Lota de Macedo Soares, uma personagem que mudou a paisagem do Rio de Janeiro esquecida pela História

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A história de Lota de Macedo Soares, que executou o projeto do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, e se suicidou pelo amor de uma poeta.

Lota de Macedo Soares (Paris, 16 de março de 1910 – Nova York, 25 de setembro de 1967), paisagista e aristocrata carioca. Uma personagem marcante da vida carioca nos anos 50 e 60, que mudou a paisagem do Rio de Janeiro, desconhecida das novas gerações, e de um monumento da poesia americana, Elizabeth Bishop (1911-1979), uma mulher muito discreta.

A aristocrata Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, herdeira de fazendas e imóveis no Estado do Rio de Janeiro, cujo pai foi dono do jornal Diário Carioca, tinha ideias mais interessantes com que ocupar o tempo.

No Brasil, donas de casa milionárias, quando resolvem trabalhar, costumam montar butiques ou se dedicar a obras filantrópicas.

Lota realmente teve uma ideia. Uma delas: convenceu seu amigo Carlos Lacerda, recém-eleito governador do Estado da Guanabara em 1960, a fazer no aterro do Flamengo o mais espetacular parque urbano do lado de baixo do Equador. “Deve ser um Central Park para os cariocas”, dizia “Lota”, como era conhecida pelos amigos. Para tocar o projeto, sugeriu seu próprio nome.

Lota não era mesmo uma milionária comum. Ela dividia o mesmo teto com Elizabeth Bishop, uma das maiores poetas americanas do século 20. Durante quinze dos quase vinte anos em que Bishop permaneceu no Brasil, elas mantiveram uma relação marcada pela paixão e pela tragédia.

A história de Lota de Macedo Soares, de sua luta e trajetória para construir o Parque do Flamengo e de sua conturbada relação amorosa com Elizabeth Bishop, um monumento da poesia americana, uma mulher muito discreta.

CHATA E ANTIPÁTICA – Antes mesmo de enfrentar a tarefa de erguer o Parque do Flamengo, Lota, que se suicidou em 1967, já agitava a vida do Rio de Janeiro. Era a ovelha negra de uma família tradicional que em plenos anos dourados só usava calças compridas e camisas masculinas. Era culta e simpática, conhecia as pessoas certas e tinha energia. À frente do parque, cuja execução se arrastou por anos a fio, tornou-se um galo de briga, capaz de passar pitos inesquecíveis em Carlos Lacerda e ir ao presidente Castelo Branco, para afirmar suas ideias.

Lota e Bishop nunca fizeram segredo de sua união. Lota aparece em qualquer perfil biográfico da poeta, morta em 1979. Há diálogos inteiros travados entre as duas protagonistas na intimidade. Trata-se de Uma Arte, coletânea de mais de 300 cartas pessoais escritas pela poeta no decorrer da vida. Uma Arte também é um livro surpreendente. Robert Lowell (1917-1977), um dos grandes poetas americanos, disse certa vez que, quando as cartas de Bishop fossem publicadas, ela seria considerada não apenas uma escritora excepcional mas também uma das mais prolíficas de seu tempo. Tinha razão. As cartas de Bishop são deliciosas de ler. Nelas, a poeta de versos econômicos e personalidade introvertida dá lugar a uma escritora cativante, cheia de imaginação. Sob sua visão, fatos rotineiros ganham vida. As cartas mais reveladoras são as enviadas à sua médica de Nova York, Anny Baumann. E os quinze anos que Bishop passou no Brasil são os cenários das passagens mais marcantes de sua correspondência.

Das cartas emerge uma Elizabeth Bishop muito mais comunicativa e franca do que ela jamais foi em seus poemas. A poesia de Bishop, feita de pequenos e sutis observações do cotidiano, é muito econômica nas palavras e rigorosa nas formas, uma poesia contida, às vezes ríspida. No trato pessoal, Bishop não era diferente. Basta lembrar que, em seus quinze anos de Brasil, se conta nos dedos de uma mão os amigos que fez. De modo geral, para os amigos de Lota, sua companheira era taxada de chata e antipática.

Nas cartas, Bishop deixa aparecer a pessoa por trás da poeta. Quando escreve a Marianne Moore, transparece sua angústia por ser praticante órfã – seu pai morreu quando ela tinha 8 meses e pouco depois sua mãe foi internada num hospício. A vida inteira andou em busca de substitutos para o pai e a mãe. Em sua correspondência, comenta livremente o romance com Lota. Descreve também os anos que passou em Ouro Preto, antes e depois da morte da companheira, de onde saiu convencida de que jamais deveria ter posto os pés no Brasil.

BAIXINHA ATREVIDA – As passagens no entanto, são aquelas que mostram Lota em contato com políticos e burocratas na construção do Parque do Flamengo. Ela não era arquiteta ou paisagista nem sequer tinha diploma universitário. Mas era uma mulher viajada, lida, educada, culta e de bom gosto. Seduzido, Lacerda entusiasmou-se pela ideia do parque e criou para ela o cargo – não remunerado – de “assessora especial do Departamento de Parques e Jardins”.

Os engenheiros e arquitetos do órgão, desde o início, a viam como um corpo estranho, uma baixinha atrevida. Sua primeira providência: cortar o número de pistas para carros, de quatro para duas. Segunda: chamar uma comissão de notáveis, como o arquiteto Afonso Reidy e o paisagista Roberto Burle Marx, para criar o parque, engavetando as ideias dos chefões do departamento. O tempo fechou.

Ao defender suas ideias, entre elas a instalação dos imensos postes que até hoje estão no parque, Lota conseguiu brigar tanto com os burocratas quanto com a maioria dos notáveis. Sua discussão com Burle Marx – outro temperamental de carteirinha -, iniciada por causa de um playground infantil, é engraçadíssima. A cada dificuldade que surgia no projeto do parque, Lota recorria ao governador Lacerda, que àquela altura da vida política do país, com a revolução de 1964 iminente, tinha pouco tempo para a amiga. Ela não tinha dúvidas: cruzava os portões do Palácio Laranjeiras e brandia o dedo na direção do governador. Nessas conversas, ouviam-se insultos.

O governador Lacerda aguentava porque acreditava nas ideias de Lota – e também achava que ela era um tipo inteligente e interessante. Certa vez, com o parque quase pronto, a Marinha cismou de instalar ali uma estátua do almirante Barroso, o heróis da Batalha do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, alegando que ela se encontrava muito longe do mar, no centro da cidade. “Por que diabos Barroso sentiria saudades do mar se ele foi herói de uma batalha fluvial?”, devolveu Lota, encerrando o assunto. Uma tirada típica de uma personagem que mudou a paisagem do Rio de Janeiro, e esquecida pela História.

(Fonte: Veja, 29 de novembro de 1995 – ANO 28 – Nº 48 – Edição n° 1420 – LIVROS/ Por Okky de Souza – Pág; 134 a 136)
(Fonte: Super Interessante 14 anos – Edição 168 – setembro 2001 – Comportamento/ Por Leandro Sarmatz – Pág; 88/93)

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