Foi pioneiro na publicidade, o primeiro a trocar um contrato dentro da emissora —foi do esporte para o entretenimento

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Foi o primeiro a trocar um contrato dentro da emissora —foi do esporte para o entretenimento e colocou um basta na discussão de que nomes do jornalismo não poderiam comprometer sua isenção profissional com compromissos comerciais.

 

Fernando Vannucci foi pioneiro na publicidade, quebrou padrão Globo e inaugurou função de narrador de Carnaval

 

Fernando Vannucci é nome unânime: um colega de trabalho carinhoso, sensível, chorão e gentil. É assim que o descrevem amigos após a notícia da morte do jornalista aos 69 anos, recebida na terça-feira (24). Dono de uma distração divertida, Vannucci protagonizou lembranças pândegas —em sua maioria, regadas a vinho que ele mesmo pagava aos companheiros de emissora.

 

Carnavalesco nato, o mineiro de Uberaba emprestou o vozeirão e os bordões aos desfiles das escolas de samba —onde virava madrugadas em busca de boas histórias. Quando amanhecia, ele continuava aceso, perfeito, com cabelo e roupa impecáveis. “Ele era endeusado”, conta o ex-diretor de televisão da TV Globo José Emílio Ambrosio.

 

Vannucci quebrou a caretice do padrão Globo de qualidade nos anos 1980 – com um pé na porta que a emissora não conseguiu conter. O sucesso das entradas despojadas foi tanto que o apresentador se consagrou como um ídolo nacional —como ele mesmo se descrevia. Foi ele, ainda, o primeiro a trocar um contrato dentro da emissora —foi do esporte para o entretenimento e colocou um basta na discussão de que nomes do jornalismo não poderiam comprometer sua isenção profissional com compromissos comerciais.

 

O amor pela TV Globo parecia infindo: não deixou de ser assunto puxado por ele em toda oportunidade que tinha. “Ele tinha uma melancolia, uma mágoa por ter sido desligado da Globo. A vida dele era a Globo”, conta o radialista e comentarista esportivo José Calil. Calil diz, ainda, que os últimos meses de vida de Vannucci foram marcados por ligações periódicas e desabafos. “Ele sonhava em voltar para a TV aberta. Sempre que surgia algum programa novo ele me ligava e perguntava: ‘Por que não me chamam?’. E isso me partia o coração”.

 

UOL Esporte ouviu amigos e colegas de trabalho do jornalista, que se dizem honrados pela convivência. Os relatos mostram, carinhosamente, a figura de um homem cuja voz chegava antes do corpo – um mineirinho discreto, introspectivo até colocarem um microfone na frente dele. Entre risos de angústia, os amigos se despedem, agradecem e afirmam: Vannucci jamais será esquecido.

 

Jeitinho para driblar regra sobre comerciais

Fernando Vannucci foi precursor em muito do que vemos nos bastidores da TV hoje em dia. Ajustes em contratos da empresa com astros das áreas de jornalismo, como aconteceu com Fátima Bernardes e Galvão Bueno, começaram na década de 80, quando Vannucci deu um “jeitinho” para topar convites para comerciais.

 

O apresentador foi o primeiro a “trocar” seu contrato de esporte para entretenimento, resolvendo a eterna discussão de que nomes do jornalismo não poderiam comprometer sua isenção profissional com compromissos comerciais. Já uma grande estrela da emissora em 1989, ele passou a emprestar sua voz para anúncios de grandes marcas veiculados no horário nobre.

 

Vannucci quebrava uma antiga regra dentro do esporte global e “repetia” o que apenas Osmar Santos tinha autorização para fazer até aquele momento —até por ser apenas um apresentador de um “game show” aos domingos na Globo, sem ligação com o jornalismo. O então apresentador do quadro de gols do Fantástico, do Esporte Espetacular e do Globo Esporte ampliava sua voz e ganhava ainda mais fama em outras áreas.

Apresentador esportivo no Carnaval

Já superando o esporte com os comerciais, em 1985 ele chegou ao Carnaval. Até 1999 (na foto, o desfila da Portela de 99), ele comandou a apresentação dos desfiles no Rio de Janeiro. “A Globo entendeu que os desfiles das escolas de samba poderiam ser não apenas um show televisado, mas também um programa televisivo, com ele”, recordou o jornalista especializado em Carnaval e estudioso da cultura popular Fábio Fabato.

 

“Estamos falando de um período em que não havia canais pagos ou internet, ou seja, o telespectador ligava o televisor e assistia a um desfile de maneira quase imperativa. Neste contexto, na carona de sua voz poderosa, que trazia uma mistura até pitoresca de veludo e malandragem, algo à frente do tempo, Vannucci soube decodificar muito bem para qualquer público os detalhes e personagens de um desfile. E ainda conseguiu encaixar bordões únicos de Avenida, como ‘cuidado com o sofá’, ou então chamar as mais belas mulheres de ‘paroxítona’, para dar a entender que eram maravilhosas”,

 

“O narrador soube reunir no seu trabalho as duas visões naturais sobre Carnaval: a de um cortejo recheado com rituais, mas também a de uma festa movida a desvario, perspectiva que o senso entrega à data. Foram 15 anos no comando das transmissões globais da festa, imprimindo a marca de ser referência e saudade até hoje”, completou Fabato.

 

A fórmula de ter um comunicador esportivo na atração deu certo. Vannucci abriu caminhos para nomes como Cléber Machado, Luis Roberto, Alex Escobar, Tiago Leifert e Carlos Gil.

Ele era um cara do esporte e, de repente, vai narrar o Carnaval. E vai brilhar no Carnaval. Em estilo de narração, ele criou uma linha. Foi um dos melhores narradores de Carnaval da história, se não, o melhor. A gente não ficava em um estúdio como o que acontece hoje em dia. Ficávamos em uma cabine de rádio, com uma televisão na frente. Ele ficava em pé a maioria do tempo, porque eram muitas horas ao vivo. Mas fazia com tanta empolgação que não sentava. Vannucci ia para os barracões, frequentava as escolas. Chegava no ar e sabia o que estava falando”.

Isabela Scalabrini, parceira de Vannucci por anos na condução dos desfiles.

 

Corneta no ar e a quebra do padrão Globo

“Se atualmente os eventos são narrados de maneira mais despojada, o começo está em Fernando Vannucci. E o Carnaval foi o grande balão de ensaio e a ‘concentração’ do que agora é rotineiro na maneira de a TV conduzir shows e espetáculos”, resumiu o jornalista Fábio Fabato.

 

E era assim. Sorrisos, piadas, script quebrado e até uma corneta tocada na então quadrada TV Globo fizeram de Vannucci o responsável por começar a mudar a cara da emissora em eventos ao vivo.

 

“Ele foi o primeiro que eu me lembre a dar uma quebrada no padrão mais quadrado de apresentar programa. ‘Esse até eu faria’, ele brincava contando uns gols mais fáceis, sem brilho. Na Copa de 86, ele tocava uma corneta quando o Brasil fazia um gol. Chorou no final da Copa. Foi o primeiro que deu uma quebrada, um estilo diferente. E isso tudo na bancada, não era andando pelo estúdio. Deu essa descontração na apresentação”, recordou o narrador global Cléber Machado.

Foi onde eu pude me soltar totalmente. Eu quebrei o chamado “Padrão Globo de Qualidade”, aquela coisa séria, como era o Cid Moreira. Eu cheguei como um maluco e deu certo. Quando a Globo achou que tinha que mudar, já tinha dado certo. Não tinha como voltar atrás, entendeu? Esse foi um momento histórico. Em 1986, eu virei um ídolo nacional

Fernando Vannucci, sobre a Copa do Mundo de 1986, em que não foi convocado para ir ao México, mas foi a cara da Globo no Brasil

Galvão, Léo Batista, Osmar Santos e a geração de ouro da Globo

Parceiro de Cléber Machado e de outras dezenas de jornalistas esportivos da Globo, Fernando Vannucci fez parte de uma geração considerada de ouro da emissora. Isso aconteceu na década de 80, quando o canal passou a investir mais em transmissões ao vivo. Ao lado de Léo Batista, ele era o apresentador da equipe que ainda tinhas os narradores Galvão Bueno e Osmar Santos.

 

Vannucci ganhou fama ao apresentar o agora tradicional “Show do Intervalo” na Copa do Mundo de 1982, na Espanha – transmitida com exclusividade pelo canal no Brasil. Naquela época, a Globo alcançava 90% dos televisores ligados. Ele cobriu outras quatro Copas na Globo: 1986, 1990, 1994 e 1998. Em todas elas, em parceria com Galvão Bueno. A sua relação com o narrador mais popular do país sempre foi de respeito e amizade.

 

Quando saiu da Globo, em 1999, Vannucci defendeu a qualidade do colega em uma participação no Bate-Papo UOL. “O Galvão é o melhor. Por sorte, tive a oportunidade de trabalhar com ele por muito tempo”.

 

Galvão destacou a versatilidade do antigo colega: “Ele era capaz de dar uma notícia trágica ou muito triste com a seriedade e o respeito que a notícia merecia. E pouco depois, era o Fernando Vannucci alegre, que passava emoção, dando uma notícia maravilhosa de Esporte. Ele foi, realmente, um grande profissional”.

Vannucci pediu ajuda a Léo Batista para voltar ao Carnaval na Globo

Vannucci disse ao UOL em 2018 que nunca deveria ter saído da Globo. “Lá é minha casa”. E houve um momento recente em que ele tentou voltar. E para fazer Carnaval.

 

Para isso, o apresentador acionou Léo Batista, pedindo para que o narrador fizesse o favor de falar com a chefia responsável pela cobertura da festa. Batista não se recorda exatamente em que ano o papo aconteceu, mas tentou dar o empurrãozinho para o amigo. No fim, não rolou, mesmo com a influência do jornalista de 88 anos dentro da emissora.

 

“Como o Vannucci fez Carnaval lá [na Globo]por muito tempo, como eu também fiz, ele me ligou e falou: ‘Léo, me dá uma força aí para me darem um cachê e eu fazer o Carnaval’. E ele fazia bem, eu tentei ajudar. Fui falar com o diretor, mas ele falou ‘não, já temos a nossa equipe’. Eu falei: ‘Pô, mas o cara está lá, me pedindo, está precisando’. Dei uma força no que pude, mas não consegui. Foi a última vez que ele me telefonou, inclusive. Pra falar desse assunto, que ele queria uma forcinha pra ver se ele fazia um Carnaval na Globo”.

 

Os dois foram parceiros na emissora desde 1977. “Eu estava atolado na Globo. Fazia Globo Esporte, Esporte Espetacular, entrava no JN, fazia os gols do Fantástico… Tudo era eu, eu e eu e eu mesmo. Aí, de repente o Buzzone, que era o diretor de programação, chegou com uma notícia que tinha um garoto em Minas Gerais que está surgindo, tem uma voz bonita, boa presença. Eu falei: ‘Pelo amor de Deus traga logo’. Todo mundo achando que eu ia dizer não”, lembra Léo.

 

“Eu me lembro de quando ele chegou na Globo garotinho, eu já era uma pessoa formada, quase um veterano em televisão. Mas ele chegou com talento, eu percebi logo, com presença, esperto. Eu pensei: ‘Pô, vai me ajudar’. Fizemos dupla, ele fez programas me substituindo e assim foi. Só de vez em quando ele fazia umas molecagens, eu dava conselhos: ‘Fernando, abre o seu olho, pra ajudar tem poucos, mas pra empurrar tem uma porção. Cuidado’. Há pouco tempo, ele me ligou e falou: ‘Léo, agora eu pensei bem e descobri que você é que era o meu amigo. Foi você que realmente me deu conselhos certos'”.

O figurão amigo

Fora do ar, Vannucci gostava de uma festa: semanalmente, reunia a equipe para jantar —e sempre existiam bons motivos para uma rodada de vinho. Segundo o humorista Alexandre Porpetone, hoje no SBT, que trabalhou por seis meses com Vannucci na RedeTV, era só a audiência começar a crescer que ele pagava vinho para todo mundo.

 

Porpetone relembra, ainda, uma peça pregada pelo colega: “A gente fez uma matéria imitando um dos comentaristas da mesa. O Vannucci sabia, e fez a abertura como se fosse chamar uma matéria mega séria. O cara, quando viu, ficou nervoso demais por ser zoado. E isso de ele não gostar aumentou muito a nossa audiência —eu achava que ele iria levantar a qualquer momento e me bater”, ri.

 

À medida que ele ia ficando mais nervoso, a audiência subia, e o Vannucci me falava: ‘Continua, provoca ele, a audiência tá subindo. Imita mais’. E ele ria demais. Era bem divertido trabalhar com ele.”

 

A jornalista Rita Lisauskas foi colega de plantão de Vannucci por dois anos —e, diferentemente de todos os colegas, “Van Van” adorava fazer plantão. “Já trabalhei com vários figurões do jornalismo, em diversas emissoras, figuras icônicas. E ele era da galera, era nosso colega querido, que sentava com a gente, conversava sobre tudo, perguntava da família. Fazia plantão. Tinha jornalista que nem plantão fazia. E ele adorava trabalhar, fazer plantão, aquela vivência da redação com os colegas, de conversar, dar risada. Van Van era um cara espetacular”.

 

“Quando colocaram ele para fazer o jornal, sem ser um jornal de esporte, eu lembro que pensei: ‘Poxa vida, mas o Vannucci é tão cara do esporte, como será que vai ser apresentando o jornal?’. Mas ele tinha uma capacidade de adaptação. Ele era capaz de apresentar qualquer coisa, falar sobre qualquer assunto e fazer qualquer cobertura”.

 

Quem comenta a versatilidade e responsabilidade do jornalista é o ex-diretor da RedeTV José Emílio Ambrosio. O jornalista dirigiu, ainda, o último Carnaval de Vannucci na TV Globo. “A presença do Vannucci era notada apenas pela voz maravilhosa. No Carnaval, o ‘alô, você’ gerou uma marca. Ele era muito, muito gentil: era impossível imaginá-lo levantando a voz para alguém —por maior que fosse o problema técnico. Era muito compromissado, estava presente na hora marcada. Um cara ímpar”.

Distraído e sensível

Vannucci foi descrito por colegas como uma figura “à mineira” —quietinho, mas ácido na hora certa. “Ele tinha um timing perfeito para as piadas”, conta Cléber Machado. “Um dia, uma imagem bem boa passou na TV, e ele, no programa, disse: ‘Essa é proparoxítona: ma-ra-vi-lho-sa’. Então, interromperam ele no ponto e disseram: ‘Mas ‘maravilhosa’ é paroxítona’. E ele ficou chateado: ‘Pô, vou ter que mudar, vou ter que mudar'”, relembra o jornalista.

 

Atual narrador da Copa Libertadores no SBT, Téo José diz que Vannucci era “muito distraído”. Conta, com detalhes, um dos causos do colega: “Eu sempre ficava na mesa junto ao José Calil. Uma vez, o [treinador]Antônio Lopes participou do programa e o Vannucci perguntou a ele ‘E aí, Antônio, como foi o jogo?’. Então, o treinador começava a responder e, toda vez que alguém falava algo no ponto do Vannucci, ele interrompia o cara”.

“Fez isso uma vez, e o Antônio olhou para mim e disse: ‘Pô, o cara me cortou’. Depois, pediu a opinião dele de novo e, mais uma vez, se distraiu com o ponto, interrompendo o treinador. Da segunda vez, ele me disse, baixinho: ‘Ele tá de sacanagem comigo, né?’. E eu respondi: ‘Lopes, o Vannutão é assim mesmo, distraído, relaxa’. E caímos na gargalhada”, conta.

 

Para Téo, Vannucci era o dono do melhor off da TV —e Cléber concorda: “Ele interpretava crônicas como ninguém”, diz o jornalista da Globo. Téo José afirma que procurava seguir algumas entonações do colega —principalmente quando cobria festas temáticas. “Vannucci foi o melhor apresentador de Carnaval de todos os tempos. Ele usava boas entonações, frases curtas, comecei a fazer isso também”, afirma. Calil é contundente: “o Pelé dos offs”.

 

Todos os colegas ouvidos nesta reportagem enfatizam a generosidade e gentileza de Vannucci: “Ele se emocionava com tudo, pensei até que fosse do signo de Peixes. Era doce, tratava todo mundo bem”, diz Rita. “Ele sabia que minha mãe estava doente, sempre perguntava dela. Eu até fui olhar no Facebook, para ver as mensagens que a gente tinha trocado, era sempre o cara que me mandava feliz aniversário, que, quando meu filho nasceu mandou mensagem.. Um ser humano incrível”, relembra.

As polêmicas de Vannucci

 

Amigos relembram mágoa com a Globo

 

Amigos relembram, se emocionam e se divertem entre relatos da relação com Vannucci. O jornalista Mauro Naves diz estar com “uma dor imensa no coração, porque, desde o ano passado, vinha adiando encontrá-lo”. “Ele me cobrava muito, e eu tinha muito carinho por ele. Mas veio a pandemia, e a gente precisou adiar esse encontro. Quando recebi a notícia, foi como uma facada”, afirma.

 

Segundo Naves, Vannucci sempre foi uma companhia agradável: “Quando o conheci, em 1992, ele estava no auge da fama. Me convidou para uma festa na casa dele e eu fui —ele foi muito receptivo. Depois desse evento, começamos a conviver com frequência. Ele se mudou para São Paulo e nos tornamos vizinhos —ambos morávamos no Morumbi, na zona sul”, diz. “Acompanhei toda a transição dele de perto, fizemos uma amizade muito gostosa. Me arrependo de não tê-lo encontrado”.

 

O apresentador José Calil também chegou à RedeTV sem experiência na telinha. Radialista, recebeu de Vannucci dicas de como se portar em frente às câmeras. “Ele chegava maquiado de casa, estava sempre com um blazer impecável. Eu chegava com a camisa toda torta, colarinho amassado, porque, na rádio, a gente não precisa se arrumar”, relembra. “O Vannucci era um cara superhumilde. Ele não entendia muito de futebol, apesar de ser botafoguense roxo. Entendia de jornalismo. Virava e mexia, me perguntava alguma coisa, pedia uma dica. Eu me sentia honrado”, afirma.

Segundo Calil, Vannucci falava da Globo com melancolia —para o amigo, o jornalista nunca superou a mágoa de ter sido demitido da emissora. “A vida dele era a Globo. Ele achava que morreria na emissora e, de repente, mandaram-no embora. Disseram que era porque ele estava comendo bolacha no estúdio, mas é mentira: foram questões políticas, e esse foi só um pretexto”, diz.

 

“Ele tinha essa mágoa. Toda vez que podia, se referia à Globo. Fazia uns oito meses que eu não falava com ele, mas sempre que a gente conversava, esse assunto surgia. Nos últimos tempos, Vannucci estava muito triste por não voltar à TV aberta. Sempre que surgia algum programa novo, alguma ação nova nas emissoras, ele me ligava e perguntava: ‘Por que não me chamam?’. E isso me partia o coração. Às vezes, ele perguntava se eu não tinha uns contatos para indicá-lo. E eu pensava: ‘Cara, o Vannucci está pedindo contato para mim. Ele é o Vannucci e eu não sou ninguém'”, afirma.

Homenagens a Vannucci

 

Ele era a voz do Carnaval. Quando passavam os destaques na frente do camarote da Globo, todo mundo fazia uma referência a ele. Existia um preparo antes, ele visitava os barracões, era um cara endeusado

José Emílio Ambrosio, diretor da TV Globo e RedeTV

Ele tinha fama de namorador pelos corredores da Rede Globo, todo mundo falava. Mas quando veio para São Paulo, se casou e sossegou

José Calil

 

Ele era um ícone do esporte, por toda a história que ele tinha, mas era um colega incrível. Era para quem você ligava pedindo fonte. As lembranças que tenho são as melhores possíveis

Rita Lisauskas, ex-apresentadora da RedeTV

 

Era um mineiro quietão, parecia que nem estava no ambiente. Mas tinha sempre uma tirada boa, uma brincadeira boa, raciocínio rápido de piada

Cleber Machado, narrador da Globo

 

Vannucci foi um dos melhores apresentadores de esporte da história da televisão brasileira, o melhor OFF, a melhor voz para gravação de texto

Téo José, narrador do SBT

 

Em sua última grande entrevista ao UOL, publicada em junho de 2018, Fernando Vannucci contou como se tornou um dos principais nomes do esporte da Globo, virou celebridade e viveu romances com famosas. O homem que quebrou o “Padrão Globo” ainda explicou o apelido carinhoso com que era tratado nos bastidores da TV, pediu desculpas a Jorge Kajuru e falou sobre Galvão Bueno, Cid Moreira, J. Hawilla e Sherlock Holmes —o seu pai. Vannucci ainda admitiu que “nunca deveria ter saído da Globo” e que gostaria de ter voltado à emissora:

Morrer trabalhando na Globo seria um fecho de ouro na minha carreira, um prêmio, uma vitória. Nem que fosse como Léo Batista ou Cid Moreira, que estão meio afastados, mas de vez em quando participam”.

 

 

“Eu não sou nada do que algumas pessoas pensam”

 

Fernando Vannucci, jornalista por mais de 50 anos, aprendeu a conviver com os rótulos que o impuseram. Celebrado por passagens por TV Globo, Record, Band, Rede TV! e UOL, o apresentador morreu hoje (24/11/2020), aos 69 anos —a causa da morte não foi divulgada.

 

No UOL Esporte, ele foi o responsável pelo programa “A Rússia é Logo Ali”, batizado como uma brincadeira com o famoso episódio do Mundial de 2006, que ele define como “trágico e infeliz”, que ele comentou assim: “Isso não existe. Eu sei das minhas responsabilidades, não é à toa que eu estou desde os 15 anos trabalhando em rádio, televisão e internet”, disse.

 

Em sua última grande entrevista ao UOL, publicada em junho de 2018, ele contou como se tornou um dos principais nomes do esporte da Globo, virou celebridade e viveu romances com famosas. O homem que quebrou o “Padrão Globo” ainda explicou o apelido carinhoso com que era tratado nos bastidores da TV, pediu desculpas a Jorge Kajuru e falou sobre Galvão Bueno, Cid Moreira, J. Hawilla e Sherlock Holmes —o seu pai.

 

Vannucci ainda admitiu que “nunca deveria ter saído da Globo” e que gostaria de ter voltado à emissora:

Morrer trabalhando na Globo seria um fecho de ouro na minha carreira, um prêmio, uma vitória. Nem que fosse como Léo Batista ou Cid Moreira, que estão meio afastados, mas de vez em quando participam”.

 

Os detalhes que levaram ao “A África é logo ali”

Vannucci quebrou “Padrão Globo” e virou ídolo nacional

Fernando Vannucci estreou na TV Globo nacional em 1977 e foi, ao lado de Léo Batista, um dos primeiros apresentadores do Globo Esporte, que estrearia em agosto do ano seguinte. Rosto conhecido em todas as coberturas e programas esportivos da maior emissora do país, ele sente que ficou famoso de verdade justamente em uma cobertura que não participou: “Eu esperava ir para a Copa do Mundo no México, em 1986, mas quando saiu a escalação meu nome não estava”, relembrou.
O jornalista havia sido “reservado” por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, vice-presidente de operações da emissora à época, para ancorar um programa chamado “Copa 86” dos estúdios no Rio de Janeiro.

 

Ele foi a cara da Copa do Mundo na TV Globo, com aparições ao longo da programação e estúdio dividido com o capitão do Tri, Carlos Alberto Torres, José Roberto Wright, os comentaristas Zagallo e Rubens Minelli e os humoristas Chico Anysio e João Kleber. Após a eliminação do Brasil para a França nas quartas de final, Vannucci chorou ao vivo no Jornal Nacional enquanto lia um poema escrito por Afonso Romano de Sant’Anna escolhido por Armando Nogueira. “Isso provocou uma explosão na televisão”, disse o âncora, que, naquela época, conheceu pessoas “do Brasil inteiro” e fez amigos famosos, como o cantor Juca Chaves.

 

Foi onde eu pude me soltar totalmente. Eu quebrei o chamado “Padrão Globo de Qualidade”, aquela coisa séria, como era o Cid Moreira. Eu cheguei como um maluco e deu certo. Quando a Globo achou que tinha que mudar, já tinha dado certo. Não tinha como voltar atrás, entendeu? Esse foi um momento histórico. Em 1986, eu virei um ídolo nacional”.

Fama de galã, capas de Playboy e passado conquistador

Diariamente na TV desde os anos 70, o jornalista aproveitou o reconhecimento para virar um dos galãs de sua época. “Galã? Eu meço 1,67m! Isso não é altura de galã. Eu nunca tive cara de galã. Mas sempre fui carinhoso e acho que elas gostam de carinho. Isso faz parte de um momento da minha vida. Tive inúmeras namoradas”.

 

Há 30 anos, Fernando Vannucci era um homem acompanhado pelas colunas de fofoca. Essas inúmeras namoradas ganhavam manchetes. Uma das mais relevantes foi em 1992, quando o apresentador saia com a modelo Marinara Costa, que foi capa da revista Playboy. “Alô, você! A nudez espetacular de Marinara, a mulher de Fernando Vannucci”, estampou a publicação masculina. O próprio Vannucci assinou o texto de apresentação das fotos de sua namorada nua: “Pele morena e gostosa com cheiro de mato molhado”.

 

Marinara e Vannucci foram noivos e tiveram uma filha chamada Júlia, hoje psicóloga. Ele teve dois casamentos, o primeiro com Maria de Fátima, com quem teve os filhos Fernando, oncologista, Frederico, jornalista, e Fabiano, que viveu apenas 35 dias. Vannucci era casado com Alessandra, também jornalista, e os dois não tiveram filhos. Em relacionamentos do passado, com uma namorada de adolescência de Uberaba e uma comissária de bordo da VASP, ele descobriu outros dois filhos: Maria Fernanda e Antônio Henrique. “Filhos e mulheres eu tive vários”, conta.

Aula de leitura levou ao rádio (e não ao Direito)

Nascido em Uberaba, interior de Minas Gerais, em 1951, Fernando Vannucci começou a ser jornalista cedo. Muito cedo. Aos 7 anos, ele tinha a responsabilidade de contar os jogos da Copa do Mundo da Suécia para seu pai, que se chamava Sherlock Holmes e tinha deficiência auditiva. Na época, a família não tinha TV em casa, só rádio, e o menino escutava as narrações para transmitir os melhores momentos ao pai, que sabia quem tinha feito gol ou vencido os jogos por leitura labial.

 

Alguns anos mais tarde, na escola, Fernando era um dos primeiros alunos da classe de português do professor Geraldo Miguel. Seus momentos preferidos eram as aulas de leitura, quando os alunos liam textos e poemas em voz alta, para que todos ouvissem. “A curiosidade é que esse meu professor tinha um programa na Rádio Sociedade de Uberaba chamado ‘Divulgando Valores’. Ele gostou da minha voz e me levou para participar do programa dele. Um ano depois, ainda adolescente, eu já estava trabalhando como repórter esportivo”.

 

Da Rádio Sociedade de Uberaba, ele foi contratado pela Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, como repórter e narrador esportivo. Mas o jornalismo até então parecia um hobby: durante todo esse percurso, Vannucci acabou se formando em Direito. E viveu uma história inusitada…

Em Belo Horizonte, morei em pensões. Um dia, estava conversando com um dos homens que dormiam no mesmo quarto que eu e disse que estava fazendo faculdade de Direito. Ele virou para mim e disse: “Que legal. Mas você não pode ser promotor, você tem que ser advogado de defesa. É que eu fui preso porque matei um cara e preciso de advogado”. Eu só pensei: “Meu Deus do céu, onde eu vim amarrar o meu bode?”. Um absurdo

Fernando Vannucci, sobre sua “aventura” como advogado. E para você que pergunta se ele ganhou o caso, a decepção: ele não aceitou o trabalho. Aliás, nunca trabalhou como advogado…

“Meu Deus, eu vou morar no Rio?”

Vannucci começou em televisão na própria Globo, mas a serviço da afiliada de Minas Gerais. Na época, o Jornal Nacional era encerrado com um bloco de informações locais e o aluno preferido de Uberaba ancorava o conteúdo. “Saía o Cid Moreira já colorido do Rio de Janeiro e entrava o Vannuccizinho preto e branco em Belo Horizonte. Isso contribuiu para que eu começasse a crescer e saber que aquele era meu caminho mesmo”. Dois fatores contribuíram para que o apresentador fosse contratado pela Globo do Rio.

 

O primeiro foi um teste com o repórter Heron Domingues, autor da dica que Vannucci jamais esqueceu: “Olha para essa lentezinha aqui da câmera e faz de conta que você está conversando com seu vizinho, que você está na sua janela e o vizinho está do outro lado. Conta o que aconteceu na sua casa, é isso que você vai fazer na televisão.” Em 1977, rolou uma transmissão de final do Campeonato Mineiro entre Cruzeiro e Atlético-MG, que começava às 16h. A Globo exibiu parte do jogo para o Brasil inteiro com narração de Vannucci, antes da transmissão da final do Paulistão entre Corinthians e Ponte Preta, com Luciano do Valle. O âncora de Uberaba apareceu pela primeira vez para todo o país.

 

“Pouco tempo depois me ligam: ‘Vannucci, vem para o Rio, estamos montando a divisão de esportes’. Eu falei: ‘Meu Deus, eu vou morar no Rio? Eu vou trabalhar na Rede Globo?’. Foi uma loucura para mim, mas é claro que fui. Daí tudo aconteceu”. Na rodoviária de Uberaba, o apresentador ganhou uma festa dos familiares que o ensinaram a amar futebol (e o Botafogo) e partiu para o sucesso.

Na Globo, diretor enciumado ajudou a encerrar longa história

Figura marcante nas coberturas de Copa do Mundo, Olimpíadas e também Carnaval do Rio de Janeiro na TV Globo, Fernando Vannucci foi encostado pela emissora durante o primeiro semestre de 1999. O que aconteceu com ele, na televisão, é chamado de “ficar na geladeira”. O jornalista atribuiu o limbo à atuação de um diretor da divisão de esportes da emissora.

 

“Ele sempre teve um certo ciúmes de mim, por inúmeras razões. Uma delas era que eu ganhava mais do que ele. Me parece que ele estava esperando o momento para dar uma limpada, então eu cometi um erro e isso aconteceu”, relembra. O tal erro foi ser filmado engolindo um lanche ao vivo no Esporte Espetacular, em 1998, episódio que ele relembrou no vídeo abaixo.

Como a Globo zerou as contas de Vannucci

Fernando Vannucci não foi demitido da Globo logo depois do episódio do pão com manteiga. Ele acabou encostado no bloco de esportes do Bom Dia Rio, com obrigação de chegar à emissora às 4h30, o que ele considerou “castigo de criança no colégio”, e ainda transmitiu o Carnaval de 1999. Ele considerou esta narração “a melhor de todas as 16” que fez na carreira, mas nada disso evitou que a emissora impusesse uma multa por descumprimento de regras no trabalho. Incomodado, o apresentador levou o caso à Justiça e não voltou mais à Globo.

 

Boni, homem forte da Globo nos tempos em que Vannucci brilhou, já não era mais diretor. “Eu achei que não tivesse mais ambiente na Globo, me sentia mal por tudo o que aconteceu”. Segundo ele, a substituta de Boni, Marluce Dias, queria “resolver os problemas” e não deixá-lo sair, mas a situação era incontornável.

 

Na Justiça, Vannucci venceu um processo trabalhista contra a Globo e recebeu indenização de R$ 2 milhões por falta de vínculo empregatício ao longo dos 26 anos. Paralelamente corria um processo cível, que o apresentador perdeu. Na época, ele já estava na Rede TV! e passou por momentos delicados: a emissora conseguiu o bloqueio de suas contas.

Foi dia 23 de março de 2002. Eu acordo, abro o computador para ver como estava minha situação financeira. No primeiro banco: zero. No segundo: zero. Abri o terceiro: zero. Liguei para os bancos, “Foi uma decisão judicial. Você perdeu alguma causa?” Eu não tinha dinheiro para tomar um café. Levaram tudo. Lutamos durante 6 ou 7 meses

Fernando Vannucci, sobre a batalha judicial de perdas e ganhos contra a Globo

 

Já há algum tempo eu tenho essa coisa formada na minha cabeça: eu nunca deveria ter saído da Globo. Lá é minha casa, é a casa em que eu aprendi tudo, que me recebeu, que me abriu as portas para a vida profissional. Eu deveria ter seguido o conselho da Marluce. Deveria ter ficado e não deveria ter me deslumbrado. Eu me arrependi

sobre o arrependimento pela saída da Globo

 

J. Hawilla ligava “3 ou 4 vezes por dia”

Morto no final de maio de 2018, J. Hawilla teve papel fundamental na carreira de Fernando Vannucci após o rompimento com a Globo. Ainda sob contrato, o apresentador abriu conversas com o dono da Traffic, empresa de marketing esportivo que, desde 1998, era responsável pelo departamento de esportes da Rede Bandeirantes de Televisão. O empresário queria o global como âncora dos programas da Band. “Venha para São Paulo. Aqui todo mundo vai te respeitar”, teria dito Hawilla em “três ou quatro ligações diárias”.

O apresentador aceitou o convite e estreou na Bandeirantes em 2 de maio de 1999, no comando do “Show do Esporte” ao lado de Milton Neves, Silvio Luiz, Luiz Ceará, Oliveira Andrade, Hortência e Sabrina Parlatore. O programa pulou de dois para 16 pontos de audiência, com picos durante a transmissão de jogos. O projeto começou grandioso, especialmente com a primeira edição do Mundial de Clubes da Fifa, em 2000, exibido com exclusividade pela Band no Brasil, e a Copa Mercosul. Os prejuízos pela concorrência com a Globo, entretanto, fizeram o consórcio durar só até outubro de 2001.

De 120 funcionários, Hawilla manteve 40 e assinou parceria com a TV Record. Os moldes do novo contrato, no entanto, eram diferentes: a Traffic não interferia no departamento de esportes, apenas dividia custos de direitos de transmissão e faturamento. Assim, Vannucci passou a aparecer apenas em blocos de esportes em noticiários.

“Eu pouco fazia na Record. Me sentia quase um inútil. Isso me deixava mal. Às vezes, voltava chorando lá da Barra Funda para Alphaville, onde morava. Chorando mesmo, pensando: “tive momentos extraordinários na minha vida e hoje estou vivendo isso aí”. Há um ano e meio ficamos sabendo que nosso J. Hawilla, que Deus o tenha, estava envolvido com tanta coisa errada. Então, eu estava lidando com uma quadrilha. Mas no fim de 2002, acabou o contrato e nesse sentido ele (Hawilla) foi até bacana comigo. Deu mais três meses de salário e manteve o plano de saúde”.

 

O resgate da carreira na RedeTV!

Fundada em 1999 após a compra da concessão da extinta Manchete, a RedeTV! queria crescer. Em 2003, apostou na contratação de Fernando Vannucci como seu rosto para o esporte. A trajetória que começou transmitindo provas de Fórmula Indy passou pelo RedeTV! Esporte ao lado de Roberto Avallone e pelo famoso Bola na Rede, aos domingos, com Jorge Kajuru e o ex-goleiro Ronaldo. A passagem pela emissora de São Paulo durou até o fim de 2011 e deixou o veterano apresentador realizado profissionalmente.

 

“A RedeTV! foi um lugar bacana de se trabalhar, gostoso. As pessoas me admiravam muito, então eu tinha uma liberdade grande com o pessoal da direção. Não só do jornalismo, mas do entretenimento também. Todos”, disse o jornalista.

 

Ao contrário do que ocorreu na Globo com o caso do pão com manteiga, o episódio do “A África é logo ali” não causou queda: na segunda-feira, ele já estava no ar à tarde com o RedeTV! Esporte. Marcelo de Carvalho, sócio e vice-presidente do canal em que hoje até apresenta programas, levou na boa o que rolou: “Uns meses depois, o Marcelo falou: ‘Pô, Vannucci, precisamos fazer outra daquela, porque deu uma audiência terrível’, acredita?”.

 

Vannucci considera o episódio da RedeTV! como “mais constrangedor” que o da Globo.

 

(Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais – ESPORTE / REPORTAGENS ESPECIAIS / DO UOL, EM SÃO PAULO – 25/11/2020)

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