Raíssa Gorbachev, elegante e intelectualmente sofisticada, foi a última primeira-dama da Rússia

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A DAMA DA PERESTROIKA

 

Foi a primeira esposa de um líder soviético a ter vida pública

 

Raíssa Gorbachev (Sibéria, 5 de janeiro de 1932 –Muenster, Alemanha, 22 de setembro de 1999), a última primeira-dama da União Soviética. Elegante e intelectualmente sofisticada, Raíssa foi a primeira esposa de um líder soviético a ter vida pública.

 

Tornou-se um símbolo da modernidade que a perestroika, a abertura política patrocinada por seu marido, Mikhail Gorbachev, prometia para a União Soviética e se converteu numa celebridade internacional. Em seu próprio país, entretanto, nunca recebeu a mesma afeição. A maioria da população não via com bons olhos seu apego à alta-costura.

 

A burocracia soviética irritava-se com seus palpites nos negócios de Estado. A impopularidade aumentou com o fim da União Soviética e com o caos econômico na Rússia. Em 1996, quando tentou voltar à vida pública, Gorbachev recebeu menos de 1% dos votos.

 

Nascida na Sibéria, Raíssa conheceu o marido na época em que estudava filosofia na Universidade de Moscou e estão casados desde 1956. Depois que deixou o Kremlin, em 1991, o casal sobrevive basicamente das palestras de Gorbachev e vive boa parte do tempo no exterior.
(Fonte: Veja, 11 de agosto de 1999 – ANO 32 – N° 32 – Edição 1610 – LUPA – Pág; 115)

 

 

 

 

 

 

 

Adeus, czarina
Admirada no exterior, Raíssa Gorbachev só obtém na morte o reconhecimento em casa
No centro da mais importante reviravolta política deste fim de século, a derrocada do império comunista, Raíssa Maximovna Gorbachev viveu muitas contradições – palavra da qual talvez gostasse, como professora de marxismo-leninismo. Junto com o marido, sonhou em arejar um sistema totalitário, sufocante e falido. O resultado é conhecido. Nos países ocidentais, o casal Gorbachev teve impacto fenomenal. Mikhail e Raíssa eram a própria encarnação da proposta de abertura, simbolizada pela palavra glasnost.

Direto, eloqüente, disposto a críticas impensáveis ao sistema soviético, Gorbachev parecia um milagre. Ao lado dele, intelectualizada, bem falante, com pleno comando de si mesma, Raíssa era um espanto. Gorbachev levou algum tempo para despencar no conceito dos antigos cidadãos soviéticos, arrastado pelo desmanche do império e pelo colapso econômico. Raíssa foi odiada de imediato. Acostumados às apagadas, às vezes literalmente, mulheres dos dirigentes do Kremlin, os russos achavam que ela era influente demais, exibida, arrogante. Uma czarina.

O amor de Gorbachev pela mulher não era para consumo público. Ao contrário de seus equivalentes na época de poder, Ronald e Nancy Reagan, o casal russo não trocava olhares melosos nem expressões apaixonadas. O que ficava claro é que incorporavam, ironicamente, o que os americanos chamam de power couple: o casal que tem um projeto político comum, ancorado na cumplicidade de idéias e de objetivos. Igualzinho ao que se vê há alguns anos na Casa Branca, com Bill e Hillary Clinton.

Na metade da década de 80, o mundo ocidental ainda duvidava da seriedade de propósitos de Gorbachev em democratizar o comunismo. A simples presença de Raíssa a seu lado mostrava que havia algo de novo por trás da cortina de ferro. Nem tanto pelo discurso: socióloga com tese de doutorado intitulada “A emergência de novas características nas vidas diárias do campesinato das fazendas coletivas”, Raíssa não era nenhuma primeira-dama dedicada a chás de caridade. Mas por indicadores aparentemente mais banais, como sua postura, seus sapatos de salto alto, suas roupas, surpreendentes em comparação com as antecessoras. Depois da lendária Nadejda Krupskaia, companheira de Vladimir Lenin e revolucionária de primeira hora, as mulheres foram desaparecendo da cena pública na União Soviética. A segunda mulher de Josef Stalin, Nadejda Alliluieva, suicidou-se, incapaz de suportar o terror – nacional e pessoal. Seguiram-se babushkas imemoráveis: Nina Kruchev, Viktoria Brejnev, Anna Chernenko. De Iuri Andropov, o chefão da KGB elevado a secretário-geral, só se soube que era casado depois que morreu.
Filha de um ferroviário e de uma camponesa, nascida na Sibéria, Raíssa conheceu Gorbachev quando estudavam na Universidade de Moscou. Casaram-se em 1953. Eram tão pobres que Raíssa emprestou de uma amiga o sapato que usou na ocasião. Três décadas depois, ela já freqüentava as altas rodas do Kremlin, mas não escondia que achava tudo aquilo uma chatice. Para horror da nomenklatura comunista, Gorbachev admitia recorrer freqüentemente aos conselhos da mulher. A fama de pedante chegou ao exterior. Nancy Reagan se ofendeu quando Raíssa lhe disse que jamais moraria num lugar como a Casa Branca. Segundo Nancy, Raíssa não conversava: dava palestras. Vestida pelos costureiros americanos mais badalados, Nancy curtia a raiva de ser obscurecida por Raíssa nas conferências de cúpula. Com trajes comparativamente muito mais modestos, a russa abafava. Na semana passada, Nancy mandou uma mensagem de pêsames, em nome dela e do marido, destruído pelo mal de Parkinson. Mais um de uma era que se acaba.
(Fonte: veja.abril.com.br –Internacional/ Rússia –ANO 32 – N.° 39 – Edição 1617 – 29/9/99)

 

 

 

 

 

 

 

 

Raíssa Gorbachev, a ex-primeira-dama soviética, foi celebrada ao redor do mundo mas odiada em seu próprio país
Em 1986, durante visita do casal Gorbachev à Casa Branca, em Washington, a então primeira-dama da extinta União Soviética deixou boquiabertos os anfitriões. Trajando finas roupas de grife, deu uma aula sobre as obras de arte expostas na sede do governo americano, para assombro do casal Ronald e Nancy Reagan. Dois anos depois, foi a vez do então presidente brasileiro José Sarney e sua esposa, Marli, ficarem impressionados, durante visita oficial ao museu de ícones russos, no Kremlin. “Raíssa deu uma explicação memorável sobre a pintura religiosa russa”, lembra Sarney. Culta e elegante, ex-professora de filosofia marxista-leninista, ela brilhava para as plateias internacionais ao mesmo tempo em que era odiada em terreno doméstico, por passar a impressão de que interferia demais em assuntos de Estado.
A morte de Raíssa na segunda-feira 20, no entanto, após dois meses de luta contra a leucemia, foi um choque dentro e fora da Rússia. “Essa perda é sentida hoje por milhões de russos e cidadãos de outros países onde ela era conhecida e respeitada”, disse o presidente russo, Boris Yeltsin. Feroz adversário de Mikhail Gorbachev, 68, a quem confinou em prisão domiciliar durante a tentativa de golpe de 1991, Yeltsin ordenou que um avião governamental voasse a Muenster, na Alemanha, para trazer o corpo da ex-primeira-dama.
Nascida Raíssa Maksimovna Titorenko, em 5 de janeiro de 1932, filha de um ferroviário do sul da Sibéria, ela conheceu o marido enquanto ainda eram estudantes na Universidade Estatal de Moscou, ela de Filosofia e ele de Direito. Raíssa foi aos poucos criando espaço para si, até se tornar a primeira esposa presidencial a assumir papel público na União Soviética, cuja população estava acostumada a ter primeiras-damas invisíveis, tratadas como questão de segurança nacional. Ambos comunistas militantes, casaram em 25 de setembro de 1953, mas só fizeram a festa em 7 de novembro, aniversário da revolução soviética. A devoção à causa operária, no entanto, não impediu que ela se tornasse uma mulher com gosto por jóias e roupas caras, o que provocou muito ressentimento entre os russos, condenados à pobreza. Tinha também uma queda pelo exagero, como o vestido vermelho com que visitou o papa João Paulo II, em dezembro de 1989.
Ela foi conselheira política do marido durante a perestroika (reconstrução) e a glasnost (transparência), iniciativas que levaram à fragmentação do império soviético e à queda do Muro de Berlim, selando o fim da Guerra Fria, em 1989. “Eu não poderia viver sem Raíssa”, Gorbachev chegou a admitir. Devotados um ao outro, eles celebrariam seu 46.º aniversário de casamento dentro de alguns dias.
Durante os dois meses em que esteve internada, sofrendo tratamento quimioterápico na clínica universitária de Muenster, ela esteve acompanhada pela única filha, Irina Virganskaya, e pelo marido. “Queria apertá-la em meus braços, mas não podia porque a exporia a infecções”, conta Gorbachev. “Só podia sorrir para ela.” Raíssa seria sepultada com honras de Estado na quinta-feira 23, no cemitério do mosteiro de Novodevichy, que guarda vultos da história russa como o escritor Anton Chekhov e o ex-líder soviético Nikita Kruchev.
(Fonte: www.terra.com.br/istoegente – Tributo – 27 de setembro de 1999)

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