Ernst Barlach, um mestre do expressionismo alemão.

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Ernst Barlach (Wedel, Alemanha, 2 de janeiro de 1870 – Rostock, Alemanha, 24 de outubro de 1938), um mestre do expressionismo alemão.

Barlach tornou-se mais conhecido internacionalmente como uma espécie de Rodin alemão, embora ele fosse trinta anos mais jovem que Auguste Rodin (1840-1917) e nove anos mais jovem que Aristide Maillol (1861-1944), outro mestre da escultura do início do século 20.

Mas no seu caso é quase impossível dissociar o artista das gravuras do mestre de obras-primas da escultura como O Vingador ou o Anjo da Catedral. Isto porque muitas de suas esculturas foram criadas a partir de imagens das gravuras e muitas destas, como Alegria, Linda Centelha Divina, feita em 1927, têm o mesmo estilo de composição de linhas muito simples de suas esculturas.

Ao longo de sua obra, Barlach cristaliza com intensidade cada vez maior um profundo sentimento religioso e valoriza as emoções das pessoas mais humildes. Assim como Käthe Kollwitz (1867-1945), que imprimiu uma especial grandeza aos temas sociais, Barlach também os transforma no ponto de partida para retratos do ser humano. Para isso, não se revela trágico como outros expressionistas que foram seus contemporâneos. Muitas vezes trabalha com o humor e até retrata cenas de rua, em gravuras como O Encontro, de 1919. Assim como Käthe Kollwitz, com quem se correspondia e que também sofreu a trágica perseguição do Reich, Barlach preferiu seguir um caminho solitário, isolando-se dos grupos teóricos que nas primeiras décadas do século 20 surgiam continuamente em Munique, Berlim, Viena ou Paris.

IMAGENS MEDIEVAIS – Os primeiros grupos do expressionismo alemão, como Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), de Berlim, ou Die Brücke (A Ponte), de Munique, além de descobrir caminhos na pintura, procuraram recuperar a tradição alemã de gravuras na madeira, como as xilografias da Idade Média, e tentaram novas aventuras na gravura em pedra – as litografias.

Barlach trouxe para a gravura em pedra a habilidade de seus primeiros tempos de desenhista. Foi na xilogravura, porém, que ele conseguiu uma fusão original.

Barlach uniu a linguagem gráfica das imagens medievais às soluções da gravura japonesa, cheia de detalhes, descoberta pelos europeus no século 19. Além disso, usou as simplificações geométricas, iniciadas pelo cubismo, e tal mistura lhe permitiu tratar com aspecto moderno sua versão de um mundo marcado pela presença divina.

No seu caso, a Pietà, o Deus Pai ou os anjos estão em pé de igualdade com prosaicas matronas ou homens da rua embuçados em grandes abrigos. Mas o traço de união entre todas as suas obras – nítido nesta exposição – é a emoção intensa ao axaltar a dignidade do homem e a evidência de que as suas angústias não ficavam limitadas apenas ao plano humano.

BRILHO NAS SOMBRAS

Durante toda a década de 20, os principais museus da Alemanha disputaram o privilégio de exibir em suas coleções as gravuras e esculturas de Ernst Barlach, que, alheio à glória nacional que conquistara, vivia discretamente na pequena cidade de Güstrow.

Poucos anos depois, em 1937, a situação mudou: o governo nazista confiscou todas as suas obras das coleções públicas, ordenou a destruição de seus monumentos e ainda exibiu 381 peças do artista na célebre exposição Arte Degenerada, que reunia exemplos do que a partir de então seria proibido no país.

O golpe final veio no ano seguinte. O Reich proibiu, por decreto, que Barlach voltasse a criar novas obras. “Ser impedido de trabalhar equivale ao extermínio”, escreveu Barlach em suas anotações. Meses depois, ele deixou-se morrer numa clínica de Rostock, aos 68 anos. Mas a obra de Barlach, conservada em igrejas ou coleções particulares, sobreviveu ao Reich e à II Guerra Mundial.

O melhor de Barlach, na Alemanha

Foi ao fazer O Vingador, em 1914, que Ernst Barlach começou a libertar-se da representação naturalista do corpo humano para reduzir suas figuras a blocos muito simples, quase sempre baseados numa única figura geométrica. Naquela época, Barlach ainda tentava exprimir emoções nacionais da Alemanha – a Grande Guerra de 1914-18 havia começado – e eseu vingador tem traços decididos, que evocam um objetivo definido.

Com o tempo, porém, sua escultura voltou-se essencialmente para a condição humana. O Solitário, A Mulher Que Sonha e, na fase final, suas grandes esculturas religiosas são os exemplos mais fortes dessa trajetória.

O conjunto mais impressionante do que resta da obra de Barlach, está na localidade de Güstrow, onde o artista viveu longos anos e onde criou, em 1927, uma de suas obras mais conhecidas – o Anjo da Catedral (Domengel), suspenso da nave da Catedral de Güstrow por duas correntes presas às costas. No Anjo, como no Vingador, o corpo humano é tratado como uma forma plática, na horizontal. No Anjo, Barlach já utiliza todo o seu poder de exprimir no bronze ou na madeira grandes emoções abstratas.

EPOPÉIA PESSOAL – O segundo maior conjunto de suas obras pode ser visto na Igreja de Santa Catarina, em Lübeck, cuja fachada gótica também porta sua assinatura, e desde 1962 está aberto ao público, na cidade de Hamburgo, no museu Ernst Barlach. O método de trabalho do artista era minucioso, o que transformava cada escultura sua numa epopeía pessoal.

Nem mesmo nas esculturas de madeira – como no famoso conjunto O Friso dos Auditores, formado por nove figuras esculpidas em carvalho, originalmente destinadas a um monumento a Beethoven -, Barlach trabalhou diretamente na forma final. Ele fazia estudos, desenhos e moldes até encontrar a forma desejada e só então partia para a construção definitiva da obra. É notável ainda como Barlach teve forças para trabalhar mesmo perseguido pelo nazismo. O Homem Que Lê, uma escultura de 1936 – época de ascensão do nazismo -, é um comovente exemplo de um homem concentrado em seu próprio mundo de sonhos.

PRECISÃO PSICOLÓGICA – Ainda hoje é difícil avaliar a real importância de Ernst Barlach no painel do expressionismo na Alemanha. Raros artistas alemães foram tão eficazes na maneira de representar um profundo sentimento típico do país, e em traços tão pessoais.

(Fonte: Veja, 2 de outubro de 1985 – ARTE – Edição 891 – Pág; 157)

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