Jean-Dominique Bauby, jornalista que alcançou o auge da carreira na função de redator-chefe da revista Elle francesa, famoso semanário feminino

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Um espírito invencível

O Fazedor de Auroras

 

 

Jean-Dominique Bauby: o prisioneiro do escafandro e o bosque das borboletas

Jean-Dominique Bauby (Paris, 23 de abril de 1952 – Garches, França, 9 de março de 1997), jornalista que alcançou o auge da carreira na função de redator-chefe da revista Elle francesa, famoso semanário feminino.

Jornalista bem-sucedido, o escritor viu sua vida mudar por completo no dia 8 de dezembro de 1995.

Jean-Dominique Bauby nasceu em Paris em 23 de abril de 1952. Aos 43 anos circulava no mundo glamouroso dos modelos e celebridades. Tinha dois filhos e o pai idoso, os quais amava. Dava-se bem com a ex-mulher.

Um salário ótimo, um automóvel caro e belas mulheres faziam parte deste cenário, em que não faltavam arrogância e frivolidade.

As coisas iam desse modo até que, em 08 de dezembro de 1995, Jean-Do (como era chamado pelos amigos) sofreu um grave acidente vascular cerebral. No seu caso, o AVC teve um desdobramento raro, conhecido na medicina como “locked-in syndrome”, através do qual o corpo fica paralisado, e o indivíduo perde a capacidade da fala. Inicialmente, ficou em coma durante vinte dias. Quando acordou no Hospital Marítimo de Berck-sur-Mer, deu-se conta de que a vida não seria mais a mesma.

Estava literalmente prisioneiro do próprio corpo, trancado em si mesmo, com a síndrome do encarceramento. Descobriu que perdera os movimentos, a fala e a possibilidade de comunicar-se minimamente com as pessoas.

Em tudo passou a depender dos outros, como uma criança. Davam-lhe banho, trocavam-lhe fraldas, roupa, colocavam-no na cama, na cadeira, na banheira, na sala de exercícios.

A mente e o espírito permaneceram intactos.

Viu-se no quarto 119 do hospital de Berck, cercado de aparelhos, olhando tudo e todos de cima de uma cama. A única parte de seu corpo que não estava paralisada era a pálpebra do olho esquerdo. Passou a comunicar-se com o mundo por meio dela, contando para isso com o apoio inestimável dos médicos e demais profissionais do hospital.

Um piscada significa sim. Duas, não.

A pálpebra do olho direito foi costurada para não infeccionar.

Contra todo desespero, Bauby decidiu viver com o que lhe restava.

E tomou uma decisão surpreendente para alguém naquele estado: resolveu escrever um livro sobre a sua dura experiência.

Após sofrer um derrame e passar alguns dias em coma, ele se descobriu imobilizado na cama. Vítima de uma doença chamada Syndrome de Locked-In, ele se viu literalmente trancado em si mesmo. Apesar de estar plenamente consciente, Jean não conseguia mover nenhum músculo, exceto a pálpebra do olho esquerdo. E, a partir desse pequeno fragmento de seu corpo, ele se comunicava com o mundo e conseguiu escrever o livro.

Casado e pai de dois filhos, Jean perdeu o acesso à sua família junto com sua mobilidade. Sem poder dizer uma única palavra a suas crianças, viu que não poderia haver maior barreira do que estar a menos de um metro de alguém e não poder lhe afagar os cabelos. Por mais que isso soe como um drama exacerbado, ele realmente aconteceu. E por isso mesmo emociona pela verdade de seus sentimentos.

Jean-Dominique Bauby era só mais um jornalista talentoso, arrogante e, por isso mesmo, dono de uma vida miserável. Redator-chefe da revista Elle francesa, tinha três filhos que quase não via, um pai inválido, que visitava anualmente, casos de amor aos quais não imprimia nenhuma paixão e o contrato para um livro que não escrevia.

Então aconteceu um acidente vascular cerebral. Quando acordou do coma, não falava nem mexia os músculos. Havia caído numa rara condição conhecida como locked-in syndrome. Sua principal característica é que o paciente retém todas as faculdades mentais: memória, raciocínio e os sentidos. O único músculo a se mover, e o meio de comunicação com o mundo, é aquele que movimenta a pálpebra do olho esquerdo. Daí a metáfora que dá nome ao livro “O Escafandro e a Borboleta.

O filme estrela o ator francês Mathieu Amalric como Bauby e rendeu a Schnabel o troféu de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2007, um Globo de Ouro e uma indicação ao Óscar de Melhor Diretor.

 

NO CINEMA
Uma cena do longa O Escafandro e a Borboleta, que mostra o autor reunido com a família na praia. A adaptação gerou demanda pelo livro, que se esgotou 11 anos após o lançamento

 

Bauby escreveu o livro usando apenas uma pálpebra. Toda manhã, compunha na cabeça a página que ditaria. Mais tarde, sua assistente recitava o alfabeto na ordem de freqüência da língua francesa. Bauby piscava quando queria uma letra. Foi assim, letra por letra, que ele escreveu sobre sua condição. Um texto escrito nessas adversidades já é um feito, e seria fácil ignorar eventuais falhas. Bauby supera qualquer expectativa. Em seu mutismo, fervilha de emoções e ideias.

Consegue transpô-las num estilo ora cínico, ora lírico, rente aos melhores momentos da literatura. O habitante do escafandro se revela um prodigioso observador do ambiente, um comentarista desligado do tempo e do espaço, misturando memórias, sonhos e imaginação. As borboletas que o visitam são os momentos de beleza humana que o inspiram a continuar: as cartas dos amigos, a visão da ex-mulher, a gargalhada dos filhos, até o cheiro de batatas fritas.

 

NO AUGE
Jean-Dominique Bauby em seus dias de chefe da revista Elle

 

Bauby escreveu livro com a pálpebra

Escrevia mentalmente as frases e, mais tarde, depois de repassá-las umas dez vezes, “ditava-as” com a pálpebra para a assistente Claude Mendibil, que a Éditions Robert Laffont encaminhou para auxiliá-lo no trabalho.

Ela recitava o alfabeto a Bauby pela ordem de frequência com que as letras são utilizadas no idioma francês. E ele, num esforço sobre-humano, piscava o olho esquerdo a cada vez que surgia a letra certa para formar as palavras e frases do livro. A finalização dos períodos e parágrafos era indicada com o fechamento do olho por alguns segundos.

Foi assim, letra por letra, palavra por palavra, que ganhou vida “O escafandro e a borboleta” (Le Scaphandre et le Papillon).

Este livro é um dos mais tocantes testemunhos de resistência de um ser humano contra a desesperança, a doença e a morte.

As borboletas que o visitam no escafandro são as coisas belas da vida, como o amor dos filhos que o visitam, os amigos, as cartas recebidas, as correntes de afeto que se formam por ele pelo mundo, a presença da ex-mulher, a dedicação das pessoas do hospital, e os momentos de encanto e poesia que descobre nas persistentes viagens através da memória.

A emoção do que está acontecendo não lhe escapa, e muitas vezes vertem-lhe lágrimas. Mas não abandona, em nenhum momento, a determinação necessária para sobreviver.

Não estamos diante de um livro de autoajuda, precariamente escrito. Longe disso. O livro de Bauby é literatura de ótima qualidade, escrito por um observador poderoso. Não lhe faltam, no estilo, irreverência, ironia, humor, delicadeza, desencanto, cansaço, tenacidade.

São anotações ricas em humanismo feitas por uma vontade invencível.

O livro foi lançado em 06 de março de 1997 e tornou-se o maior sucesso literário daquele ano na França.
Jean-Dominique Bauby morreu poucos dias após, a 09 de março, um ano e três meses depois de ter sofrido o AVC.
A obra foi adaptada para o cinema com o mesmo título e conquistou importantes prêmios. A direção é de Julian Schnabel, tendo Mathieu Amalric no papel de Jean-Do.

Lançado em 1997, o livro não causou sensação no Brasil. Há alguns meses, porém, sua adaptação para o cinema ganhou prêmios em Cannes e nos Estados Unidos. Concorre, neste domingo, a quatro Oscars. O burburinho fez com que a primeira edição brasileira se esgotasse, 11 anos após o lançamento. Uma nova impressão acaba de chegar às livrarias. É o preâmbulo perfeito para a impecável obra cinematográfica do diretor Julian Schnabel, com estreia marcada no Brasil para 14 de março.

Um exercício de virtuosismo literário no qual cada palavra importa, o livro de Bauby não é um daqueles textos que inspiram mudanças no jeito de enxergar o mundo. É do tipo que prova, racionalmente, que o mundo real é diferente do que nos é ensinado.

O que nos diz Jean-Do?
A morte não sairá vitoriosa. O espírito humano sobreviverá.

Não será a morte que dará a última palavra, encerrando um triste drama. Pelo contrário, em Bauby a obstinação e a força interior alcançaram alturas poucas vezes antes vistas.
A morte sobreveio como evento previsível sobre um corpo muito debilitado.
O falecimento do escritor não deixou de ser algo profundamente mesquinho, se comparado com o imenso e heróico esforço que fez para não se desligar da vida.

Isso nos leva a refletir sobre as intrincadas e imponderáveis razões deste acontecimento natural (doença e morte), até o ponto em que se pode considerar com naturalidade um fato que é a destruição da vida, jamais seu desfecho digno e sua justificação.
O livro de Jean-Dominique Bauby é um dos relatos mais corajosos e comoventes já escritos a favor do ato de viver.

Viver apesar de tudo, nos ensina Bauby, ainda que a vida esteja limitada pela prisão dentro do próprio corpo.
Com delicadas borboletas a voar pelo escafandro, ele nos mandou cartas de um mundo distante e real, e afirmou a dignidade e a beleza da vida sobre tudo aquilo que é a sua negação.

(Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca – EDIÇÃO Nº 510 – MENTE ABERTA – UM ESPIRITO INVENCÍVEL / Por MARCELO ZORZANELLI – 23/02/2008)

(Fonte: http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04 – O Fazedor de Auroras – O prisioneiro do escafandro e o bosque das borboletas/ Jorge Adelar Finatto – 2 DE ABRIL DE 2010)

 

 

Por conta do lançamento do filme, ‘O escafandro e a borboleta’, autobiografia de jornalista, …

Por mais cafona e clichê que possa parecer essa afirmação, presta-se muito pouco atenção aos pequenos detalhes da vida. Um simples pôr-do-sol ou uma brisa no rosto podem fazer muita falta quando se perde o direito a consegui-los espontaneamente. Essa é a certeza que se tem ao chegar às últimas páginas de “O escafandro e a borboleta”, que acaba de ganhar reedição no Brasil por conta do lançamento de sua versão cinematográfica, que estreou em 27 de junho de 2008.

O longa de Julian Schnabel, vencedor da Palma e do Globo de Ouro de melhor direção deste ano, leva às telas a íntegra da autobiografia escrita por Jean Dominique-Bauby. Jornalista bem-sucedido, o escritor viu sua vida mudar por completo no dia 8 de dezembro de 1995.

Após sofrer um derrame e passar alguns dias em coma, ele se descobriu imobilizado na cama. Vítima de uma doença chamada Syndrome de Locked-In, ele se viu literalmente trancado em si mesmo. Apesar de estar plenamente consciente, Jean não conseguia mover nenhum músculo, exceto a pálpebra do olho esquerdo. E, a partir desse pequeno fragmento de seu corpo, ele se comunicava com o mundo e conseguiu escrever o livro. Jornalista morreu 10 dias após publicação do livro.

Composto de capítulos breves, “O escafandro e a borboleta” é por si só uma prova de superação. Para colocar palavra numa página, o jornalista enfrentava uma longa jornada. Seu assistente soletrava todo o alfabeto até que ele piscasse numa letra. E assim, letra a letra, ele foi contando sua história.

Se fosse tratado como uma ficção, o livro chamaria a atenção pela falta de trabalhos de linguagem. Embora tente, Dominique não consegue burilar seu texto tanto quanto deveria. No entanto, julgando a condição de seu autor, sua biografia torna-se um registro simples e visceral, se permitindo inclusive saborosos devaneios e especulações sobre como anda o mundo ao qual não tem mais acesso.

Casado e pai de dois filhos, Jean perdeu o acesso à sua família junto com sua mobilidade. Sem poder dizer uma única palavra a suas crianças, viu que não poderia haver maior barreira do que estar a menos de um metro de alguém e não poder lhe afagar os cabelos. Por mais que isso soe como um drama exacerbado, ele realmente aconteceu. E por isso mesmo emociona pela verdade de seus sentimentos.

Lançado em 1997, o livro não fez tanto sucesso no país quanto agora, por ocasião do lançamento do filme. No entanto, na França foi alçado de imediato à categoria dos mais vendidos. O que não se pode negar é que a biografia de fato parecia ser a grande missão do escritor depois do acidente vascular cerebral: mostrar ao mundo o quanto é importante valorizar as felicidades singelas. Dez dias após o livro ser publicado, Jean Dominique-Bauby morreu.

(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura – CULTURA/ por Diário de São Paulo – 30/06/2008)

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