Lobby do Batom

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Lobby do Batom: foi o movimento feminino que mudou o Brasil

Relembre a luta das deputadas na Assembleia Constituinte para garantir direitos fundamentais às mulheres

Imagem histórica do Lobby do Batom: deputadas federais unidas para escrever uma nova Constituição. (Foto: Arquivo Histórico Câmara dos Deputados)

 

Todas as mulheres que ocupam cadeiras no parlamento brasileiro atualmente, assim como aquelas que vêm se preparando para disputá-las no futuro, colhem os frutos da luta de um grupo de mulheres revolucionárias que não mediram esforços para participarem da articulação da nova Constituição Federal, em 1987/1988. A equipe entrou para a história como o Lobby do Batom, apelido pejorativo que receberam da mídia na época e do qual se apropriaram politicamente para garantirem os direitos que integram a lei suprema do país e que completa hoje 35 anos em vigor.

Para redigir a nova Constituição foram eleitos em 1986, por voto direto, 559 deputados federais. Desses, só 26, ou seja, 5% eram mulheres. Elas pertenciam a partidos diversos, como PSB, PSDB, PT, PFL, PTB e outros, sendo que a maioria fazia parte PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que contou com 11 representantes (42,3%).

A porcentagem de 5% pode até parecer um número pequeno de participação das mulheres – sim, era. No entanto, para a década de 1980, já era revolucionário. A Assembleia de 1934, por exemplo, contou com a participação de apenas duas mulheres: Carlota Pereira de Queiroz e Almerinda Farias da Gama.

Outro dado para efeito comparativo: hoje o Congresso Nacional tem a maior bancada feminina da história. Nas eleições de 2022, a  Câmara dos Deputados elegeu 91 representantes mulheres (de 513 cadeiras), o que representa um crescimento de 18% em relação às 77 deputadas federais eleitas em 2018. Um cenário ainda longe de ser o ideal, mas que se mostra promissor a cada nova eleição.

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, comemora implementação da Carta Magna que mudou o país. (Foto: Wikimedia Commons)

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, comemora implementação da Carta Magna que mudou o país. (Foto: Wikimedia Commons)

 

Força feminista

A implementação da Constituição de 1988 foi o ápice do processo de remocratização do país após o tortuoso período da Ditadura Militar (1964-1985). Com o fim dos Anos de Chumbo diversas associações de cunho social conquistaram espaço e tomaram força, como os movimentos feministas que culminaram, em 1985, na criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).

O conselho foi determinante para a criação do Lobby do Batom durante a Assembleia Constituinte em 1988 ao exigir a inclusão de mais direitos para as mulheres na nova Constituição. Ao lançar a campanha “Mulher e Constituinte”, que tinha como slogan “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, o CNDM ganhou força e trabalhou junto aos parlamentares constituintes pela reivindicação da eleição de mais mulheres para a elaboração da nova Carta Magna, conseguindo incluir as 26 constituintes no processo, em 1987.

Representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) no lançamento oficial da campanha “Mulher e Constituinte” (Foto: Arquivo Histórico Câmara dos Deputados)

Representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) no lançamento oficial da campanha “Mulher e Constituinte”. (Foto: Arquivo Histórico Câmara dos Deputados)

 

“Nós, mulheres, estamos conscientes de que este país só será verdadeiramente democrático e seus cidadãos verdadeiramente livres quando, sem prejuízo de sexo, raça, cor, classe, orientação sexual, credo político ou religioso, condição física ou idade, for garantido tratamento e igual oportunidade de acesso às ruas, palanques, oficinas, fábricas, escritórios, assembleias e palácios”, dizia a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes entregue ao então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães, pela presidente da Campanha, a socióloga Jacqueline Pitanguy.

Quem fez parte do Lobby do Batom

É válido destacar que nem todas as mulheres que compuseram a bancada do Lobby do Batom na Assembleia Constituinte se declaravam feministas, mas o olhar progressista as unia em prol das mudanças necessárias que garantiriam a igualdade de direitos na sociedade.

As 25 deputadas constituintes e seus respectivos partidos na época e Estados, por ordem alfabética, foram: Abigail Feitosa (PMDB-BA), Anna Maria Rattes (PSDB-RJ), Benedita da Silva (PT-RJ), Beth Azize (PSB-AM), Cristina Tavares (PMDB-PE), Dirce Tutu Quadros (PTB-SP), Eunice Michilles (PFL-AM), Irma Passoni (PT-SP), Lídice da Mata (PCdoB-BA), Lúcia Braga (PFL-PB), Lúcia Vânia (PMDB-GO), Márcia Kubitschek (PMDB-DF), Maria de Lourdes Abadia (PFL-DF), Maria Lúcia (PMDB-AC), Marluce Pinto (PTB-RR), Moema São Thiago (PTB-CE), Myrian Portella (PDS-PI), Raquel Cândido (PFL-RO), Raquel Capiberibe (PMDB-AP), Rita Camata (PMDB-ES), Rita Furtado (PFL-RO), Rose de Freitas (PMDB-ES), Sadie Hauache (PFL-AM), Sandra Cavalcanti (PFL-RJ) e Wilma Maia (PDS-RN).

Embora tenham sido eleitas 26 deputadas federais, a bancada feminina sofreu uma perda importante logo de cara: a atriz Bete Mendes licenciou-se para assumir o cargo de Secretária de Cultura do Estado de São Paulo e não chegou a apresentar nenhuma emenda. Por isso, a despeito de contar com 26 deputadas na data da posse, o Lobby do Batom foi composto, ao longo de praticamente toda a Constituinte, por 25 parlamentares.

Todas trilharam trajetórias políticas robustas, nos mais diversos postos. Algumas já partiram, mas há quem siga firme e forte na ativa, como Benedita da Silva, que já foi governadora do Rio de Janeiro e hoje atua como deputada federal, e Lídice da Mata, atual deputada federal pela Bahia que, em seu mandato como senadora (2011-2019), foi relatora da PEC das Domésticas que entrou em vigor em 2013.

Machismo e preconceito

No documentário “Palavra de Mulher” (2018), disponível no canal do YouTube da TV Senado, é possível conferir depoimentos de algumas dessas 26 mulheres e suas lembranças boas e más do período de trabalho para a redação da Constituição. Benedita da Silva lembra, por exemplo, que o Congresso era um ambiente tão masculino que não havia um único banheiro exclusivamente que elas podiam usar – precisavam dividir o recinto com os colegas.

Já Anna Maria Rattes comenta as piadinhas sexistas que ouvia e relembra que o machismo começava em sua própria casa, com o marido reclamando da falta de comida e do “descuido”com as tarefas domésticas enquanto ela trabalhava no Congresso. A capixaba Rita Camata, tida como “musa” do Congresso por muito tempo por causa da beleza, revela que o rótulo de “bonitinha” a incomodava, mas que aprendeu a lidar com isso.

Em 2018, as deputadas que compuseram a Bancada Feminina da Assembleia Constituinte receberam em conjunto o Diploma Bertha Lutz, uma homenagem conferida pelo Senado Federal a mulheres que se destacaram na esfera política brasileira.

Os bastidores do Lobby do Batom também são o tema de um documentário de mesmo nome de 2022 disponível no Globoplay dirigido por Gabriela Gastal, com roteiro de Christiana Albuquerque e produção de Renata Fraga.

Reivindicações e conquistas

As exigências das constituintes não se limitavam apenas aos direitos femininos, mas também políticas de proteção ao meio ambiente e o direito de greve extensivo a todas as profissões, só para citar alguns exemplos. Entre as principais conquistas do Lobby do Batom garantidas pela Constituição Federal de 1988, a licença-maternidade de 120 dias sem prejuízo do emprego e do salário prevista no artigo se destaca.

O artigo 5º da Carta Magna, ao promover a igualdade entre homens e mulheres, serviu de referencial para outras conquistas femininas garantidas no texto constitucional: o artigo 7º, inciso XXX, por exemplo, proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e, no inciso XXV do mesmo artigo, é prevista assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade, em creches e pré-escolas.

Deputadas que compuseram a Bancada Feminina da Assembleia Constituinte receberam em conjunto o Diploma Bertha Lutz em 2018 (Foto: Wikimedia Commons)

Deputadas que compuseram a Bancada Feminina da Assembleia Constituinte receberam em conjunto o Diploma Bertha Lutz em 2018. (Foto: Wikimedia Commons)

 

Ainda em relação ao âmbito familiar, a Constituição de 1988 acabou com o pátrio poder ao dispor que o planejamento familiar é de livre decisão do casal. O homem deixou de ser o “chefe de família”, as decisões passaram a ser tomadas em conjunto e, em caso de discordância, transferidas para o poder Judiciário.

Já o artigo 183º confere o título de domínio e a concessão do uso da terra, tanto na área urbana quanto rural, ao homem e à mulher, não importando o estado civil – uma reivindicação do Movimento das Mulheres Rurais. Até então, as trabalhadoras do campo acabavam desprovidas de suas terras quando abandonadas por seus parceiros ou quando enviuvavam, seja como arrendatárias, trabalhadoras assalariadas ou nos assentamentos de reforma agrária.

Conforme documentos da época, as mulheres apresentaram 3.321 emendas. Vale destacar que apesar das conquistas, algumas das exigências presentes na Carta das Mulheres perduram até hoje, como o direito ao aborto.

(Crédito autoral: https://www.terra.com.br/nos – NÓS/ por Heloísa Noronha – 5 out 2023)

Fonte: Redação Nós

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