Albert Camus, foi um dos mais lúcidos e completos intelectuais do século XX

0
Powered by Rock Convert

Albert Camus: contra a revolta que leva ao niilismo

Albert Camus, escritor francês (Foto: Reprodução)

Albert Camus, escritor francês (Foto: Reprodução)

 

Albert Camus (Mondovi, Argélia, 7 de novembro de 1913 – Villeblevin, 4 de janeiro de 1960), escritor, pensador e filósofo franco-argelino, o romancista francês não era exatamente um filósofo, nem mesmo um pensador da estatura de Sartre, mas suas obras de reflexão, eruditas e elegantes, deixaram cicatrizes no mapa das ideias niilistas que o absurdo do mundo moderno ensejou.

Em plena guerra, poe ele definida como “o tempo da negação”, abordou a questão do suicídio, a seu ver o único problema filosófico, O Mito de Sísifo. No “tempo das ideologias” trazido pela Guerra Fria, o problema filosófico mais sério, para Camus, passou a ser outro: o homicídio. Não aquele motivado pelas paixões (amor, ciúme, raiva), mas aquele cometido pela lógica doutrinária, em nome de princípios abstratos.

Para vencer, os revolucionários praticam crimes de paixão; para estabilizar a revolução, praticam crimes de lógica, resumiu o autor, pensando obviamente nas revoluções francesas e soviética. Aqueles que viam Stalin como um baluarte da paz e um contrapeso ao expansionismo americano se sentiram tão pessoalmente insultados como quando leram o alegórico 1984, de George Orwell (1903-1950), e o escandaloso O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler (1905-1983). Sartre, infelizmente, era um deles.

Quando lançado na França, em “O Homem Revoltado” fez tremer a cidade dos existencialistas, irritou os comunistas e as vanguardas literárias, a começar pelos surrealistas, cujo decano, André Breton, por pouco não partiu para a briga num dos cafés onde Albert Camus costumava fazer ponto na Rive Gauche.

Até Jean-Paul Sartre, que todos julgavam o mais fiel amigo de lutas e ideias de Camus, se sentiu ultrajado com o que leu. Sartre, que no fundo poucas coisas tinha em comum com Camus, abominou o livro e tornou pública sua indignação através de uma carta, na qual acusava Camus de “pensar como um liberal no seio de uma burguesia moribunda, aferrada a seus privilégios.”

E nunca mais os dois mais célebres e glamourosos intelectuais da França do pós-guerra (o terceiro era André Malraux) trocaram uma palavra. Desiludido, Camus isolou-se, escreveu mais um romance, “A Queda”, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, e virou mito ao morrer, num desastre de carro em 1960, na flor dos 47 anos.

Atitude derrotista – Revoltado à sua maneira, pois revoltar-se, ele próprio admitia, faz parte da condição humana e nos ajuda a transcender, Camus pôs em circulação um conceito que, representou um avanço sobre a sensação de “náusea”, de Sartre. A náusea sartriana seria uma atitude estática, derrotista, enquanto a revolta camusiana determinaria, dinamicamente, uma atitude geradora de consequências.

Para existir, diz Camus, “o homem deve revoltar-se, mas sua revolta deve respeitar o limite que ela descobre em si própria e no qual os homens, ao se unir, começaram a existir.” Toda revolta que se permite negar ou destruir a solidariedade perde, segundo o escritor, o status de revolta. Descontrolada, prisioneira de “furores adolescentes”, a revolta conduz apenas ao niilismo e à destruição.

Com ênfase nos resultados desastrosos que a revolta arbitrária e desenfreada nos legou a partir de Lúcifer, passando inevitavelmente por Prometeu, Caim e Robespierre, Camus faz um inventário do espírito insurrecional no plano metafísico, histórico e estético.

O Homem Revoltado é ao mesmo tempo uma obra utópica e niilista. Camus não via saída no cristianismo histórico (“adia para além da História a cura do mal e do assassinato, que, no entanto, são sofridos na História”), nem no materialismo dialético, que também exige uma fé inquebrantável no futuro. “Em ambos os casos, é preciso esperar, e, enquanto isso, os inocentes não deixam de morrer”, conclui, lúcida e amargamente.

(Fonte: Veja, 4 de dezembro de 1996 – ANO 29 – N° 49 – Edição 1473 – LIVROS/ Por Sérgio Augusto – Pág; 151)

 

 

 

 

 

 

VOZ MORAL DE SEU TEMPO

O escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus: “Só há uma questão a saber: quanto se vale.” 

A coragem elementar

 

(Fonte: Veja, 7 de maio de 2014 – ANO 47 – Nº 19 – Edição 2 372 – Livros/ Por Eduardo Wolf – Editado por Rinaldo Gama – Pág: 122/123)

 

 

 

 

 

 

ALBERT CAMUS

Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura de 1957. (Foto: Divulgação)

De todos os escritores franceses, Albert Camus é aquele que melhor consegue realizar um prodígio: captar a empatia dos leitores logo nas primeiras linhas. Pode-se pensar que o frescor da inteligência que se respira em sua escrita é um patrimônio da grande literatura francesa, de Montaigne a Proust. Porém, poucos como Camus conseguiram estabelecer esse tipo de intimidade imediata com o leitor. O segredo desse vínculo afetivo se manifesta de maneira privilegiada em uma parte de sua obra ainda inédita no Brasil: seus cadernos de anotações.

 

Em três fases decisivas de sua vida e obra, acompanha-se a gestação da obra do intelectual em três volumes que compreendem os períodos de maio de 1935 a 1937, 1937 a 1939 e 1939 a fevereiro de 1942, às vésperas da publicação de O Estrangeiro sobre a importância dos cadernos na obra do escritor argelino, “Esperança do Mundo” (1935-37), “A Desmedida na Medida” (1937-39) e “A Guerra Começou, Onde Está a Guerra?” (1939-42).

 

Um dos pontos altos dos cadernos é a possibilidade de ver com muita nitidez a gestação das obras. A transformação de metáforas obsessivas em mitologia pessoal, percurso de todos os escritores e artistas. Esse paralelo pode ser estabelecido com as obras publicadas concomitantemente à escrita dos cadernos, tais como O Avesso e o Direito (1937), Núpcias (1939), Calígula (1941), O Estrangeiro (1942) e O Mito de Sísifo (1942). Estas três últimas são descritas por Camus dentro de um projeto intitulado os “três absurdos”, relativo ao primeiro ciclo de sua produção.

 

As imagens recorrentes do árabe, do sol e da morte (março e abril de 1935), por exemplo, articulam-se entre si em um fragmento de agosto de 1937. Segundo este fragmento seria a primeira formulação consciente de O Estrangeiro. Em anotações ulteriores, vemos esboços mais desenvolvidos de cenas com o protagonista Mersault e um fragmento das primeiras linhas do romance surge em agosto de 1938. Uma longa reflexão sobre o estrangeirismo aparece no final de 1940, dois anos antes da publicação de seu romance.

 

O tema central do suicídio se esboça pelas primeiras vezes quando o escritor tem apenas 23 anos (março de 1936). Além disso, delineiam-se imagens e unidades narrativas que atravessarão os romances posteriores à escrita destes cadernos, incluindo obras póstumas. O tema da mãe inaugura o primeiro fragmento do primeiro caderno e vai reverberar em romances e ensaios tardios. Também no primeiro caderno aparece o tema da morte feliz, que virá a ser o título de uma obra publicada postumamente. As linhas gerais de O Verão (1954) surgem nestes cadernos quinze anos antes, no final de 1939. A primeira aparição de Jeanne, esposa de Grand, de A Peste (1972), ocorre em anotações de dezembro de 1938. O tema da peste retorna em abril de 1941.

 

Outros aspectos chamam a atenção: principais núcleos filosóficos que serão organizados nos ensaios; informações autobiográficas; notas sobre política e guerra; impressões de cidades como Orã e Paris; intelectuais e conflitos de consciência; relação entre cristianismo e humanismo. E inclusive menções a temas, obras e autores raramente associados a Camus: Spengler, biologia, meteorologia, arte etrusca, religiões arcaicas, filosofia do mito. Todos esses aspectos se articulam no corpo de sua obra filosófica e ficcional. Mundo, linguagem e pensamento coincidem neste autor que desde muito jovem tomara a decisão existencial de “não se separar do mundo” (maio de 1936).

 

Por isso, o engajamento para Camus é um enraizamento na vida. Assemelha-se àquela “exata proximidade da vida”, de que falava Walter Benjamin. Nesse sentido, a “revolta metafísica”, deflagrada em O Homem Revoltado (1951), também pode ser detectada nestes cadernos (março de 1940). Isso demonstra outro fato importante: a ruptura de Camus com os caminhos adotados pelo socialismo foi gestada ao longo de anos. Desenvolveu-se coerente e embrionariamente desde quando tinha pouco mais de 20 anos de idade. Não foi um gesto intempestivo, como queria a acusação de Sartre.

 

Os cadernos mesclam fragmentos técnicos, anotações de trabalho do escritor e trechos mais finalizados. Por isso, podem interessar tanto a aficionados e especialistas na obra de Camus quanto a apreciadores de literatura em geral. Além disso, esse estilo fragmentário tem uma longa tradição na história do pensamento: dos pré-socráticos a Nietzsche, Cioran, Leopardi, Valéry, Adorno, Benjamin. Nesse sentido, os cadernos não devem ser vistos como meras anotações a serviço de obras acabadas. Pelo contrário, são uma obra viva e movediça, válida por si mesma.

 

O cerne do pensamento de Camus é uma meditação sobre o absurdo. O absurdo não ocorre por causa de uma eventual irracionalidade, pois não é uma condição intelectual, mas existencial. O absurdo é “perfeitamente claro”. Encontra na lucidez o seu repouso e na indiferença, sua perfeição consumada. “Eu perdi o paraíso do sofrimento”, anota Camus em dezembro de 1938. A forma final do absurdo é a destinação das criaturas a um mundo ausente de sofrimento e, por isso, sem redenção.

 

Pensamos o mundo como um dado de sentido, quando na verdade ele é apenas um ato de amor. E o absurdo é a incapacidade dessa vinculação mundana e amorosa. É por isso que mesmo quando nos distanciamos de Camus amamos Camus. Talvez o amemos à medida mesma que nos tornamos estrangeiros à sua indagação radical. Esse é o segredo e o paradoxo vinculante de Camus. Ao espelhar suas misérias e esperanças em uma escrita descontínua, reunificou em um mosaico os fragmentos da face humana. E assim, mais do que em um autor, transformou-se em um espelho de nós mesmos.

 

TRECHOS DOS CADERNOS DE CAMUS:

Maio de 1936

Não se separar do mundo. Não se desperdiça a vida quando ela é conduzida sob a luz. Todo meu esforço, em todas as posições, as desgraças, as desilusões, é encontrar os contatos. E, mesmo em meio a essa tristeza em mim, que desejo de amar e que êxtase ante a simples vista de uma colina no ar da noite.

Mas, para isso, não perder seu tempo. Procurar a experiência extrema na solidão. Purificar o desafio pela conquista de si mesmo – sabendo-o absurdo.

 

Maio de 1937

Psicologia é ação – não reflexão sobre si mesmo. O homem se determina ao longo de sua vida. Conhecer-se perfeitamente é morrer.

 

Setembro de 1937

O mundo é belo e está aí. A grande verdade que ele pacientemente ensina é que a mente não é nada, nem mesmo o coração. E a pedra que o sol esquenta ou o cipreste que o céu engrandece e limita são o único mundo no qual “ter razão” ganha um sentido: a natureza sem homens.

 

Lamber a vida como um torrão doce, moldá-la, afiá-la, amá-la enfim, como se busca a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquilo ou aquela que conclui, que detém, como o que se partirá e que fará dali em diante todo o colorido de nosso olhar.

 

Dezembro de 1937 

 

Diante da noite cada vez mais carregada de estrelas, e a cidade, como um céu invertido, repleta de luzes humanas, sob o sopro quente e profundo que subia do porto até seu rosto, vinha a sede daquela fonte tépida, a vontade sem freios de apreender naqueles lábios vivos todo o sentido desse mundo desumano e adormecido, como um silêncio encerrado em sua boca.

 

Junho de 1938

 

Miséria e grandeza desse mundo: ele não oferece nenhuma verdade, mas amores.

 

Essa singular vaidade do homem que se deixa e quer crer que aspira a uma verdade quando o que ele pede a esse mundo é um amor.

 

Setembro de 1939

 

Morre-se só. Todos vão morrer sozinhos. Que ao menos o homem sozinho mantenha aqui o poder de seu desprezo e de escolher na atroz provação o que serve para a sua própria grandeza.

 

Uma noite em que nos aproximamos do espelho, um vinco mais profundo cava os lábios. Mas o que é isso? Isso é aquilo com que dominei minha felicidade.

 

Se for verdade que o absurdo está consumado (ou melhor, revelado), então é verdade que nenhuma experiência tem valor em si, e que todos os gestos são no mesmo nível instrutivos.

(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura – NOTÍCIAS – LITERATURA – CULTURA / Por Rodrigo Petronio, Especial para O Estado de S. Paulo – 04 Julho 2014)

Rodrigo Petronio é escritor e filósofo. Professor da pós-graduação da Faap e do Museu da Imagem e do Som (MIS)

 

 

 

 

 

 

 

O último rascunho

Em “O Primeiro Homem”, uma obra inacabada, Albert Camus resolve sua infância pobre em Argel num romance emocionante

Eram 13h55 do dia 4 de janeiro de 1960, uma segunda-feira, quando um automóvel que seguia pela estrada que liga a cidade de Sens a Paris se chocou violentamente contra uma árvore. Entre os destroços do carro, dirigido por Michel Gallimard, encontrou-se já sem vida, os olhos abertos, aquele que foi um dos mais lúcidos e completos intelectuais do século XX: o escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus. Prêmio Nobel de Literatura de 1957.

Camus, ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1957 (o mais jovem da História, aos 44 anos), era um escritor comprometido, que criticou ferozmente a repressão sangrenta às revoltas em Berlim Oriental, em junho de 1953, e a expansão do comunismo em Budapeste, em setembro de 1956.

Camus morreu prematuramente aos 46 anos de idade.

(Fonte: Veja, 25 de janeiro de 1995 – ANO 28 – Nº 4 – Edição 1376 – LIVROS/ Por Rinaldo Gama – Pág: 113)

(Fonte: http://veja.abril.com.br/entretenimento – ENTRETENIMENTO / Por Da Redação – 8 ago 2011)

Powered by Rock Convert
Share.