Pedro Nava, foi autor da obra memorialística mais importante já escrita no País.

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Autor deixou seis volumes, que se tornaram um clássico memorialista brasileiro

Pedro Nava (Juiz de Fora, 5 de junho de 1903 – Rio de Janeiro, 13 de maio de 1984), médico reumatologista, era um escritor bissexto e preferia escrever memórias a romances para “reprovar” sua vida, pois “a lembrança é uma espécie de traumatismo”. Deixou, assim, uma coleção de seis volumes, que se tornaram um clássico memorialista brasileiro. Uma revelação, no entanto, ainda perdura como mistério: o motivo de sua morte.

Pedro Nava foi autor da obra memorialística mais importante já escrita no País (Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Galo das Trevas, Beira-Mar, O Círio Perfeito e o inacabado Cera das Almas.

Pedro Nava que, sem nenhuma explicação, deu um tiro na própria cabeça, quando estava sentado em um banco de praça em frente ao edifício onde morava, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro. Era noite, por volta das 23h30 de um domingo, 13 de maio de 1984.

A versão corrente diz que fora chantageado por um garoto de programa, com quem mantinha um caso secreto. O cartunista e escritor Ziraldo, amigo próximo de Nava, desconhecia o suposto homossexualismo. “Eu só soube quando ele morreu. Foi um susto, pois Nava era irônico ao tratar do assunto. Lembro-me da entrevista para O Pasquim: quando alguém falou sobre a importância do sexo na velhice, ele respondeu: “a vida é f…, o resto é brincadeira (risos)”. Esse era Pedro Nava, um homem inteligente, sensível e extremamente divertido.”

Hoje, passados trinta anos da morte do escritor, Ziraldo acredita que o autor não se mataria naquela noite. Nava estava em seu apartamento com a mulher, Antonieta (Nieta), quando, por volta das 21h, ela atendeu a uma ligação telefônica. A voz de um homem perguntava por Nava. A esposa passou a ligação para o escritor, que apenas escutou, durante alguns segundos. Em seguida, desligou o aparelho e, contrariado, disse para a mulher, que o observava à distância: “Nunca tinha ouvido nada tão obsceno ao telefone”.

Chantagem. Nava foi para o quarto e depois saiu pela porta dos fundos do apartamento, sem que a esposa percebesse. Foi visto andando pelas ruas da vizinhança, e uma mulher, que testemunhou seus passos (morava no prédio em frente ao banco da praça onde se matou), viu o escritor em duas ocasiões – na primeira, conversando com um rapaz e, na outra, já sozinho, deitado no banco, já sem vida. Nava estaria sendo chantageado por um garoto de programa chamado Beto. O fato não foi noticiado na época para não revelar o homossexualismo do autor, mas foi narrado, anos depois, pelo jornalista Zuenir Ventura em seu livro Minhas Histórias dos Outros.

Ziraldo, que nos últimos meses de vida de Nava era um amigo próximo, conta que o escritor se revelava vaidoso com a notoriedade conquistada pela sua obra, com as várias entrevistas que dava à imprensa e com a admiração de amigos escritores, como Drummond, Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, entre outros.

O cartunista acredita que Nava saiu naquela noite com sua arma, comprada em 1980, para calar o chantagista que o ameaçava. “Ele desceu para matar o cara. Nava se armou e desceu pelas portas do fundo do seu apartamento. Nieta nem o viu sair. Ele vinha recebendo muitas ligações desse rapaz, que supostamente o ameaçava. Como ele ficou muito tempo conversando com esse cara, Nava resolveu não matá-lo.”

Para Ziraldo, Nava percebeu que o rapaz pretendia revelar tudo, caso ele não cedesse às suas exigências. “O homem deve ter humilhado Nava. Eles não entraram em um acordo. O cara deve ter falado alguma coisa muito desagradável, que o deixou arrasado. Acredito que Beto ameaçou revelar tudo, especialmente as fotos e a relação entre eles. O rapaz, suponho, disse isso e saiu. Nava dizia que seria impossível suportar uma humilhação.”

Para Joaquim Alves de Aguiar, professor de literatura da Universidade de São Paulo e autor da tese Espaço da Memória: Um Estudo Sobre Pedro Nava, publicada pela EDUSP, tal hipótese nunca tinha sido cogitada, uma vez sua tese não tinha a biografia do escritor como o foco principal. “Eu jamais havia pensado nessa possibilidade. Acredito que seja verossímil e transforma esse desfecho em algo ainda mais trágico do que realmente foi.”

Arrependimento. Para Ricardo Setti, na época da morte de Nava, redator-chefe da revista IstoÉ, em São Paulo, o que ficou desse episódio foi seu arrependimento de não ter lutado para que a história da suposta chantagem sofrida por Nava fosse publicada.

“É um suicídio que ficou sem explicação. Mas havia uma, que envolvia a vida pessoal de Pedro Nava. Deveria ter sido revelada porque se tratava de um homem público, alguém que, de certa forma, abriu sua alma, a própria vida, nas suas memórias que deixou para o público. Qual o problema de ser homossexual?”, questiona.

Humberto Werneck, hoje colunista do Estado e também jornalista da IstoÉ, em São Paulo, naquele momento, conta que, no primeiro momento, foi a favor da omissão da violência que o escritor vinha recebendo. Mas mudou de opinião logo depois. “Se alguém se mata por causa de chantagem sexual, é obrigação da imprensa contar o que se passou, não só pelo dever de informar, mas também como forma de arejar os cômodos abafados da sociedade que favorecem a ação dos chantagistas.”

E hoje, passados vários, anos, o escritor Zuenir Ventura acredita que o episódio da omissão da chantagem sofrida pelo escritor é “uma das falhas da cobertura jornalística da qual participei”.

Atual detentora dos direitos de publicação dos sete volumes de memórias de Pedro Nava, a Ateliê Editorial divide o trabalho de edição com a Companhia das Letras desde 2012 – a partilha deverá perdurar por mais sete anos, segundo Plínio Martins, proprietário da Ateliê e presidente da Edusp.

Com a morte de Paulo Penido, sobrinho do escritor e detentor dos direitos da obra de Nava, a família do escritor deve ser a nova responsável pelos títulos. “A viúva de Paulo Penido quer que os direitos sobre a publicação dos livros de Pedro Nava voltem para sua família”, conta Martins, que pretende editar os livros de memória de Nava menos conhecidos, como A História da Medicina no Brasil e Território e Epidauro, o primeiro livro lançado pelo autor mineiro, em 1947.

Além dessas publicações, Martins quer lançar outros dois livros, que ainda estão na fase de projeto: uma biografia que Nava escreveu mas deixou inacabada sobre o médico Torres Homens, que viveu no século 19, e também uma seleção das principais entrevistas concedidas pelo memorialista. O responsável pelos dois projetos é Joaquim Alves de Aguiar, professor de Teoria de Literatura da USP.

“Já transcrevi todos os manuscritos dessa biografia que Nava produziu sobre Torres Homem. Como muitos sabem, ele só escrevia a mão. É completamente inédita. É um projeto que já soma sete anos e o próprio Paulo Penido, que fez a revisão técnica dos muitos termos de medicina, acreditava que não valia a pena publicar a obra naquele momento. Os manuscritos se encontram na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro”, disse Aguiar.

Já a seleção das entrevistas do memorialista mineiro deve ser lançada antes, comenta o organizador. “Nava se repetia muito nas conversas. Assim, estou fazendo uma seleção das melhores e também aquelas em que ele não se repete. É uma nova possibilidade para conhecê-lo, pois suas memórias estão povoadas de literatura.”

Em umas das mais famosas e importantes entrevistas – e que tanto o envaidecia –, para o tabloide O Pasquim, Nava diz, logo no início da conversa, que “lembrar dói e incomoda. Não tenha a menor dúvida”. E, em seguida, completou: “Certos fatos que estão dentro de mim me castigando; depois que escrevo, esqueço. É uma catarse mesmo.”

“Sim, tenho saudades / Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste.” Esse trecho é de uma poesia, A Um Ausente, que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) fez em homenagem a um amigo fraterno, Pedro Nava.

(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arte-e-lazer – Notícias > Cultura/ Por Amilton Pinheiro – Especial para O Estado de S. Paulo – 9 de maio de 2014)

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