O primeiro presidente negro a comandar a cúpula do Judiciário

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Barbosa, primeiro negro no comando do Supremo

O ministro Joaquim Barbosa, foi eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, mistura sentimentos quando o assunto é a cor da sua pele. Primeiro, ele repele veementemente a afirmação de que chegou à Corte por ser negro. E não usa a condição racial como propulsão de sua carreira. Costuma dizer que ele é produto de si mesmo, resultado de seus estudos, esforços e trabalho. Um adepto incondicional da meritocracia. Talvez por isso não fosse o candidato preferido em 2003 de representantes do movimento negro.

Por outro lado, exibe orgulho por ser negro, um sentimento sem nenhum indício de autocomiseração. À véspera de ser eleito presidente do STF, fez piada com o nome do time em que jogava em Paracatu (MG) quando era criança, “os bocas pretas”. E afirma aos memorialistas do tribunal: “Negro, eu sou o primeiro”.

“Nós constituímos a maioria da população. É um fato extraordinário pela primeira vez ter-se alguém na presidência do Poder Judiciário”, disse ontem o ministro, que assumirá o posto em novembro de 2012, em data a ser confirmada depois da aposentadoria do colega Carlos Ayres Britto, que completará 70 anos no dia 18 daquele mês.

Sem nenhuma dúvida, Barbosa é o primeiro presidente negro a comandar a cúpula do Judiciário. Pedro Lessa, nomeado ministro em 1907, era “um mulato claro”, na discrição da principal historiadora do STF, Lêda Boechat, e não chegou à presidência da Corte. Hermenegildo Barros, que chegou ao tribunal em 1919, era um “mulato escuro”, também nas palavras da historiadora, e igualmente não pôde presidir o tribunal.

Lessa foi alvo de comentários preconceituosos na Corte, alvejado pelo colega e futuro presidente da República Epitácio Pessoa. Preconceito racial que Barbosa denuncia e do qual diz ter sido vítima em sua carreira. No passado, estava bem classificado no exame para o Instituto Rio Branco, mas foi reprovado na fase de entrevista. Poliglota, tem a certeza de que foi excluído por ser negro.

Sua história, mesmo nunca tendo sido beneficiado por alguma espécie de cota racial, levou-o a estudar e defender políticas afirmativas. Mas não abandona a meritocracia com isso. Seria uma alternativa ao que considera uma exclusão dos negros, um fechar de portas em função da cor da pele.

Ao mesmo tempo, não faz disso um discurso monocórdio. Ao contrário. Depois de nomeado e empossado, passou a receber convites frequentes em razão da cor de sua pele. Eram prêmios oferecidos pelo movimento negro, homenagens ou conferências sob a questão racial. Convites que também eram seguidamente negados por Barbosa. O ministro não queria virar refém desse tema, muito menos ser imediatamente atrelado ao assunto.

Currículo certo. A indicação de Joaquim Barbosa foi uma combinação de fatores. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva instruiu o ministro Márcio Thomaz Bastos a buscar o nome de um negro para integrar a Corte. Dezenas de currículos foram encaminhados ao Ministério da Justiça. Nenhum dos candidatos tinha perfil para a vaga.

Nessa época, Barbosa vivia nos Estados Unidos e, numa passagem de alguns dias de descanso no Brasil, encontrou Frei Betto no aeroporto. Os dois se conheciam de organizações não governamentais em que atuaram.

Trocaram telefones. Frei Betto levou seu nome ao governo. Já de volta aos Estados Unidos, Barbosa recebeu um e-mail com o convite para uma conversa com Thomaz Bastos. Veio ao Brasil com o sentimento de que essa viagem seria um retorno definitivo ao País.

O currículo de Joaquim Barbosa foi um achado. E não pela simples comparação com os demais nomes que chegavam ao governo naquele momento. A carreira acadêmica era invejável. Doutor e mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas), especialista em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB), professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), além de ter estudado em três renomadas universidades nos Estados Unidos – Columbia, Nova York e Califórnia. Fluente em inglês, francês e alemão.

Além disso, sua carreira profissional era igualmente suficiente para qualificá-lo para a vaga no Supremo. Foi membro do Ministério Público Federal por 19 anos, chefe da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, advogado do Serpro e oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores. De posse do currículo, bastou ao governo bater o martelo.

Nascido na mineira Paracatu, estudou sempre em escola pública, filho de um pedreiro e uma faxineira. História de vida que também não o faz bater bumbo. Certa vez, um integrante do governo tentou uma aproximação lembrando das origens do ministro. Logo foi interrompido por Barbosa: “Isso é passado”.

(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias – POLÍTICA/ Por FELIPE RECONDO – O Estado de S.Paulo
– 11 de outubro de 2012)

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