Paul Bowles, escritor americano. Autor de O Céu que Nos Protege e Que Venha a Tempestade

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Paul Bowles (Queens, Nova York, 30 de dezembro de 1910 – Tânger, 18 de novembro 1999), escritor americano. Autor de O Céu que Nos Protege (filmado em 1990 pelo diretor italiano Bernardo Bertolucci) e Que Venha a Tempestade, foi um ícone da geração de escritores beatniks, como Jack Kerouac. Vivia desde 1952 em Tânger, Marrocos. Vítima de problemas respiratórios, estava internado desde 7 de novembro. Seu corpo seria cremado na Espanha e as cinzas seguiriam para os Estados Unidos. Paul Bowles faleceu dia 18 de novembro 1999, aos 88 anos, de parada cardíaca, em Tânger.
(Fonte: Veja, 24 de novembro, 1999 – Edição 1625 – ANO 32 – N° 47 – DATAS/LUPA – Pág; 150/151)

O romancista e contista americano Paul Bowles, está equidistante da identificação e da repulsa, do juízo racista e do julgamento ético.
(Fonte: Veja, 7 de setembro de 1994 – ANO 27 – N° 36 – Edição 1 356 – LIVROS/ Por Leo Gilson Ribeiro – Pág: 127)

A barbárie segundo Paul Bowles
Em seu primeiro volume de contos, o americano, nascido há um século, confronta o multiculturalismo

A vida real do escritor norte-americano Paul Bowles (1910- 1999), cujo centenário de nascimento começa a ser comemorado no Brasil com o lançamento de seu primeiro livro de contos, Um Episódio Distante (tradução de José Rubens Siqueira), faz lembrar um pouco a ficção de André Gide. Mais particularmente, uma novela curta do escritor francês escrita oito anos antes do nascimento de Bowles, O Imoralista (1902), na qual Michel, um jovem recém-casado, descobre sua homossexualidade numa viagem ao Norte da África, deixando-se seduzir por garotos árabes e vivendo ao lado desses quando sua mulher Marceline morre tuberculosa. Jane, a esposa de Bowles, só não morreu tuberculosa, mas sofreu um derrame cerebral em 1957 e não se recuperou até sua morte, em 1973. Bowles ficou com seus garotos árabes até morrer, em 1999, recebendo em sua casa a visita de célebres amigos gays de passagem por Tânger – Tennessee Williams, Truman Capote e Gore Vidal, entre eles. A turbulenta relação de Paul e Jane Bowles é retratada no filme O Céu Que nos Protege (1990), do italiano Bernardo Bertolucci, que se baseou no livro homônimo de Bowles, seu primeiro sucesso editorial, publicado em 1949.

Da mesma forma que Gide recusou pronunciar seu julgamento contra o imoralista Michel, eclipsando a voz do narrador, Bowles, no conto que dá título ao livro, Um Episódio Distante, torna literalmente imperceptível a fala do professor francês de linguística que visita o Norte da África à procura de um amigo que não vê há dez anos, dono de um café num lugar não nomeado – possivelmente o Marrocos ou a Argélia. Avesso a sentimentalismos, Bowles desenvolve com frieza sua parábola sobre o conflito entre o Ocidente e as tradições culturais de países muçulmanos, não economizando na descrição da violência com que se dá o rompimento do diálogo entre antípodas. Depois dos ataques terroristas do 11 de setembro, esse conto assume – de maneira assustadora e profética – uma dimensão sequer imaginada por Bowles quando elegeu como personagem um professor roubado, atacado por cães, espancado e mutilado por um povo nômade do deserto, que arranca sua língua e o transforma num patético escravo.

O conto, claro, não foi escrito como alegoria política, mas existencial. O professor de linguística perde não só a língua quando, na segunda parte, o líder de uma caravana de bárbaros decide o destino desse homem algo arrogante que, por estudar dialetos moghrebi, considera-se capaz de dominar a cultura do “outro”. No conto, a fábula do multiculturalismo transforma-se em história de terror no momento em que o professor, em busca de caixinhas feitas de tetas de camela para sua coleção, é abandonado no deserto por um garçom do café de seu amigo, que descobre estar morto.

A aparente neutralidade autoral de Bowles, que pode – e deve – ser confundida com indiferença, serve como redescoberta de seu latente impulso para a autodestruição (talvez pelo fato de ter sido rejeitado na infância pelo pai, que, imitando um personagem de Gabrielle D”Annunzio em O Inocente, tentou matá-lo, abrindo a janela durante uma nevasca). Se, em suas composições, Bowles, que foi aluno de Aaron Copland e compôs trilhas para peças de Tennessee Williams, mostrou-se delicado, evocando Satie e Poulenc, na literatura ele se deixa cobrir pela escuridão, cedendo ao horror do deserto. Quando o leitor pensa que nada pode ir além da violência de Um Episódio Distante, eis que um novo conto, A Presa Delicada, o surpreende com a renovada selvageria de um membro da mesma tribo dos Reguibat. Ele mata dois comerciantes de couro em sua jornada pelo deserto, reservando ao terceiro um ritual de sadismo que inclui uma insuportável cena de castração. A punição vem a cavalo. Ou melhor, a camelo. Guardas franceses, após um julgamento sumário, amarram o mungari ao quadrúpede e o arrastam pelo deserto, enterrando-o até o pescoço.

Ao tornar equivalentes a violência do nômade africano e a do “civilizado” europeu, Bowles coloca no mesmo nível a barbárie europeia e a do mundo islâmico. Não há saída de emergência no inferno, parece dizer o escritor existencialista (tradutor de Entre Quatro Paredes, peça de Jean-Paul Sartre). Já no primeiro conto, a ameaça começa, de maneira simbólica, na paisagem – o sol vermelho, ardente, da cor do sangue da vítima que o céu não protege. O destino, como diz Bowles no terceiro conto, Páginas de Cold Point, não tem nenhuma qualidade. Nossa civilização “está condenada a uma vida curta”, seja no Marrocos ou no Caribe, onde se refugiam o pai incestuoso e o filho promíscuo, personagens de Páginas de Cold Point que bem poderiam ter sido criados por Tennessee Williams – o adolescente Racky é um lolito que seduz homens e garotos numa ilha isolada. Mas Bowles foi além. O despertar amargo de seus personagens encerra tanto um problema moral como estético: o da literatura feita com sangue alheio.

(Fonte: www.estadao.com.br/noticias/ Por Antonio Gonçalves Filho – O Estadao de S.Paulo – 6 de março de 2010)

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