Paul Harro-Harring, um revolucionário que então ganhava a vida escrevendo e ilustrando reportagens

0
Powered by Rock Convert

 

Paul Harro-Harring

Desembarque de Escravos Negros: romantismo nas linhas curvas numa sombria Baia de Guanabara

 

 

 

Paul Harro-Harring (Ibensdorf, Alemanha, 24 de agosto de 1798 – Ilha de Jersey, Inglaterra, 15 de maio de 1870), pintor dinamarquês, um revolucionário que então ganhava a vida escrevendo e ilustrando reportagens para o jornal abolicionista inglês The African Colonizer.

Sem patrão ou verba oficial, aportou no Brasil em 1840, o pintor Paul Harro-Harring, para escrever reportagens para o jornal londrino The African Colonizer sobre o combate ao tráfico de escravos.

Voltou à Europa meses depois. Suas imagens são mais militantes, refletindo suas convicções abolicionistas. Quando Harro-Harring chegou ao Brasil, o tráfico de escravos estava proibido desde 1831, embora a lei fosse abertamente ignorada.

Fascinada pelo Novo Mundo e financiada por reis e nobres europeus, uma legião de artistas-viajantes palmilhou o território brasileiro no século XIX. Artista como Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pintor e desenhista francês que integrou a chamada Missão Artística Francesa (1816), responsável por fundar, no Rio de Janeiro, a Academia Imperial de Belas Artes.

Debret foi um pintor neoclássico, habituado a fazer pinturas épicas e históricas na França. Quando veio ao Brasil e se deparou com a nossa realidade, mudou radicalmente seu jeito de pintar.

De volta à França (1831) ele publicou o livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, documentando aspectos da natureza, do homem e da sociedade brasileira no início do século XIX.

E o alemão Johann-Moritz Rugendas (1802-1858), que aqui desembarcou em missões oficiais de documentação da terra e de seu povo. Pretensamente objetivos, seus registros retratam um país selvagem, exótico e por vezes pitoresco em sua flora, fauna e diversidade étnica.

Rugendas, visitou duas vezes o Brasil: de 1821 a 1824 e depois, em 1845. O exotismo tropical também o fascinou, mas ele procurou manter certo distanciamento em relação a uma possível “visão oficial” do Império sobre a realidade brasileira.

Registrou cenas de impacto – como o interior de um navio negreiro, os castigos sofridos pelos escravos e um arrogante capitão-do-mato, caçador de escravos fugidos. Ele também pintou manifestações culturais de origem africana, como a capoeira, o batuque e o lundu.

Ignorada pela historiografia e pela crítica, um conjunto de 24 aquarelas que o artista produziu sobre o Rio de Janeiro em 1840, foram exibidas pelo Espaço Higienópolis do Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Engavetadas por 155 anos, as aquarelas de Harro-Harring permaneceram na Europa entre 1841, ano em que o artista deixou o Brasil. Tudo o que restou da obra de Harro-Harring são essas 24 aquarelas.

Harro-Harring está longe de ser apenas mais um pintor-viajante entre a meia centena de artistas europeus que trabalharam no Brasil durante o século XIX. Original, sua obra representa uma nova postura no tratamento da questão escravocrata no Brasil. Retrata com arrebatamento e apuro técnico os castigos, as humilhações e a pobreza dos escravos e negros libertos no Rio de Janeiro.

PINCEL ENVENENADO – Ao contrário do neoclássico Debret, contratado por dom João VI para pintar uma corte colorida e fagueira com uma visão distanciada da questão social, Harro-Harring é um narrador engajado cujo pincel foi envenenado pela causa abolicionista. Mesmo quando simpatizava com os negros que retratou, tudo o que Debret se permitia era uma estudada atitude irônica para com o regime escravocrata. O completo oposto de Harro-Harring. Antes de fazer arte, o objetivo desse dinamarquês, que passou a vida pintando e engalfinhando-se em lutas políticas por toda a Europa, era denunciar a selvageria da escravidão.

 

Paul Harro Harring

 

Independentemente das virtudes da causa que abraçou, Harro-Harring foi um bom artista. Por isso, e não por seu engajamento, sua obra resistiu ao tempo. Marcado pela formação artística de extração germânica, o trabalho de Harro-Harring exibe um notável apuro técnico, o pintor carregava nas tintas em seus relatos, para conquistar corações e mentes para a causa abolicionista.

Na juventude, depois de deixar sua terra natal, Ibensdorf, uma cidade hoje pertencente ao território alemão, Harro-Harring foi estudar belas-artes em Dresden, na Alemanha. Lá, respirou a pintura romântica e impetuosa de artistas como Arnold Böcklin (1827-1901), um dos maiores nomes da arte romântica alemã. De certa maneira, principalmente no apreço pelas linhas curvas, o trabalho de Harro-Harring foi também influenciado pela obra do inglês William Hogarth (1697-1764), que no seu tempo era um ardente defensor da pintura de crítica social.

Quando não estava pintando, Harro-Harring metia-se nas coisas da política. Em 1820, foi para Viena, onde começou a militar nas causas nacionalistas de libertação que sacudiam toda a Europa. Empolgado pela rebelião grega, aderiu à Legião Filoelênica, que combatia os turcos, na época dominadores da Grécia. Mais tarde, em 1828, Harro-Harring alistou-se no Exército russo, indo servir como segundo-tenente. Acabou retornando à Alemanha, onde iniciou uma série de pregações revolucionárias, sendo expulso do país.

Finalmente, em 1839, foi para Londres, onde ganhou a missão de vir ao Brasil pintar e escrever sobre escravos. Esteve também nos Estados Unidos. De volta à Europa, continuou suas andanças militares. Solitário e deprimido, acabou se suicidando. Foi encontrado morto, em maio de 1870, no quarto que ocupava na ilha de Jersey, na Inglaterra, depois de ingerir uma beberagem venenosa de chá e fósforo.

(Fonte: Veja, 7 de agosto de 1996 – ANO 29 – N° 32 – Edição 1456 – ARTE/ por ANGELA PIMENTA – Pág: 138/139)

Powered by Rock Convert
Share.