do que passam, como são tratados. Quero mudar essa realidade! Quero fazer a diferença! Quero oferecer saúde de qualidade! Isso tudo aliado ao meu conhecimento e agregar com os do meu povo que se vira como pode através da medicina da floresta”, disse.

UM POVO JUDIADO, PORÉM, RESISTENTE

Os povos Cinta Larga ou Cinturão Largo, habitam por muitos anos uma faixa de terra no sudoeste da floresta amazônica, mais precisamente na divisa dos estados de Rondônia e Mato Grosso. Entre um episódio e outro do histórico desse povo, os Cinta Larga foram alvos da cobiça dos seringueiros e garimpeiros. O que provocou a diminuição de sua população. Na década de 60, a estimativa era de 2 mil pessoas. Cerca de 20 anos depois, caiu para 500 indivíduos. Hoje  estima-se em 1.500.

Os problemas relacionados ao desmatamento, a criação de novas cidades, a migração dos indígenas para o ambiente urbano provocou esse esvaziamento. A falta de saneamento básico nas aldeias e acesso a saúde é o que mais dificulta a vida dos Cinta Larga.

NAIAN E A SUA BELA MISSÃO

Foi em melhores condições de vida para os seus ‘pares’ que Tales Cinta Larga seguiu com o plano. Recentemente fez a prova como médico estrangeiro, mesmo dentro do seu país, para inclusão no Programa Mais Médicos. Esta foi a saída que encontrou para conseguir a carteira do RMS, documento para profissional estrangeiro que permite a sua atuação pelo Mais Médicos e tem validade restrita à permanência do profissional no programa. A aprovação dele no programa surgiu após duas provas e um curso realizado na capital federal, Brasília. Na sede do Ministério da Saúde (MS), Naian recebeu instruções valiosas sobre o trabalho que posteriormente seria executado na ‘missão’.

O nosso jovem foi aprovado no Módulo de Acolhimento e Avaliação (MAAV), depois da aprovação final, desembarcou em Maués, cidade do interior do Estado do Amazonas, com 225 anos de existência, e população de 66 mil pessoas, para o primeiro trabalho como médico. Por lá, Tales tem recebido destaques pela qualidade no atendimento aos ribeirinhos e aos indígenas. Nas redes sociais, alguns pacientes chegaram a agradecer por suas consultas e ressaltar a sua presença no local.

“Como sempre fui dessa área indígena, eu escolhi Maués para ajudar as comunidades mais carentes, mais afastadas da zona urbana. A cidade tinha vagas, por isso escolhi. Porém, meu objetivo mesmo era Rondônia. Fica pra próxima (…) Aqui tenho trabalhado em parceria com outra colega que me atualizou, ajudou a operar um programa de atendimento. Hoje tenho atendido sozinho no consultório da UBS e faço também visitas aos pacientes em suas casas. Posso dizer que estou muito feliz pela oportunidade. Todos os dias são coisas novas, por isso tenho estudado bastante para absorver a maior quantidade de conhecimento”, ressaltou.

Apesar de chegar a esse momento da profissão, Tales não esconde a saudade de casa e da aldeia. “Eu estava muito acostumado com eles. O jeito de amenizar este sentimento é sempre estar interagindo com outros indígenas. Estou num posto que atende prioritariamente os indígenas, por tanto, sou também o único médico indígena. É uma responsabilidade que exige muito amor, respeito e agilidade”, contou.

QUE VENHA O CRM!

Os planos para obter o CRM, o que chama de projeto parte II, estão em fase de execução. Todos os dias, nos momentos de folga em vez de gastar com lazer como muitos jovens escolhem, ele tem usado para mergulhar nos livros. Horas e horas de estudo, de anotações, de leituras e de vídeos. Rotina que até já se acostumou.

“Não posso, não devo parar. Quero alcançar meu CRM do Brasil e poder voltar pra casa como um legítimo médico brasileiro e atender o meu povo, meu estado”, destaca.

Tales segue na luta. Nas bandas de cá, na vastidão da floresta, os seus parentes congratulam-se pelo tamanho esforço, vibram com a quebra de paradigmas impostos pela sociedade brasileira de que lugar de indígenas é nas aldeias, nas florestas, no mato. Enquanto isso, Tales, o primeiro Cinta Larga devidamente graduado em medicina, comprava: “Lugar de indígena é onde ELE quiser”.

(Direitos autorais: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil – Newsrondonia/ NOTÍCIAS / BRASIL/ História por Wanglézio Braga – 18/10/23)

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