Joris-Karl Huysmans (1848-1907), escritor e crítico de arte francês, discípulo de Émile Zola.

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Huysmans: para além do naturalismo

Joris-Karl Huysmans (Paris, 5 de fevereiro de 1848 – Paris, 12 de maio de 1907), escritor e crítico de arte francês, discípulo de Émile Zola (1840-1902).

Ao escritor não bastava ser discípulo de Zola nem ater-se exclusivamente ao naturalismo, o movimento literário em moda na época. Inquieto e inspirado pela obra do pintor simbolista francês Gustave Moreau, Huysmans esboçou traços de inovação com o romance Às Avessas (A Rebours, publicado em 1884), primeiro livro do escritor a ser traduzido no Brasil.

Cercado por uma corrente literária cujos preceitos impunham à obra um caráter de máxima conexão com a realidade, em que os homens do povo tinham pés sujos e debatiam-se com a burguesia numa escancarada luta de classes, Huysmans preferiu conduzir o naturalismo à sua maneira. Em lugar de pessoas pobres e conflitos sociais, escolheu um dândi parisiense do século XIX, rico e de família nobre, para protagonizar seu oitavo livro.

Na vida do duque Jean Floressas Des Esseintes, o prazer estético está acima dos valores humanos ou das relações pessoais. Avesso à burguesia e sua parvoíce, às turbas insanas que habitavam Paris, Des Esseintes resolve deixar a cidade onde cultivara o requiente – seja na decoração de sua casa, seja no amor a mulheres alugadas – e parte para um lugarejo próximo, uma vila ainda tranquila.

Em sua nova casa, incrustada na montanha e longe de qualquer ser humano, Des Esseintes realiza um projeto de vida – dedicar-se, encerrado permanentemente entre quatro paredes, apenas à fruição das obras de arte penduradas n aparede e aos livros amontoados na estante.

Julgava-se assim a salvo das más influências burguesas e apto a destilar toda a sua erudição em cada página de livro. O ambiente sofisticado, em que toda mobília e cor foram meticulosamente estudadas, só não consegue privar Des Esseintes de um sentimento – o tédio. Em face do inesperado mal-estar, sua luta agora é para livrar-se dele.

SOCIOLOGIA DO PERFUME – Quando foi lançado, Às Avessas era um livro inovador não somente por divergir da temática em voga mas pela estritura com que o romance foi construído. Sem intrigas, conflitos a ser resolvidos ou diálogos, a narrativa limita-se a percorrer a história de Des Esseintes em seus devaneios intelectuais permeados por ácidas críticas à mediocridade. Em meio às parças ações, surgem verdadeiros ensaios sobre a psicologia das cores, os escritores latinos decadentes e a sociologia dos perfumes e aromas destrinchados páginas a fio pelo autor. Apesar idsso, o livro não é fastidioso, já que o preciosismo do vocabulário e a personalidade instigante do anti-herói são suficientes para cativar o leitor mais atento.

Primeiro escritor a extrapolar o naturalismo quando a literatura vivia sob sua influência, J.-K. Huysmans foi criticado por seus contemporâneos, principalmente Émile Zola, pelo abandono das regras sob as quais se deveria escrever. Mas a realidade apregoada pelos naturalistas era outra em Huysmans, ele próprio um sofisticado parisiense inclinado ao decadentismo. No estudo crítico que precede o romance, o tradutor José Paulo Paes vê em Às Avessas o primeiro caminho aberto em direção ao romance experimental do século XX, que levou ao francês Marcel Proust (1871-1922) e ao irlandês James Joyce (1882-1941). Mesmo passados mais de 100 anos desde sua publicação, o romance de Huysmans ainda ecoa os tons da modernidade.

(Fonte: Veja, 11 de fevereiro, 1987 – Edição N° 962 – LIVROS/ Por Fátima Cardoso – Pág; 102)

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