“Se um médico pode ser substituído por um computador, deveria sê-lo!” RENATO M.E. SABBATINI, Fellow da International Academy of Health Sciences

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Se um médico pode ser substituído por um computador, deveria sê-lo!

RENATO M.E. SABBATINI, Fellow da International Academy of Health Sciences

O que os médicos (e as faculdades e hospitais) precisam entender é que sem aprender a dominar as novas tecnologias eles poderão ser dominados por elas

Ultimamente os médicos do mundo todo estão ficando muito preocupados com a questão da tecnologia. Não somente porque a relação médico-paciente tem passado por uma enorme (e, para muitos, ameaçadora) transformação, graças à democratização do acesso à informação médica pela internet; mas também pelo medo de que as tecnologias inteligentes eventualmente sejam mais poderosas do que eles. E a perda do poder, da autonomia, da autoridade e do prestígio do médico estão no cerne dessas transformações.

 

Um livro muito importante, escrito por um médico e intitulado sugestivamente de “A destruição criativa da medicina” (em tradução livre), foi um dos primeiros a chamar a atenção para o potencial da tecnologia de afetar profundamente a medicina, tal como ela foi até agora. A intenção foi boa, mas, sinceramente, todos esses termos são muito negativos. Ninguém quer ser revolucionado, tornado obsoleto ou prejudicado por uma ruptura, nem mesmo ver a sua profissão destruída.

 

Não seria muito melhor alardear que as novas tecnologias vão melhorar, incrementar, aprimorar a medicina? Eu diria que a medicina não vai ser “disruptida” tão facilmente. Quem diz isso não sabe muito bem do que está falando, ou só está fazendo marketing para conquistar investidores…

 

Existem vários mitos nesse exagero midiático todo. O primeiro mito é que médico é resistente à tecnologia. Nada mais longe da verdade. Se a tecnologia é eficiente, tem benefícios claramente demonstrados por estudos científicos insuspeitos, publicados em revistas prestigiosas, e avaliados por metodologias baseadas em evidências, o “establishment” médico a adota com uma celeridade não vista em muitos outros setores. Apenas dois anos depois da descoberta dos raios X por Wilhelm Röntgen, e de seu uso comprovado e insofismável para obter imagens do interior do corpo humano, já tinham sido publicadas dezenas de livros e surgido milhares de clínicas radiológicas no mundo todo. Essa, sim, foi uma verdadeira revolução no diagnóstico médico, e aconteceu em 1898! O mesmo ocorreu com milhares de outras tecnologias, como a tomografia, o ultrassom, a videocirurgia endoscópica, os robôs cirúrgicos, os equipamentos automatizados de análise clínica… O que médico não gosta é de tecnologia malfeita, que atrapalha, que não contribui para os processos de diagnóstico e tratamento, que demora muito ou que subverte só por subverter procedimentos consagrados.

 

O segundo mito é que o médico poderá ser substituído por tecnologias inteligentes e autônomas. Novamente, volto ao caso da descoberta da radiografia. Na época, muitos médicos ficaram receosos de que a prática médica seria irremediavelmente alterada, pois os próprios pacientes seriam capazes de olhar suas vísceras e ossos. O que aconteceu? Foi criada uma nova especialidade, a radiologia, dominada pelos médicos! Muitos dos jovens, valorosos e ambiciosos engenheiros e analistas de sistemas das startups (e seus investidores) apregoam que os médicos serão irrelevantes no futuro. Que os hospitais vão desaparecer. Que os apps vão ser usados diretamente pelos pacientes para se autodiagnosticarem e tratarem. Eles se esquecem de algumas coisas essenciais. Em primeiro lugar, a importância do médico, de seu conhecimento e experiência, a intuição, o toque humano, em todo o processo de cuidado da saúde e da doença. Pode até ser que um robô humanoide no futuro possa substituir um médico, como O Homem Bicentenário, uma ficção científica de Isaac Asimov. Só que não existe vantagem nenhuma nisso — é apenas um delírio. Outro esquecimento fatal para seus desígnios tecnofuturistas é que alguém vai ter de assinar a anamnese, a receita, o laudo… Esse alguém, em virtude do código de ética médico e da responsabilidade profissional (erros acontecem, até mesmo por chatbots e robôs aparentemente perfeitos), será sempre um médico!

 

Portanto, voltamos à estaca zero. Por mais sofisticadas que sejam,  as novas tecnologias sempre deverão funcionar como auxiliares, subalternas ao médico. Sem dúvida, nesse papel, elas serão extremamente valiosas, ao aumentar a segurança, a velocidade e a acurácia do diagnóstico; obter o melhor tratamento, evitar erros… Coisas que realmente precisam ser, e muito, aperfeiçoadas. Os erros médico-hospitalares já são a terceira causa de morbidade e mortalidade nos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos.

(Fonte: https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2019/04 – NOTÍCIA / Frase / POR RENATO M.E. SABBATINI* – 12/04/2019)

*Um dos pioneiros no desenvolvimento e aplicação de tecnologias de informação e comunicação na medicina, tem 50 anos de experiência e é fellow da International Academy of Health Sciences

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