Anatoli Ribakov, autor de obra monumental “Os Filhos da Rua Arbat”

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Exorcismo do terror

Anatoli Ribakov (14 de janeiro de 1911 – 23 de dezembro de 1998), escritor ucraniano com 52 anos de literatura e livros traduzidos para 34 idiomas. É autor de obra monumental “Os Filhos da Rua Arbat”, onde o escritor preferiu trabalhar naquela que considerou uma espécie de missão do destino – exorcizar o espectro de Stálin, que sem dúvida, foi o passo mais largo da literatura soviética já empreendido nessa direção.

Quando  Ribakov colocou no papel o primeiro esboço de “Os Filhos da Rua Arbat”, tinha em mente traçar um painel sobre a juventude soviética dos anos 30 em forma de romance.  A partir do cotidiano de um personagem autobiográfico, Sacha Pankrátov, e de seus amigos, todos moradores daquele que era o mais tradicional reduto da intelectualidade boêmia de Moscou – a região em torno da Rua Arbat -, Ribakov pretendia retomar o que considerava um tema fértil na literatura – o rito de passagem da juventude para a vida adulta. Ao reler a primeira parte da obra, concluída em 1966, estava certo de que conseguira seus objetivos.

O que Ribakov não contava era com a colossal dificuldade que enfrentaria para ver seu romance publicado. Isso porque em dois capítulos ele enfocava de modo pouco cerimonioso uma figura até então intocável na União Soviética – o ditador Josef Stálin, que governou a URSS com mão de ferro de 1924 até sua morte, em 1953. O que os editores exigiram era a supressão dos dois capítulos. Ribakov não cedeu. Por isso, para ter seu livro publicado, precisou esperar 21 anos até que surgisse a perestroika de Mikhail Gorbachev.

 

Nesse período, o romance passou por uma completa metamorfose. Ampliado, passou a destacar o seu calcanhar-de-aquiles. Quando colocou o ponto final no romance, o que Anatoli Ribakov tinha a sua frente já não era um mero painel da juventude da União Soviética da década de 30, mas um magistral perfil do déspota sanguinário do socialismo, do homem que mais matou comunistas em todo o mundo.

A obra suplantara seu próprio autor para se acomodar na prateleira da História do século 20. Como se fosse um fantasma que impedia a reconstrução moral da URSS, raciocinava o escritor, Stálin precisava ser enfrentado e banido. “Os Filhos da Rua Arbat” é sua contribuição a esse processo de exorcismo.

 

BUSCA OBSESSIVA – O livro combinou personagens fictícios a outros da vida real, estes em situações e diálogos que o autor imaginou ter acontecido. Ribakov tem algo de escritor policial e dessa forma consegue manter com a respiração em suspenso até que ele, com impecável precisão, aponte o desfecho. Ao fechar Os Filhos da Rua Arbat o romance do ponto de vista exclusivamente literário esclarece mais sobre Stálin e o stalinismo, a União Soviética e o terror que nela se instalou principalmente na década de 30.

Ribakov nunca conheceu ou conversou com Stálin. O retrato que ele traçou no romance foi resultado de uma busca obsessiva por tudo o que dizia respeito ao ditador. Através de jornais da época, discursos e relatórios de pessoas que conviveram com Stálin, o escritor chegou ao perfil de um ditador envergonhado de si mesmo, que cultiva um autoritarismo exacerbado por insegurança pessoal.

Foi por se sentir ameaçado pelo chefe do Partido Comunista de Leningrado, Serguiê Kírov, analisou Ribakov, que Stálin ordenou à polícia secreta soviética que tramasse seu assassinato. Era o estopim dos sangrentos Processos de Moscou, farsa jurídica através da qual Stálin passou a eliminar sistematicamente quem lhe parecesse inimigo e cujos cadáveres continuam sendo descobertos até hoje. Esse exercício de poder pelo medo, na visão de Ribakov, era a forma de governo considerada ideal por Stálin.

 

INTERROGATÓRIOS – Os reflexos dos pensamentos e das ações desse contraditório ditador iluminam a outra corrente que flui no romance – o universo de Sacha e seus companheiros do número 51 da Rua Arbat, onde o próprio Ribakov morou. A exemplo do escritor, Sacha foi um estudante de Engenharia e líder da União da Juventude Comunista no início dos anos 30 que acaba preso por motivos banais. Passa algum tempo no presídio de Butyrki, em Moscou, e depois é exilado, por três anos, na Sibéria.

Sacha é submetido nesse período à interrogatórios donstantes, e enquanto resiste na prisão, seus jovens amigos tentam se mobilizar para interceder a seu favor. A ideia de um abaixo-assinado fracassa mais pela divisão que existe no grupo do que por uma eventual ação da máquina repressora do Estado. Também a mãe de Sacha tenta agir em favor do filho. Mas nada salvará o estudante do exílio, do mesmo modo que será inevitável que a alegria do grupo da Rua Arbat dê lugar ao amargor pelo presente e, sobretudo, pelo futuro. Na prisão, em Moscou e na Sibéria, ele concluiu que o terror, com o tempo, é capaz de vencer toda ilusão.

 

TRILOGIA – Enquanto trabalhava no romance, Ribakov insistia para vê-lo publicado sem concessões. Em 1978, já com a segunda parte da obra concluída, animou-se com a possibilidade de o livro ser editado. Mas entre a conclusão e sua primeira publicação, na revista Amizadde dos Povos, entre abril e junho de 1987, ainda se passariam quatro anos. O livro finalmente foi publicado em fevereiro de 1988, com a vertiginosa tiragem de 2,4 milhões de exemplares.

Para Ribakov, um dos segredos do sucesso de Os Filhos da Rua Arbat foi o fato do livro ter sido publicado primeiro na União Soviética, ao contrário de Doutor Jivago, de Boris Pasternak, com quem costumava ser comparado, lançado inicialmente na Itália.

 

(Fonte: Veja, 1° de fevereiro de 1989 – Edição 1065 – LIVROS – Pág: 84/86)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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