Elio Vittorini, escritor e tradutor, autor do romance “Conversa na Sicília”, clássico da literatura italiana

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O autor Elio Vittorini: seu erro foi não publicar “O Gattopardo”, de Tomasi di Lampedusa

 

Elio Vittorini, autor do romance “Conversa na Sicília”, clássico da literatura italiana (Foto: Corriere della Sera/ Divulgação)

 

Elio Vittorini (Siracusa, 23 de julho de 1908 – Milão, 12 de fevereiro de 1966), escritor e tradutor italiano, autor do romance “Conversa na Sicília” publicado em capítulos entre 1938 e 1939, clássico da literatura italiana.

Antes de entrar na resenha de “Conversa na Sicília”, um episódio da biografia de seu autor, Elio Vittorini.

Abstratos furores

São eles que movem o protagonista do romance Conversa na Sicília

Conversa na Sicília,
clássico da literatura italiana

 

Na década de 50, ele dirigia uma coleção de literatura da editora Einaudi. Sua tarefa principal era avaliar originais de escritores. Um dos manuscritos que lhe caíram nas mãos foi um romance de um certo Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), um aristocrata (siciliano como Vittorini) que resolvera dedicar-se à literatura pouco antes de completar 60 anos.

Vittorini examinou o original e o descartou, com um burocrático “não condiz com a nossa linha editorial”. Na verdade, ele recusou o livro por considerá-lo antiquado na forma, que remetia aos romances do final do século XIX, e (pecado maior) resignado no conteúdo, que fala de uma Sicília condenada a permanecer estagnada.

Uma visão diametralmente oposta à de Vittorini, homem de esquerda, defensor de “uma cultura que não consolasse dos sofrimentos, mas que protegesse deles, os combatesse e eliminasse”. Meses depois, o manuscrito de Lampedusa, que havia falecido não fazia muito, foi lido por outro autor, Giorgio Bassani (de O Jardim dos Finzi-Contini). Ele não hesitou em recomendar sua publicação, o que ocorreria em 1958. Assim começou a história de sucesso mundial do romance O Gattopardo.

 

Não publicar o livro de Lampedusa talvez tenha sido o único erro de Vittorini creditável à miopia ideológica. Essa marca é ainda mais respeitável por se tratar de um protagonista do intenso tiroteio intelectual que se instalou na Itália no imediato pós-Segunda Guerra – uma época em que tantos cometeram tantos equívocos por tão pouco (a “causa”, também grafada com maiúscula). Vittorini atirava à direita e à esquerda.

Na década de 40, ficou famosa a sua polêmica com o secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI), Palmiro Togliatti (1893-1964), que desejava colocar a produção cultural sob a linha dura. “Revolucionário é o escritor que consegue exprimir por meio de sua obra exigências revolucionárias diferentes das impostas pela política: exigências internas, recônditas, que só ele, escritor, sabe perceber no homem”, escreveu numa carta a Togliatti. Por causa do embate, Vittorini teve a revista que dirigia fechada e, alguns anos mais tarde, acabaria saindo dos quadros do PCI.

 

É uma prova de que sua carta a Togliatti não era retórica. Conta a história de um siciliano migrado que está para completar 30 anos e passou a metade de sua vida longe da família. Tomado por “abstratos furores”, pela “calmaria na não-esperança”, ele embarca, quase que por inércia, numa viagem à terra natal.

Busca, com isso, reconhecer-se como sujeito de sua própria existência, com um passado tangível e um presente que cabe a ele construir, em benefício do “gênero humano perdido”. É impossível estabelecer em que ponto termina a sua crise individual e começa o seu desalento com o quadro social em que ele está inserido ­ o do ultraje e da humilhação. E é essa fusão a grande virtude do livro de Vittorini.

Em certos manuais de literatura, Conversa na Sicília é definido um dos marcos inaugurais do neo-realismo. É estranho, no entanto, classificá-lo como tal. Sua estrutura circular e seus diálogos corais evocam as tragédias gregas. Sua linguagem despida de sentimentalismo remete à melhor literatura americana do século XX, uma das paixões de Vittorini. Ernest Hemingway, aliás, assina o prefácio da edição lançada nos Estados Unidos. Conversa na Sicília, na verdade, escapa aos enquadramentos. É, também por esse motivo, um clássico.

 

Elio Vittorini, autor do romance “Conversa na Sicília”, clássico da literatura italiana (Foto: Divulgação)

(Fonte: Veja, 2 de outubro de 2002 – ANO 35 – Nº 39 – Edição 1771 – Artes e Espetáculos – Livros/ Por Mario Sabino – Pág: 138)

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