Giles Villeneuve, piloto de automobilismo

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Os heróis mortos

Os pilotos da Fórmula 1 entram na pista de corrida com um passaporte para a tragédia

Gilles Villeneuve (Berthierville, 18 de janeiro de 1950 – Leuven, 9 de maio de 1982), piloto de automobilismo canadense, considerado um dos melhores pilotos de toda a história da Fórmula 1, apesar de ter obtido apenas seis vitórias em 67 corridas disputadas na sua passagem pela categoria, entre 1977 e 1982.

Em seus 32 anos de existência, a Fórmula 1 produziu mais heróis mortos que campeões. Para dezenove ases do volante que experimentaram a glória de comemorar um título mundial, uma ou mais vezes, nada menos que 24 pilotos perderam a vida nas pistas de corrida -, pistas traiçoeiras que matam 14% dos pilotos que fazem uma carreira regular. A vítima mais recente, o canadense Gilles Villeneuve, 30 anos, terminou sua carreira de forma trágica no dia 8 de maio, quando a possante Ferrari turboalimentada que dirigia bateu, a 230 quilômetros por hora, no pneu traseiro esquerdo do March do alemão Jochen Mass, durante os treinos de classificação para o Grande Prêmio da Bélgica, vencido pelo inglês John Watson, da McLaren. Enquanto o carro de Mass sofria apenas um pequeno desvio em sua rota, a Ferrari projetou-se em violentas contorções pelo ar, arremessando seu condutor a 40 metros de distância. Villeneuve morreria algumas horas mais tarde, no Hospital Universitário de Louvain.

“Ele morreu como viveu, correndo atrás do perigo”, comentou, em ar abatido, ocampeão Nelson Piquet. De fato, Villeneuve era o mais arrojado piloto em atividade, um romântico da velocidade. “No dia em que tiver medo de correr riscos para vencer um grande prêmio, não terei mais o que fazer na Fórmula 1”, costumava dizer. Em três anos, ganhou seis grandes prêmios, mas ficou mais famoso pela coragem e pelos acidentes em que se envolveu. Em 1977, no Grande Prêmio do Japão, sua terceira corrida na Fórmula 1, seu carro bateu na Tyrrell do sueco Ronnie Peterson – piloto igualmente arrojado, que também morreu em um acidente, em Monza, na Itália, em 1978. Nesse acidente, o carro de Villeneuve voou sobre as arquibancadas e provocou a morte de dois espectadores.

SETE PARA UM – Mortes como a de Villeneuve sempre provocam grande comoção nas pessoas que participam do chamado circo da Fórmula 1, ou que assistem às corridas. Mas elas são quase uma rotina. “O piloto de corrida é como o soldado que vai à guerra sabendo que pode morrer”, compara o sul-africano Jody Scheckter, que abandonou o circo em 1980, apreensivo com a falta de segurança nos autódromos. De 1970 para cá, 85 pilotos participaram com regularidade da Fórmula 1, com um mínimo de dez grandes prêmios disputados. Destes, nada menos que doze morreram na pista. Trata-se de um índice altíssimo e impressionante. Com efeito, de cada sete pilotos que entraram na roda-viva da Fórmula 1 nos últimos doze anos um morreu. Por mais talentoso que seja, portanto, um piloto tem um passaporte carimbado para a morte. Em média, houve sempre um piloto morto depois de quinze grandes prêmios disputados. Nas pistas de Fórmula 1, a frase vale literalmente: a morte espreita em cada curva da estrada.

Segundo os próprios pilotos, a explicação para esses números devastadores está, relacionado principalmente, na falta de escrúpulos dos organizadores de corrida, que estariam mais preocupados com as altas somas investidas nas competições que com a segurança dos que competem. E citam, para exemplificar, dois casos de imprevidência dos organizadores. Em 1975, na Áustria, o americano Mark Donohue foi decapitado quando seu carro desgovernado atravessou por baixo de um guard-rail – a lâmina de metal colocada à margem da pista para amortecer a velocidade dos carros que escapam da pista, evitando que se choquem contra árvores ou barrancos.

Colocado acima de sua posição adequada, o guard-rail do autódromo austríaco, em vez de segurar o carro de Donohue, funcionou como uma guilhotina. O outro caso se deu com o inglês Tom Pryce, na África do Sul, em 1977. Ao se aproximar de uma curva com seu Shadow a 200 quilômetros por hora, Pryce foi atingido na cabeça pelo extintor de incêndio transportado por um fiscal de segurança mal orientado, que inadvertidamente atravessou a pista para socorrer um carro que parara do outro lado. Pryce atropelou o fiscal e o extintor voou para sua cabeça e o matou instantaneamente.

CLINICAMENTE MORTO – Nenhuma medida de segurança, porém, será um dia suficiente para retirar da Fórmula 1 seu aspecto de esporte perigoso. Afinal, alguém que dirige a até 300 quilômetros por hora, entre vários outros bólidos à mesma velocidade, está aceitando tacitamente um tipo de vida com excepcional taxa de risco. E a morte não faz distinções. Ceifa a vida de novatos inexperientes, como o inglês Piers Courage, tanto quanto de tarimbados veteranos, como o suíço Jo Siffert; ataca em treinos ou em grandes prêmios. O inglês Roger Williamson e o austríaco Helmut Kollingg morreram quando disputavam a segunda corrida de Fórmula 1 de suas vítimas. Já o austríaco Jochen Rindt (Mainz, 18 de abril de 1942 – Milão, 5 de setembro de 1970), de 28 anos, só esperava ser campeão para se retirar das pistas. Ganhou o título mundial de 1970, mas morreu durante os treinos do Grande Prêmio da Itália, três corridas antes de poder comemorá-lo. E Jim Clark, o “Escocês Voador”, um dos maiores pilotos da história do automobilismo, duas vezes campeão mundial de Fórmula 1, perdeu a vida durante uma corrida de Fórmula 2, na qual a velocidade é inferior, mas ainda suficiente para expor o piloto a um grau de risco fora do comum.

Das doze que morreram desde 1970, a metade morreu em treinos, como os franceses François Cevert e Patrick Depailler e o americano Peter Revson. Apesar de tantas mortes, não se presume que a Fórmula 1 acabe por falta de pilotos. Haverá sempre pilotos como o austríaco Niki Lauda. Em 1976, Lauda após sofrer um grave acidente na pista de Nürburgring, na Alemanha, foi dado como clinicamente morto. Mas ele sobreviveu, retornou às pistas e conquistou o título mundial em 1977. Em 1980, aos 30 anos, ele finalmente achou que estava na hora de parar. Mas retornou às corridas desde o começo de 1982. Ganhou o Grande Prêmio dos Estados Unidos e, em cada prova, colocou novamente em risco a vida que um dia esteve prestes a perder.

1982 – Morre o piloto de automobilismo Giles Villeneuve, num acidente durante os treinos de classificação para o Grande Prêmio da Bélgica. Piloto de Fórmula 1 canadense,
Morreu no dia 8 de maio, aos 30 anos, em Zolder, Bélgica.

(Fonte: Veja, 19 de maio de 1982 – Edição n° 715 – DATAS – Pág; 122 – ESPORTE – Pág; 87)

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