Alejo Carpentier, escritor cubano, a maior voz literária da língua espanhola

0
Powered by Rock Convert

Carpentier: síntese e autocrítica

Alejo Carpentier (Havana, Cuba, 26 de dezembro de 1904 – Paris, 24 de abril de 1980), escritor cubano, a maior voz literária da língua espanhola. Seu nome completo, Alejo Carpentier y Valmont, combinava, como sua obra, a origem profundamente latino-americana e a cultura europeia, em especial a francesa, do escritor. Era o ponto central deste autor-diplomata, grande amigo de Fidel Castro e de sua revolução: Carpentier, em toda sua obra, hesitou entre a tentativa de reconciliar a cultura europeia com a América pré-colombiana e o desespero de constatar impossível tal reconciliação. Essa ambiguidade o acompanhou até a morte, na França.

Membro do chamado boom da literatura latino-americana dos anos 60 (embora odiasse a expressão boom), Carpentier pertenceu a essa espécie de escritores-diplomatas, como Pablo Neruda, Octavio Paz e Carlos Fuentes, mediadores para os quais a História é o registro dos choques entre culturas. Sua obra (premiada com os 65 000 dólares do Prêmio Cervantes, em 1978) precisa ser lida com discriminação. Como para avaliar tensões intelectuais internas, ele alterna romances sérios e profundos com divertissements no gênero “arte para o artista”. Seu último livro, por exemplo, é um divertido “A Harpa e a Sombra”, em que questiona a santidade de Cristóvão Colombo, este avarento aventureiro genovês, que financiou sua descoberta da América deitando-se no leito da rainha Isabel, a Católica (Pio IX e Leão XIII pensaram seriamente em canonizar Colombo).

SOMA DE DITADORES -– É um livro que parece um repouso do guerreiro para o Carpentier que escreveu a dolorosa “Sagração da Primavera”, em 1978 (lembranças de sua desesperada juventude em Paris); assim como o “Concerto Barroco” (de 1974), passado num carnaval da Veneza do século XVII, teria sido o descanso exigido pelo esforço de redigir, em apenas oito dias, sua maior obra, “O Recurso do Método” (de 1974), transformada em filme francês, em 1979, por Miguel Littin. Embora dentro da tradição de outros grandes escritores latino-americanos, como Miguel Angel Asturias, Roa Bastos e Gabriel García Márquez. “O Recurso do Método” supera as obras desses escritores sobre a tradicional figura do ditador.

Carpentier conseguiu realizar o mais perfeito perfil desse iluminado, paternalista, machão, corrupto e carismático líder que, sob o nome de “ditador”, é uma perene epidemia que grassa na América Latina. Inspirou-se, para compor seu ditador, numa soma de personagens históricos: Gerardo Machado e Fulgencio Batista, de Cuba; Cipriano Castro, da Venezuela; os vários e familiares ditadores militares, além dos civis, como o mexicano Porfirio Díaz, o guatemalteco Cabrera Estrada, o venezuelano Guzmán Blanco – que falava espanhol com sotaque francês.

SOTAQUE BARROCO – Muitos críticos enxergam sotaque semelhante no barroquismo estilístico de Alejo Carpentier. Mas, para ele, assim como a primeira cultura autóctone da América Latina (a de Minas Gerais), toada a arte latino-americana tem de ser necessariamente barroca já que nasce de um “continente sem nome” em que falta fazer todo um repertório – com os exageros do barroco – de suas maravilhas indescobertas. Este é o tema de outra de suas obras maiores, “Os Passos Perdidos”, em que o personagem central não consegue abrigo na selva nova-iorquina nem na jungle do Orinoco.

O “maravilhoso” do êxtase – que Carpentier buscava no sonho e nos inconsciente, ao lado de seus amigos surrealistas em Paris (um dos quais, o poeta Robert Desnos, o ajudou a escapar de Cuba, sem passaporte, após um ano na prisão de Machado) – Alejo veio redescobrir na paisagem, na música, na comunicação virgem com a natureza, nas línguas antigas ainda faladas nas Caraíbas e na América do Sul. Foi uma de suas tentativas mais bem-sucedidas para chegar a algum resultado lógico na síntese de Paris com Havana.

ESCRAVIDÃO NECESSÁRIA – Uma síntese talvez impossível para esse homem que nasceu, em 2 de dezembro de 1904, de um pai francês e uma mãe russa emigrados para a Cuba há pouco independente da Espanha. Após a fuga para Paris, onde pretendia passar três anos no máximo, só voltou a Cuba em 1939. Aliado de Fidel, teve a lucidez de escrever uma excepcional proposta de autocrítica revolucionária (“a degeneração dos princípios revolucionários pelos cálculos falsos dos próprios revolucionários”, segundo Otto Maria Carpeaux). Trata-se de seu maior romance, “O Século das Luzes” (1976). Herdeiros cubanos de um milionário enchem sua mansão de livros subversivos e financiam um jacobino francês que traz na bagagem para “civilizar” as Caraíbas uma máquina tipográfica – para alfabetizar e emancipar os escravos – e uma guilhotina – para decapitar os latifundiários .

O fracasso final ocorre no dia 30 Floréal do Ano 10 na Revolução Francesa, quando é restabelecida a escravidão dos negros: “Sinto muito, mas sou político, e se restaurar a escravidão é uma necessidade política, devo-me inclinar ante essa necessidade”, diz um suave personagem do livro, Sofia. Após a vitória de Fidel Castro, Carpentier foi diretor da Imprensa Nacional Cubana (onde não há analfabetos e a tiragem de primeiras edições chega aos 100 000 exemplares), e mais tarde ministro-conselheiro da embaixada cubana em Paris, cargo que ocupava quando morreu, no dia 24 de abril de 1980, aos 75 anos, de câncer de garganta, em Paris.

(Fonte: Veja, 30 de abril de 1980 –- Edição 608 -– Datas -– Pág; 68 -– Livros/ Por Marco Antônio de Menezes – Pág; 67)

(Fonte: Veja, 27 de agosto de 1969 -– Edição 51 -– LITERATURA –- Pág; 56/57)

Powered by Rock Convert
Share.