Vinicius de Moraes, diplomata, poeta e compositor, casou a poesia com a música popular

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Vinicius, um boêmio elegante e materialista que acreditava no amor e na noite

Marcus Vinicius Cruz de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 – Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980), diplomata, poeta e compositor, o artista que casou a poesia com a música popular. Com um despudor que quase sempre o tornava inconviniente tanto nas rodas diplomáticas, que frequentou por obrigação profissional, como até nas rodas artísticas, a que pertenceu por vocação, viveu rompendo convenções sociais. Nasceu no Rio de Janeiro, a 19 de outubro de 1913. Vinicius de Moraes derrubou convenções também na área literária. Como todo grande poeta, usou o soneto, mas tardiamente, depois do modernismo, uma revolução estética que, em 1922, cassou a velha composição de catorze versos.

 

DIPLOMATA ESCANDALOSO -– Desinibido, Vinicius introduziu na arte suas dores de amor com a mesma sem-cerimônia com que se fazia acompanhar nos palcos com o inseparável copo de uísque, ou, como ele dizia, “meu cachorro engarrafado”. Escandalizou a sociedade. Quando nos anos 50 voltou de Los Angeles, onde era cônsul, foi entrevistado pela televisão. É seu amigo Fernando Sabino quem conta: “A música mais em moda atualmente? Chama-se “All The Things You Are”. E começou a cantar, como um crooner de Tommy Dorsey. Um escândalo – diplomata de carreira, poeta consagrado, como é que se dava a tamanho desfrute”.

O desfrute apenas começava. Nessa mesma época, o poeta conheceu Tom Jobim, a quem pediu para musicar “Orfeu do Carnaval”, peça de teatro que depois foi transformada em filme que, com o nome de “Orfeu Negro” e dirigiu por Marcel Camus, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1957. A parceria de Vinicius e Tom, aos quais se juntou depois o cantor João Gilberto, deu origem à bossa-nova, um dos mais importantes movimentos de renovação musical do país, e fez surgir algumas das mais belas canções populares contemporâneas: “A Felicidade”, “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “Chega de Saudade”, “Insensatez”, “Garota de Ipanema” e “Por Toda a Minha Vida”.

Boêmio da mais nobre raça, Vinicius mantinha-se acima de igrejinhas. Sua mesa era generosa, sua adega era farta e seus versos tiveram muitos parceiros. Ficava fora das pequenas questões da criação cultural brasileira. Com a mesma elegância e criatividade, compunha um verso como “na tonga da mironga do cabuletê”, cheio de sílabas sonoras que ninguém entende, ou escrevia outro como “Senhores barões de terra, preparai vossa mortalha, porque sois donos da terra e a terra é de quem a trabalha”.

 

INOVAÇÃO E TRADICIONALISMO – Cantando, várias vezes se fez rico; amando, várias vezes se fez pobre. Rotulado como parte da geração de poetas de 1945, deslizou sobre a cultura brasileira e pode ser encontrado não apenas na bossa nova, como em tudo o que se fez depois dela, assim como nos versos que margeavam a contraculturados anos 60. Na realidade, como boêmio e poeta, era despojado e cabeludo antes que surgissem os hippies e continuou despojado e cabeludo quando, com os anos 70, os jovens da Ipanema-60 formaram-se em administração de empresas. A todos eles, dava seus versos.

Tímido, quexava-se dos desconhecidos que se sentavam à sua mesa, mas jamais pediu a qualquer desses penetras da noite que se levantasse. De seus pares da geração de 1945 conseguiu a mais saudável das distâncias. Mesmo tendo começado a vida como censor cinematográfico, viveu às próprias custas, sem cargo público ou necessidade de pensão. Essa singularidade da vida de Vinicius de Moraes, que o leva aunir poesia e samba, a malandragem das noites cariocas com a serenidade do curso que fez na Universidade de Oxford, fez dele o ser humano mais vigoroso de sua geração de intelectuais.

Na origem desse vigor encontra-se uma singular ortodoxia: em três décadas, desde a bossa nova, Vinicius participou de todos os movimentos renovadores da música brasileira sem lances iconoclásticos. Sempre houve nele uma mistura de inovação e tradicionalismo resultante da rica associação entre o entendimento da mudança e o conhecimento dos valores clássicos da cultura universal. Por definição, evitava falar do que sabia, mesmo quando tinha que ouvir tolices. Em 1979, em entrevista, disse que tinha rompido com a erudição.

Tinha seus truques. Sem dinheiro no Rio de Janeiro, tomava habitualmente um navio e desembarcava com um rápido show em Buenos Aires, fazia um capital e voltava ao bar. Enquanto muitos lastimavam sua expulsão do Itamaraty, (ao qual serviu durante 26 anos, até 1968, quando foi punido) cochichava que para ele o AI-5 foram um alívio, pois, graças a ele, conseguira se livrar das chaturas da carreira. Com a anistia, pediu a reintegração, mas deixou claro que não pretendia voltar à diplomacia.

Afinal, se como diplomata tinha que enfrenta por obrigação maus funcionários que não trabalham e bebem, muito melhornegócio fazia sentando-se a uma mesa com Pixinguinha, que não tinha trabalho regular, bebia, mas compunha. Sentou-se, bebeu e compôs com Carlos Lyra, (hino composto pelo poeta, em parceria com Lyra da instituição UNE), Baden Powell, Edu Lobo, Francis Hirne e, finalmente, Toquinho, seu parceiro dos últimos onze anos. Dessas parcerias saíram clássicos da música brasileira como “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”, “Pobre Menina Rica”, Samba da Bênção”, ou “Tarde de Itapoã” – em que fez o eleogio final do pileque.

 

PERTO DO POVO -– Paradoxalmente, foi depois de abandonar a “poesia séria” que Vinicius encontrou os grandes auditóriospara seus sonetos. Há duas décadas, suas antologias poéticas são best-sellers numa terra em que poesia raramente vende. Vinicius rompeu essa clausura através da música popular – e, através dela, fez o que pôde para tirar da literatura a sisudez. Com a mesma naturalidade com que, nos tempos da bossa nova, pôs versos brasileiros numa cantata de Bach – “Jesus, Alegria dos Homens”, convertida em “Rancho das Flores” -, deixou que musicassem alguns de seus poemas para levá-los aos discos e aos palcos dos shows. Certa vez, perguntaram-lhe por que mudara de gênero. “É mais divertido fazer música popular do que fazer versos puros”, respondeu o autor do “Samba da Benção”, onde há um verso que ensina: “É melhor ser contente que ser triste”.

Desde o iníciodos anos 60 Vinicius frequentou a juventude com veneração. Tanto para ouvintes do interior quando diante de plateias universitárias, ele conseguiu ser, na época da comunicação de massas, um poeta típico das sociedades simples: aquele que buscava diretamente seu público. Por isso ele foi, como disse Carlos Drumde Andrade, o poeta brasileiro que mais se aproximou do povo. Vinicius de Moraes não se contentou em escrever poesia, mas escolheu viver como poeta.

A palavra encont para Vinicius teve sempre, na vida e na obra, o sentido de mistura, comunhão. Ele operou não apenas a passagem da poesia culta para a popular, como incorporou às letras de música versos que até então pertenciam à chamada cultura superior. Miscegenou os ritmos brancos e a harmonia negra, samba e candomblé, o comportamento aristocrático e boêmio: “Sou o mais negro dos brancos”. dizia, não tanto para provocar. Na verdade, ele era capaz de se considerar “materialista convicto” e um crente de mãe Menininha do Gantois, a famosa mãe-de-santo da Bahia, que um dia lhe disse para não pensar no fim, mas no princípio das coisas. Desde então, o poeta evitava pensar na morte. Vinicius de Moraes viveu rompendo convenções – e assim morreu aos 66 anos: um pouco como quis, informalmente, dentro da banheira, um lugar onde gostava de passar escrevendo, bebendo uísque e telefonando demoradamente para os amigos.

Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O poeta casou-se por nove vezes ao longo de sua vida. Suzana, a filha mais velha e sua melhor amiga, dizia conformada: “Alguém podia imaginar Vinicius velho, dependente? Nunca”. Foi enterrado ao som de músicas de sua autoria cantadas por algumas centenas de pessoas que formavam o eclético cortejo fúnebre – cantores, compositores, artistas, diplomatas, poetas, jornalistas, boêmios -, uma representação à altura de quem foi tudo isso, um homem de muitas atividades, de grandes amizades e de todas as curiosidades. Descolonizado que influenciou intelectuais como Jean-Paul Sartre, Buñuel, Orson Welles e Roberto Rosselini. Artista que realizou o sonho de todo poeta: chegar ao povo sem mediação. Destruindo as barreiras entre poesia e vida, Vinicius acabou sendo de fato um autêntico poeta, de cotidiano ou de vida, como ele queria, “com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime”. Dia 9 de julho de 1980, no Rio de Janeiro.
(Fonte: Veja, 16 de julho, 1980 –- Edição 619 -– DATAS – Pág; 80 –- CULTURA –- Pág; 70 a 75)

 

 

 

Em 19 de outubro de 1913, nasceu no Rio de Janeiro o poeta, compositor, cantor e embaixador Vinicius de Moraes.
(Fonte: Zero Hora – ANO 47 – Nº 16.482 – Hoje na História – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – 19 de outubro de 2010 – Pág; 54)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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