Hans Küng, era um dos maiores críticos da Igreja Católica, que ao longo de décadas questionou valores centrais do Vaticano e chegou a ser proibido de dar aulas de teologia, participou como um dos especialistas indicados pelo Papa João XXIII do Concílio Vaticano Segundo (1962-1965), que discutiu e adotou mudanças para atualizar a Igreja Católica

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Hans Küng, teólogo que era um dos principais críticos da Igreja Católica

O teólogo participou do Concílio Vaticano II. Crítico da doutrina sobre a infalibilidade papal, em 1979 foi revogada sua licença para ensinar teologia católica.

Defensor de uma ampla reforma no Vaticano, o suíço se levantou contra o ex-colega de universidade, o papa Bento XVI, e questionava a ideia da infalibilidade dos pontífices

Hans Küng, teólogo suíço, durante entrevista em novembro de 2006 (Foto: Joel Saget / AFP)

Hans Küng (Sursee, 19 de março de 1928 – 6 de abril de 2021, em Tübingen, na Alemanha), célebre e polêmico teólogo suíço, era um dos maiores críticos da Igreja Católica, que ao longo de décadas questionou valores centrais do Vaticano e chegou a ser proibido de dar aulas de teologia.

Poucos homens em toda a cristandade tiveram tanto a dizer ou tiveram a sua obra lida por tantos cristãos – e outros – quanto Küng, o célebre e controverso teólogo suíço e padre católico.

O famoso professor suíço que viveu, ensinou e proferiu conferências por mais de 40 anos na Alemanha, muitas vezes, era fotografado na companhia de chefes de Estado – Tony Blair da Grã-Bretanha, Mikhail Gorbachev da União Soviética, Helmut Schmidt da Alemanha – assim como de líderes religiosos mundiais.

O padre e teólogo católico, o renomado estudioso e prolífico escritor nascido em Sursee em 19 de março de 1928, foi ordenado sacerdote em 1954. Três anos depois, em sua tese de doutorado, ele defendeu a convergência entre católicos e reformados sobre a doutrina da Justificação: na realidade, ele argumentou, afirma-se a mesma coisa em línguas diferentes. Em 1960, tornou-se professor titular da Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Tübingen e mais tarde participou do Concílio Vaticano II como especialista, onde teve a oportunidade de se confrontar com Joseph Ratzinger, o futuro Papa Bento XVI.

Além de dedicar-se ao estudo da história das religiões, em particular as religiões Abraâmicas, era conhecido por suas posições nos campos teológico e moral, com frequentes críticas em relação a certas questões da doutrina católica. Em particular, ele se pronunciou contra o dogma da infalibilidade papal, conforme entendido pelo Concílio Vaticano I. Em 1979, a Congregação para a Doutrina da Fé revogou sua faculdade de ensinar como teólogo católico, mas ele continuou a trabalhar como professor emérito de teologia ecumênica na Universidade de Tübingen.

Ordenado padre em 1954, Küng estudou teologia e filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e anos depois foi indicado professor na Universidade de Tübingen, na Alemanha, onde foi colega de Joseph Ratzinger, que décadas depois se tornaria o Papa Bento XVI, hoje papa emérito.

Ele participou como um dos especialistas indicados pelo Papa João XXIII do Concílio Vaticano Segundo (1962-1965), que discutiu e adotou mudanças para atualizar a Igreja Católica. Contudo, o suíço defendia ideias que passavam longe das reformas esperadas pela Cúria, incluindo a descentralização da Igreja, o casamento de sacerdotes e métodos contraceptivos.

O questionamento a antigos dogmas católicos se intensificou nos anos 1970, com o lançamento de seu livro, “Infalível? Um inquérito”, em 1971, quando pôs em questão a infalibilidade dos Papas. Tal discurso lhe rendeu uma punição: em 1979, foi proibido de lecionar disciplinas de teologia católica, embora a Universidade de Tübingen o tenha mantido em seus quadros como professor de teologia ecumênica. Ali, além de dar aulas, escreveu dezenas de livros e inúmeros artigos com críticas ao Vaticano.

Um de seus alvos era o Papa João Paulo II, a quem apontou como alguém que agiu contra a modernização da Igreja e o diálogo entre as religiões, tema que se tornou central em sua vida no começo dos anos 1990. Nessa época, ele criou o projeto Ética Global, que em sua visão se tornaria um fórum de diálogo entre as crenças, onde poderiam estabelecer valores e comportamentos em comum.

Sobre o ex-colega, Bento XVI, manteve uma postura igualmente crítica, que culminou em um artigo, em 2010, onde exortava os bispos a deixarem o pontífice de lado e adotar uma série de reformas, de modo a restaurar a credibilidade da Igreja, abalada pelas milhares de denúncias de abusos cometidos por sacerdotes. Contudo, logo no início do papado de Bento XVI, em 2005, Küng jantou com ele, e manteve uma discussão sobre teologia no século XXI. Com a chegada do novo pontífice, o Papa Francisco, disse ver na escolha um “raio de esperança”.

Ele frequentemente participava de diálogos públicos com representantes acadêmicos do budismo, das religiões chinesas, do hinduísmo, do islamismo e do judaísmo. Ele também se encontrou com o secretário-geral da ONU Kofi Annan em sua busca por uma ética global como um caminho para a paz internacional no século XXI.

Dezenas de milhares de seus leitores que vivem além das fronteiras da Europa, na AméricaAustráliaÁsia e África, também o ouviram ou pelo menos leram um ou mais de seus livros. Ele foi o principal teólogo católico a falar na China sobre religião e ciência, o primeiro teólogo a discursar para um grupo de astrofísicos e, mais tarde, no Congresso Europeu de Radiologia sobre o tema de uma medicina mais humana.

As razões para a sua popularidade eram onipresentes: legibilidadeclarezaerudiçãohonestidadedestemor. Ele era inteligente, ocasionalmente profundo. Alguém menos dotado intelectualmente podia entender seus argumentos e ser atraído pelos seus textos e pelas suas palestras exatamente por esse motivo.

Ele disse e escreveu aquilo que achava que precisava ser transmitido naquela que ele considerava como a sua luta implacável pela liberdade intelectual e a sua busca apaixonada pela verdade.

Em seu livro mais popular – “Christ sein” (“Ser cristão”, Ed. Vozes, 1979) – que rapidamente vendeu mais de 200.000 cópias em alemão quando foi lançado em 1974, Küng disse que investigou questões teológicas que preocupam qualquer pessoa instruída.

Ele escreveu para aqueles “que creem, mas se sentem inseguros”, para aqueles que costumavam crer “mas não estão satisfeitos com a sua descrença” e para aqueles que estão fora da Igreja e não estão dispostos a abordar “as questões fundamentais da existência humana com meros sentimentos, preconceitos pessoais e explicações aparentemente plausíveis”.

O encontro entre Bento XVI e Küng

Küng criticou várias vezes tanto São João Paulo II quanto Bento XVI. No início do pontificado do Papa Ratzinger, foi realizado um encontro entre os dois em Castel Gandolfo, no dia 24 de setembro de 2005. Ao dar a notícia, a Sala de Imprensa do Vaticano sublinhou que a reunião aconteceu “em um clima amistoso”. Ambas as partes concordaram que não fazia sentido, no contexto do encontro, entrar em uma discussão sobre questões doutrinárias persistentes entre Hans Küng e o Magistério da Igreja Católica”. A conversa centrou-se em dois temas que foram de “particular interesse para o trabalho de Hans Küng: a questão de Weltethos (ética mundial) e o diálogo da razão das ciências naturais com a razão da fé cristã”.

O teólogo – prosseguia o comunicado – “destacou que seu projeto de Weltethos não é de modo algum uma construção intelectual abstrata; ao contrário, ele destaca os valores morais sobre os quais convergem as grandes religiões do mundo, apesar de todas as diferenças, e que podem ser percebidos como critérios válidos – dada a razoabilidade convincente delas – pela razão secular”.

Por sua vez, Bento XVI havia apreciado “o esforço do Professor Küng em contribuir para um renovado reconhecimento dos valores morais essenciais da humanidade através do diálogo das religiões e no encontro com a razão secular”, salientando “que o compromisso com uma renovada consciência dos valores que sustentam a vida humana é também um objetivo importante de seu Pontificado”.

Ao mesmo tempo, o Papa reafirmou sua concordância com a tentativa de Küng de “reavivar o diálogo entre a fé e as ciências naturais e afirmar, em relação ao pensamento científico, a razoabilidade e a necessidade da Gottesfrage (a questão sobre Deus)”. Küng – concluiu o comunicado – expressou “sua aprovação aos esforços do Papa em favor do diálogo das religiões e também do encontro com os diferentes grupos sociais do mundo moderno”.

Apesar deste encontro, as posições permaneceram distantes em muitas questões como o celibato sacerdotal, o sacerdócio feminino, a contracepção, a eutanásia. Em suas pesquisas, Küng também analisou a relação entre fé e ciência, contestando as afirmações de algumas teorias científicas de chegarem a certezas absolutas. Nos últimos anos, ele diminuiu sua atividade pública, retirando-se em vida privada por razões de saúde.

Em seus últimos de vida, Küng enfrentou a doença de Parkinson, e chegou a defender o direito das pessoas à eutanásia, como forma de evitar um sofrimento, para ele, desnecessário. Na ocasião, sugeriu que estava considerando essa opção.

“Por quanto mais tempo minha vida poderá ser levada com dignidade”, escreveu em suas memórias, de 2013. “Ninguém é obrigado a sofrer o insuportável como algo enviado por Deus.”

Hans Küng faleceu na terça-feira 6 de abril de 2021. De acordo com a Fundação por uma Ética Global, Küng morreu de maneira pacífica, em sua casa em Tübingen, na Alemanha, aos 93 anos.

(Créditos autorais: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2021-04 – Vatican NewsIGREJA/ TEOLOGIA/ IGREJA/ por Vatican News — 06/04/2021)

(Créditos autorais: https://oglobo.globo.com/mundo – O Globo/ MUNDO/ por O Globo e agências internacionais – BERLIM — 06/04/2021)
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