Dean Acheson, sub-secretário de Estado dos Estados Unidos, pelo presidente Harry Truman

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“Dos mortos só se diz o bem.” Dean Acheson, citando Tácito, a propósito da morte do seu inimigo Joseph McCarthy (1908-1957)

Acheson: superdiplomata

Dean Gooderham Acheson (Middletown, Connecticut, 11 de abril de 1893 – Sandy Spring, Maryland, 12 de outubro de 1971), foi nomeado em 1945 para o cargo de sub-secretário de Estado dos Estados Unidos, pelo presidente Harry Truman, até 1953, quando se retirou oficialmente da vida pública. Dean Acheson e a política externa americana formaram um corpo único.

Seus artigos, especialmente os que publicava no “New York Times”, mantinham um tom vivo e polêmico. Jamais teve uma palavra de elogio para seus sucessores. Foi chamado “um dos maiores, senão o maior dos secretários de Estado que o país já teve”, o que significa que recebeu em vida apertos de mão e agressões de todos os lados. Esta “figura controvertida”, ao longo dos anos, preparara-se e aceitara plenamente esse papel.

 

Bons e maus – Dean Acheson teria sido não apenas o arquiteto da política externa americana nos anos do pós-guerra como também o seu profeta, pastor e guia. Filho de um ministro anglicano inglês, ele se surpreendia por não ter herdado do pai a mania de dividir o mundo entre “bons e maus”.

 

Mas abria algumas exceções. Totalmente ruim, para ele, era o comunismo: “Como doutrina, é economicamente fatal para uma sociedade livre, os direitos humanos e liberdades fundamentais.” Totalmente bom, por outro lado, era o presidente Truman: “Decidido, simples, inteiramente honesto.”

 

Advogado de enorme sucesso – com um escritório, Corington and Burley, a poucas quadras da Casa Branca -, ele entrou para a administração pública em 1933, como subsecretário do Tesouro. Demitiu-se (segundo alguns, foi demitido) por considerar inconstitucional a desvalorização do dólar pretendida pelo presidente Roosevelt. Em 1941 estava de volta, no cargo de secretário-assistente de Estado, e pregava abertamente o apoio americano aos países em guerra ou ameaçados por Adolf Hitler. No meio da guerra, já trabalhava nos planos para quando ela terminasse.

 

Amigos e inimigos – Foi o fim da guerra, no entanto, que marcou o verdadeiro nascimento de Dean Acheson. Ele se revelou logo o homem típico dos “novos tempos”, capaz de arrancar os Estados Unidos de seu isolacionismo histórico. Já trabalhara para a criação da ONU, mas foi só em 1949, quando Truman o fez secretário de Estado, que Acheson mostrou do que era capaz. Sua ligação com Truman é uma dessas paradoxais histórias de amizade: de um lado, o presidente de obscura formação provinciana, alçado ao posto pela morte de Roosevelt, e de outro o sofisticado, urbano, cosmopolita ex-aluno de Yale e Harvard.

 

Acheson, um dos idealizadores do Plano Marshall, passou a controlar pessoalmente a política financeira do país no exterior. Sua tarefa era abrir “campos livres” onde se tornasse impossível o avanço vermelho: a Inglaterra recebeu mais de 3 bilhões de dólares, e a Grécia e a Turquia, sob ameaça de dominação comunista, mais 400 milhões. A Alemanha tornou-se o ex-inimigo a quem era preciso socorrer – Acheson clamou pela sua “participação fundamental na defesa europeia.” A OTAN nasceu em 1949 e é praticamente obra de Acheson.

 

No entanto, esses anos de imensa agressividade externa tiveram também os seus momentos sombrios. A ajuda à França contra os guerrilheiros de Ho Chi Minh na Indochina não livraria os colonizadores da derrota. Os quase 2 bilhões de dólares dados a Chiang Kai-shek não impediram a vitória de Mao Tsé-tung. Irritado, o secretário admitiu que havia gasto dinheiro com “uma cambada corrupta”, mas recusou-se a recom=nhecer a China Comunista.

 

Acheson, segundo testemunho de assessores na época, passou seus últimos meses no cargo entre irritado e amargurado. Os republicanos rugiam pela “perda da China” e o senador McCarthy acusava-o de “moleza” em relação aos comunistas.

 

Escrever e governar – Como ex-secretário democrata, teve muito o que criticar e pouco o que elogiar na administração do republicano Eisenhower. Pensava, sempre, em termos internacionais: aprovou o envio de tropas a Little Rock em 1957, para garantir a integração racial nas escolas, mas chorava pelo “desastre” que o episódio significava para a imagem do país no exterior.

 

Em 1970, dizi que, afinal, o mundo não acabaria se o Departamento de Estado desaparecesse – “mas não resistiria um minuto se não houvesse escritores”. No penúltimo dos sete livros que escreveu, “Presenta t the Creation” (prêmio Pulitzer de 1970), ele relata em quase oitocentas páginas sua carreira de estadia e coloca um extenso capítulo chamado “Viagem Sentimental”. Sobre o Brasil, onde esteve em 1946 e 1952: “Esta nação será uma das maiores do mundo.” Sobre São Paulo: “Fabulosa. Com o título (de cidadão honorário) que me deram, pude dizer-lhes ‘I,too, am a Paulista!’”.

 

Na verdade, sentia-se cidadão de todos os lugares que visitou, embora fosse cem por cento americano. Em seus últimos artigos via assim o mundo: “A Inglaterra é um país em bancarrota, a invasão da Checoslováquia pela Rússia revela mais medo que poder, Formosa está liquidada, a França está dilacerada e a Itália dificilmente poderia ser chamada de país.” E os Estados Unidos? “Temos uma classe média que não se preocupa com mais nada a não ser a própria tranquilidade e evangélicos liberais que acreditam na existência de democracias puras.”

 

Acheson, certamente, não se incluía entre estes últimos. Do dia em que brigou com Franklin D. Roosevelt por uma questão constitucional até essas notas de fim de vida, a “figura controvertida” deve ter sentido o orgulho de ter escrito um importante capítulo da história moderna, embora o mundo, como o Departamento de Estado, não tivesse acabado por causa da atuação do escritor e do estadista.

 

Meu Deus! – exclamou Dean Gooderham Acheson numa carta à sua irmã, em 1950, “que figura controvertida em me tornei!” O “homem da guerra fria”, o “diplomata dos diplomatas”, o “anjo da guarda do presidente” poderia estar sinceramente surpreso – mas não seriamente. Quando um ataque cardíaco o matou em 12 de outubro de 1971, aos 78 anos, na sua fazenda perto de Washington, ele ainda se conservara perto do poder. Seu protegido, Dean Rusk (1909-1994), fora secretário de Estado nas administrações Kennedy e Johnson.

 

(Fonte: Veja, 20 de outubro de 1971 – Edição 163 – INTERNACIONAL – Pág: 44)

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