A primeira guerra em que a força das imagens jornalísticas mudou os rumos do conflito

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Capa foi dos primeiros a trabalhar retratando com câmaras menores as fotos de guerra

Robert Capa (Budapeste, 22 de outubro de 1913 — Thai-Binh, 25 de maio de 1954), fotógrafo que
retratou a face trágica do século 20.

Robert Capa costumava dizer que, se uma foto não ficava boa, era sinal de que o fotógrafo não havia chegado suficientemente perto do acontecimento. Em toda a história da fotografia, ninguém levou a máxima tão ao pé da letra quanto ele. Entre as décadas de 30 e 50, Capa esteve no front das piores guerras e chegou mais próximo dos fatos do que qualquer fotógrafo havia ousado até então. À coragem exigida por essa proximidade somavam-se um impressionante senso de composição e, principalmente, um olhar de comovente humanidade. Esse conjunto de qualidades resultou nos espetaculares registros de vários dos acontecimentos mais importantes da história do século 20, como o cerco a Madri durante a Guerra Civil Espanhola ou o desembarque dos aliados na Normandia em 6 de junho de 1944, o Dia D. Na definição do escritor e amigo John Steinbeck, Capa “mostrava o horror de todo um povo no rosto de uma criança”.

O fotógrafo Henri Cartier-Bresson, ao lado de quem Capa fundou a legendária agência Magnum, em 1947, lamentou a fatalidade que o atingiu “em plena glória”, aos 40 anos. É a melhor produção desse homem, a quem ninguém recusa o posto de maior fotógrafo de guerra de todos os tempos, que está impressa no livro Robert Capa – Fotografias (Cosac & Naify). Organizado pelo biógrafo Richard Whelan e por Cornell Capa, irmão do fotógrafo, o livro abre com fotos de uma conferência do revolucionário russo Leon Trotsky feitas na Dinamarca, quando Capa ainda era um frangote de 19 anos. Na última página estampa a imagem de soldados franceses caminhando por uma estrada na Indochina, em 25 de maio de 1954. Minutos depois de bater essa chapa, a tal fatalidade aconteceu: Capa morreu ao pisar em uma mina. Estava, como sempre, muito próximo dos acontecimentos – talvez até um pouco à frente. A ocupação francesa daria lugar à guerra dos americanos no Vietnã, a primeira em que a força das imagens jornalísticas mudou os rumos do conflito.

Entre as imagens de guerra, destacam-se duas, gravadas na memória coletiva da humanidade. A mais famosa de todas, de 1936, mostra um combatente antifranquista na Guerra Civil Espanhola no exato momento em que leva um tiro. Ligeiramente fora de foco e mal enquadrada, essa imagem é um dos maiores libelos humanistas da história da fotografia; é o Guernica de Robert Capa. A outra foto, impressa no livro em duas páginas, mostra soldados aliados, no Dia D, tentando alcançar a praia em meio à arrasadora barreira de fogo dos inimigos alemães (para conseguir o ângulo, Capa teve de virar as costas para os tiros). Semelhanças com as cenas iniciais de O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, não serão mera coincidência. O próprio diretor a reconheceu como fonte de inspiração – sem nenhum desdouro, pois as imagens de Capa são a matriz onde todos vão beber. As duas fotos são justamente as mais controversas do autor. Muito se escreveu na tentativa de provar que a do combatente espanhol foi uma fraude. O argumento mais sério é o do jornalista Phillip Knightley, para quem o ângulo indica que Capa teria de estar na linha de tiro para consegui-la, e portanto seria um alvo ainda mais fácil que o soldado.

Também persiste a afirmação de que as fotos do Dia D não foram tiradas ao lado da primeira e mais dizimada leva de soldados que desembarcaram na praia chamada de Omaha, como Capa sempre sustentou, mas nas últimas levas, quando o ritmo da carnificina diminuiu. Nenhum desses céticos, porém, conseguiu abalar a reputação do fotógrafo.

Entre guerras, Robert Capa teve uma vida de novela. No fim dos anos 40, com a reputação firmada e Paris ressurgindo, passava as tardes no jóquei, as noites em boates com lindas mulheres e as férias esquiando na Suíça. Era amigo dos escritores Ernest Hemingway, William Faulkner e Truman Capote, dos pintores Pablo Picasso e Henri Matisse, do cineasta John Huston e do ator-dançarino Gene Kelly, todos eles retratados em magníficas fotos no livro. Em 1945, no lobby do hotel Ritz, ele conheceu a atriz sueca Ingrid Bergman, ali hospedada para fazer um show para os soldados aliados. Ingrid, provavelmente a mulher mais linda do mundo na época, viveu com o fotógrafo bonitão um caso que durou dois anos. Reza a lenda que ela queria casar e ter filhos e Capa não abria mão da vida que levava. Verdade ou não, foi assim que Ingrid relatou o caso para o cineasta Alfred Hitchcock. Estava ali a inspiração para os protagonistas do filme Janela Indiscreta, no qual um fotógrafo de guerra, com a perna imobilizada, espia os acontecimentos na casa vizinha e resiste às investidas da namorada para casar. Um outro vínculo, anedótico, liga Capa ao cinema. Fã do ator Robert Taylor e do diretor Frank Capra, o jovem judeu húngaro nascido Endre Erno Friedmann uniu-os em seu nome fictício. No começo dizia ser um fotógrafo americano tão rico que não vendia seu trabalho pela tabela normal.

Em ao menos dois aspectos Capa esteve na vanguarda da fotografia do século XX. Na década de 30, quando a foto do soldado espanhol sendo baleado foi publicada, ninguém jamais havia visto coisa parecida. Até ali, as fotos de guerra eram feitas com câmaras enormes e teleobjetivas acopladas, que tornavam a espontaneidade quase impossível e dificultavam a mobilidade do operador.

Capa foi dos primeiros a trabalhar com câmaras menores – ele tinha uma Leica 35mm –, sem as quais seria impossível chegar ao resultado que chegou. Além disso, Capa “reinventou” as guerras do século 20. Ao fotografar de perto a barbárie do campo da batalha, ele deu um rosto e uma expressão ao sofrimento. Uma imagem como a do soldado americano baleado por alemães em Leipzig particulariza a morte e intensifica a dimensão trágica do acontecimento.

Justamente por isso, por esse “humanismo” que perpassa a obra do início ao fim, “fotógrafo de guerra” é uma definição redutora demais para dar conta de sua importância. Fotos como as do pintor Pablo Picasso na praia, do escritor Ernest Hemingway caçando ou de uma festa em Biarritz mostram que Capa tinha técnica, percepção e preocupação com o equilíbrio estético da imagem suficientes para fazê-lo figurar no panteão dos raros fotógrafos que tornaram seu metiê uma arte.

O próprio Capa, no entanto, não ligava muito para isso. “Quem se considera artista não consegue trabalho. Considere-se um fotojornalista e, então, faça aquilo que quiser”, aconselhou ele ao amigo Cartier-Bresson, que disputa com ele o posto de maior fotógrafo do século 20.

Momentos de glamour

Entre os anos 40 e 50, Robert Capa viveu tranqüilo em Paris. Nessa época, ele passava as tardes no jóquei e as noites em grandes bailes. Foi amigo de alguns dos maiores artistas do século 20.
Capa morreu na Guerra da Indochina, em 25 de maio de 1954, ao pisar sobre uma mina terrestre. Seu corpo foi encontrado com as pernas dilaceradas. A câmera permanecia entre suas mãos.
(Fonte: http://veja.abril.com.br/210301 – Artes e Espetáculos Fotografia/ Por Flávio Moura – Edição n° 1 692 – 21 de março de 2001)

Os pioneiros fundadores da agência, como Henri Cartier-Bresson (1908-2004) e Robert Capa (1913-1954), até a última geração da Magnum (Alessandra Sanguinetti, Alec Soth), passando pelos veteranos Raymond Depardon e Thomas Hoepker, autor da mais polêmica foto dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Pense numa foto histórica marcante e ela certamente está entre as imagens, do desembarque na Normandia, em 1944, registrado pelo húngaro Robert Capa, à guerra do Afeganistão vista pelo fotógrafo iraniano Abbas, veterano que cobriu a Revolução Islâmica. Personagens históricos como Che Guevara (fotografado pelo suíço René Burri em 1963) e Martin Luther King, clicado pelo norte-americano Leonard Freed (1929-2006), surgem ao lado de imagens insólitas como a de monges budistas rezando diante da rocha dourada de Kyaiktiyo, na Birmânia, que se equilibra num precipício não se sabe como. Ela exigiu do fotógrafo japonês Hiroji Kubota uma viagem num trem superlotado que partia de Rangun para um lugar onde estrangeiros costumam ser sequestrados.

Até 2000, os fotógrafos interessados em entrar na Magnum precisavam mostrar folhas de seus contatos, além das cópias acabadas. Estabelecida em 1947 como uma cooperativa, ela gerou um modelo de trabalho no qual os contatos tinham um papel fundamental. Eles revelavam como os fotógrafos “pensavam”, segundo o veterano John Morris, ex-editor executivo da agência.

(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias – CULTURA/ Por ANTONIO GONÇALVES FILHO – O Estado de S.Paulo – 5 de novembro de 2012)

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