António Ramos Rosa, autor de uma das obras poéticas mais extensas e marcantes da poesia portuguesa.

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António Ramos Rosa (1924-2013), uma vida dedicada à poesia

Autor de uma das obras poéticas mais extensas e marcantes da poesia portuguesa contemporânea

António Ramos Rosa (Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013), poeta e ensaísta, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado em 2012.

Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea.

Além da sua vastíssima obra poética, escreveu livros de ensaios que marcaram sucessivas gerações de leitores de poesia, como Poesia, Liberdade Livre (1962) ou A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979), traduziu muitos poetas e prosadores estrangeiros, sobretudo de língua francesa, e organizou uma importante antologia de poetas portugueses contemporâneos (a quarta e última série das Líricas Portuguesas). Era ainda um dotado desenhador.

Prêmio Pessoa em 1988, António Ramos Rosa, natural de Faro, recebeu ainda quase todos os mais relevantes prêmios literários portugueses e vários prêmios internacionais, quer como poeta, quer como tradutor.

Já muito fragilizado, o poeta, que estava hospitalizado desde 19 de setembro, teve ainda forças para escrever os nomes da sua mulher, a escritora Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe. E depois de Maria Filipe lhe ter sussurrado ao ouvido aquele que se tornou porventura o verso mais emblemático da sua obra — “Estou vivo e escrevo sol” —, o poeta, conta a filha, escreveu-o uma última vez, numa folha de papel.

Ramos Rosa mostrou, nomeadamente através das revistas que dirigiu e da primeira fase da sua obra poética, “que era necessário superar a dicotomia fácil entre a poesia “social” e a poesia “pura”, e que o trabalho sobre a linguagem não impedia o empenhamento cívico”.

Como ensaísta, Ramos Rosa esteve atento ao panorama europeu e mundial, de René Char a Roberto Juarroz, e aos autores portugueses das últimas décadas, incluindo os novos: “Descobri muitos poetas através de obras como Poesia, Liberdade Livre ou Incisões Oblíquas”.

Autor “muitíssimo prolífico”, “nunca se afastou do seu caminho pessoal, mesmo quando a abundância e a insistência numa “poesia sobre a poesia” fizeram com que nos esquecêssemos da sua importância decisiva.”

Obra lírica imensa

Nascido em Faro em 17 de outubro de 1924, António Ramos Rosa frequentou ali o liceu, mas, por razões de saúde, não terminaria os estudos secundários. Uma escassez de estudos formais que a sua avidez de leitor não tardou a compensar largamente.

Trabalhou algum tempo como empregado de escritório — experiência que inspirou o célebre Poema de Um Funcionário Cansado, incluído no seu livro de estreia —, ao mesmo tempo que dava explicações de português, inglês e francês e traduzia autores estrangeiros, primeiro para a Europa-América e depois para outras editoras.

Envolveu-se, logo após o final da segunda guerra, na oposição ao salazarismo, militando no MUD Juvenil e participando em manifestações. Nos anos 50 ajudou a fundar e coordenou várias revistas literárias, incluindo Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia, nas quais colaborou com textos de crítica literária e poemas.

Embora publicasse poemas em revistas desde o início dos anos 50, o seu primeiro livro só saiu em 1958, aos 34 anos. Mas a partir desta estreia algo tardia, nunca mais deixará de editar poesia a um ritmo impressionante.

Se O Grito Claro é ainda aproximável do neo-realismo, mesmo que já com tonalidades muito peculiares, a escrita de Ramos Rosa não tarda a destacar-se quer deste movimento, quer das inevitáveis influências do surrealismo, enveredando pelo caminho de uma poesia mais elementar, deliberadamente ancorada, sobretudo nos livros iniciais, numa certa rarefacção vocabular. Uma característica que, a par da própria extensão da obra, terá ajudado a gerar o equívoco de que esta seria uma poesia monocórdica. Nada mais falso. Sem detrimento da sua consistência enquanto obra, e mesmo essa talvez mais resultante da fidelidade a um percurso do que propriamente da reincidência de tópicos obsessivos, a poesia de Ramos Rosa não só tem ciclos muito marcados como é variadíssima do ponto de vista formal e discursivo.

Bastante indiscutível é a importância de António Ramos Rosa, quer como poeta quer como crítico, para a evolução da poesia portuguesa (e do gosto dos respectivos leitores) ao longo dos anos 60 e no início da década seguinte. Na atenção à materialidade do texto, numa dimensão política que dispensava a explicitude do neo-realismo, no rigor construtivo, até numa certa contaminação filosófica, a poesia de Ramos Rosa tinha, nos anos 60, afinidades bastante óbvias com poetas como Carlos de Oliveira ou Gastão Cruz.

No entanto, foi-se tornando nela cada vez mais insistente a procura de uma espécie de voz original que pudesse cantar o mundo ao mesmo tempo que o criava. E se durante algum tempo a sua poesia ainda inclui explicitamente, como um dos seus tópicos, o fracasso desse impossível retorno à origem, vai depois tornar-se, cada vez mais, um hino reconciliado e extasiado com a diversidade exultante do real, uma música que destaca a sensualidade das formas — de uma mulher, de uma planta, de um curso de água, do flanco de um cavalo, mas também das próprias palavras — ao mesmo tempo que ela própria contribui para erotizar o mundo.

Livros como O Ciclo do Cavalo (1975) ou Volante Verde (1986) costumam ser invocados, e com boas razões, como alguns dos momentos cimeiros desta imensa obra lírica. Mas há obras recentes que tiveram pouco eco crítico e são notáveis, como o criativo Nomes de Ninguém (1997), cujos poemas partem todos de nomes femininos inventados, ou As Palavras (2001), onde encontramos um inesperado Ramos Rosa a ironizar com o modo como foi sendo lido.

Ramos Rosa morreu em 23 de setembro de 2013, em consequência de uma infecção respiratória, em Lisboa, no Hospital Egas Moniz.

(Fonte: http://www.publico.pt/cultura/noticia – CULTURA/ Por LUÍS MIGUEL QUEIRÓS – 23/09/2013)

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