Roberto Burle Marx, o paisagista que espalhou singulares visões de beleza pelo país.

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O artista do verde

O ateliê: paixão inacabada, com teto transparente, para pintar grandes obras

Roberto Burle Marx (São Paulo, 4 de agosto de 1909 — Rio de Janeiro, 4 de junho de 1994), artista plástico e paisagista brasileiro. O paisagista que espalhou singulares visões de beleza pelo país. Ao lhe perguntarem quel o segredo para combinar árvores, arbustos e flores em jardins tão especiais com sua singular visão de beleza, o paisagista Burle Marx costumava responder: “Um jardim é feito de luz e sons – as plantas são coadjuvantes”. A receita pode parecer um arroubo romântico, mas foi com ela que Burle Marx se tornou a maior autoridade do mundo em sua especialidade (“A luz que as folhas filtram é que dá a cor do jardim”, esmiuçava ele a quem duvidasse de sua explicação poética). Burle Marx deixou um legado extenso: mais de 2 000 projetos paisagísticos, um quarto dos quais foi executado e enfeita as cidades brasileiras – e alguns no exterior -, seja em obras públicas ou em casas particulares.

Da imaginação de Burle Marx saíram o Parque do Flamengo e o calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro, os jardins da Pampulha, em Belo Horizonte, e do Palácio do Itamaraty, emBrasília. São obras tão imponentes que, desde 1991, o Museu de Arte Moderna de Nova York transformou seu autor num dos poucos paisagístas do mundo a merecer uma retrospectiva em suas salas. Com direito a um caprichado catálogo, que traz na capa o que talvez seja o seu mais deslumbrante jardim particular, o da fazenda da famíla Gomes, em São José dos Campos. Além desse Roberto Burle Marx que o mundo consagrou, havia um outro não tão conhecido mas igualmente talentoso: o pintor que imprimiu sua marca a todas as fases da arte brasileira desde o modernismo. Algumas de suas obras daquele período nada deixam a dever a um Portinari ou uma Tarsila do Amaral. “O grande problema do pintor Burle Marx foi o paisagista Burle Marx. O segundo ofuscou o primeiro”, opina o crítico Wilson Coutinho. “Mas ele era bem mais do que um pintor de domingo”, completa.

Também na vida pessoal Burle Marx era uma personalidade dividida. Em sua casa no Sítio Santo Antônio da Bica, em Barra de Guaratiba, onde mantinha uma grande coleção de 3 500 espécies de plantas, era um bom anfitrião. Gostava de receber os amigos para animados almoços em que cantava árias de ópera e fascinava a todos com sua conversa inteligente. Fechava-se em copas, no entanto, sobre sua vida íntima. Homossexual, não cultivava relacionamentos estáveis. Mantinha próxima ao sítio uma outra casa, destinada a encontros amorosos que apelidava de “pecadópolis”.

ARREPENDIMENTO – Burle Marx, um paulista filho de pai alemão e mãe pernambucana de ascendência francesa, morreu carregando um arrependimento e um sonho. O primeiro foi ter doado o sítio ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, IBPC. Com a doação, esperava receber uma ajuda significativa do governo federal para a manutenção das plantas e a transformação do sítio num centro de pesquisas. O IBPC porém, não dava verbas suficientes.

O sonho que o paisagista levou consigo foi o de completar o seu ateliê de pintura vizinho à casa do sítio, que ficou inacabado. A parte já erguida, no entanto, mostra um projeto de arquitetura com detalhes que evocam uma derradeira visão da beleza. O pé-direito da construção tem 8 metros, para que ele pudesse pintar grandes telas. O teto é de telhas de policarbonato, um material transparente que deixa entrar a luz natural, mas não os raios ultravioleta – que mudam a tonalidade das cores. Junto ao ateliê, Burle Marx construiu um quarto para descansar entre as jornadas de pintura. Não chegou a usálo. É a obra inacabada do artista. Burle Marx morreu no dia 4 de junho de 1994, aos 84 anos, vítima de câncer abdominal.

(Fonte: Veja, 15 de junho, 1994 – Edição n.° 1344 – MEMÓRIA – Pág; 113)

O fascínio pela pintura veio quase simultaneamente com o interesse pelas plantas e pela jardinagem, durante sua primeira viagem à Alemanha, quando tinha 19 anos.

Na mesma viagem, descobriu a beleza das plantas brasileiras cultivadas nas estufas do Jardim Botãnico de Dahlem, em Berlim.

FORMAS GORDUCHAS – Ainda na primeira viagem à Alemanha, Burle Marx começou suas aulas de pintura e desenho com modelo vivo. Voltou ao Brasil e matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. A impaciência com a rotina acadêmica e sua influência da arte europeia (Picasso, da fase rosa, e Matisse) acabaram por fazê-lo abandonar a escola e buscar caminhos próprios.

Mais tarde, seria aluno de Portinari e amigo de Guignard, de quem também aprenderia preciosas lições. A fisionomia anônima do operário ou da doméstica traçada com realismo nos anos 30 cedeu lugar aos traços desenvoltos e composições mais livres nos anos 40. É dessa época Mulher no Carrossel, no qual as formas gorduchas da personagem são exageradas pelo artista, que consegue extrair humor e fantasia do contraste entre a fartura de carnes, o olhar sonhador e a fragilidade do cavalinho.

Nos anos 30 e 40 ele produziu telas antológicas que rivalizam em qualidade com obras de Di Cavalcanti e Guignard, pela maestria com que retratava a pele morena das mulheres do povo ou os traços caboclos dos marinheiros.

(Fonte: Veja, 24 de dezembro de 1989 – ANO 22 – N° 50 – Edição 1110 – ARTE/ Por ANGÉLICA DE MORÃES – Pág; 166/167)

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