Ranulfo Prata, foi um escritor com visão proletária que estreou em 1918, com “O Triunfo”, e já em 1922 publicava um livro de qualidade, “Dentro da Vida”

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Uma comovente ausência de lirismo

 

Ranulfo Prata (1896-1942), escritor sergipano, foi um escritor com visão proletária que estreou em 1918, com “O Triunfo”, e já em 1922 publicava um livro de qualidade, “Dentro da Vida”. Nesse romance -principalmente em sua primeira parte- já se insinuam alguns traços que o aproximam dos autores que, nos anos 30, dariam ao romance de corte social grande desenvolvimento.

 

 

Desde a trajetória do herói, Bento, que, órfão pobre, consegue se formar em medicina, até a ambientação da ação numa pequena localidade do sul de Minas Gerais, passando pela tematização dos sofrimentos dos leprosos, esse romance se identifica com uma literatura que busca seu material entre personagens marginalizados, embora de mistura ainda com uma visão por assim dizer piedosa da questão social.

 

 

Já livre disso é sua obra mais importante, esse Navios Iluminados” (1937, segunda edição em 1946), relançado agora em terceira edição. Nele, o narrador, com isenção absoluta, segue a vida de um migrante nordestino na Santos da virada dos anos 20 para os 30. Se o estilo do escritor, em “Dentro da Vida”, já chamava a atenção por uma ausência de firulas que agradaria ao amigo Lima Barreto, aqui é ainda mais econômico, direto. A estrutura da narrativa, embora convencional, demonstra um escritor com grande domínio da técnica. Basta ver o manejo virtuosístico do tempo da narrativa, vinculado ao estado do protagonista, desempregado, que aparece logo nos primeiros capítulos.

 

 

“Navios Iluminados” concretiza um ideal em muitas ocasiões celebrado, mas pouco praticado nos anos 30: o do romance que, destituído de intenções políticas explícitas, faz um retrato da miséria brasileira. Esse retrato é especialmente eficiente pela escolha da cidade de Santos como cenário. A vida dura dos trabalhadores do cais contrasta com a cidade que, a essa altura, já tinha sido palco de obras gigantescas que transformaram um enorme terreno alagadiço numa das cidades mais cosmopolitas do Brasil daqueles tempos.

 

 

Além disso, não há exageros mórbidos na descrição da vida das personagens miseráveis. Há uma naturalidade palpável criando um ambiente verossímil, o que contribui para deixar no leitor impressão de algo concreto. Aqui não há dramalhão, mas drama genuíno.

 

 

Se publicado três ou quatro anos antes, quando o romance “proletário” estava em moda, “Navios Iluminados” talvez ganhasse um lugar mais destacado na moderna ficção brasileira. À altura, pelo menos, de “Os Corumbas”, de Amando Fontes, esse clássico do período que já vai sendo esquecido. Afinal, Ranulfo Prata conseguiu essa coisa difícil que é produzir um livro destituído de lirismo intencional e comovente pela natureza mesma do entrecho e das vidas ali criadas.

 

 

São sempre vários e complicados os caminhos que levam um determinado autor a uma posição de destaque no cânone literário. Além da força da obra, circunstâncias de todo tipo -históricas, mercadológicas, ideológicas- interferem.

 

Ranulfo Prata não teve muita sorte nesse sentido.

 

Os poucos que eventualmente reconhecem seu nome, o fazem por causa de sua relação com Lima Barreto. Amigo do autor do “Policarpo”, Ranulfo Prata levou-o a uma viagem ao interior de São Paulo, no intento fracassado de “salvá-lo” da bebida e de uma vida que o ia destruindo no Rio de Janeiro.

 

(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/4/20/mais! – + MAIS! / Por LUIS BUENO ESPECIAL PARA A FOLHA – São Paulo, 20 de abril de 1997)

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