A primeira Constituição do mundo formulada com sugestões populares de redes sociais na internet

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Constituinte da Islândia testa limites da política pela internet

O Parlamento da Islândia recebeu no dia 29 de julho de 2011 o projeto da primeira Constituição do mundo formulada com sugestões populares enviadas por meio de redes sociais na internet
A experiência islandesa com a criação de leis por meio de crowdsourcing (uso de habilidades individuais para gerar uma produção coletiva pela internet) levanta o debate sobre as possibilidades e os limites do uso da rede na formulação de políticas públicas.

A nova Constituição islandesa, que ainda deverá ser discutida no Parlamento e aprovada em um possível referendo, foi formulada por um conselho formado por 25 membros eleitos, mas contou com cerca de 3.500 sugestões enviadas por meio do Facebook, do Twitter ou diretamente na página do conselho constitucional na internet.

“Sem a participação popular, o projeto final da Constituição seria certamente diferente”, afirmou a presidente do conselho constitucional, Salvör Nordal, em entrevista à BBC Brasil.

“Tivemos sugestões populares muito boas, que foram incorporadas à proposta final, principalmente nas áreas de transparência, direitos humanos e uso dos recursos naturais”, observa Nordal.

Crise global

A proposta da constituinte islandesa, discutida há tempos nos meios políticos do país, ganhou força em 2008, quando o país foi um dos mais atingidos pela crise financeira global e assistiu ao colapso de seu sistema bancário.

No final do ano passado, um fórum nacional com 950 membros, escolhidos por sorteio entre o eleitorado total do país, discutiu os princípios básicos para a formulação da nova Carta do país em um documento de 700 páginas.

Entre esses princípios, estavam os da transparência e abertura. Para garanti-los, os membros do conselho constitucional estabelecido em abril deste ano recorreram à internet.

Os trabalhos do conselho foram divulgados amplamente pela rede, por meio de uma página própria, pelo Facebook e pelo Twitter. Uma conta no Flickr (rede social para divulgação de fotos) conta com centenas de fotos dos membros do conselho trabalhando. Sessões do conselho e entrevistas com seus membros foram postadas no YouTube.

Pelos mesmos canais, os eleitores eram convidados a enviar sugestões ao conselho e comentar cada rascunho de artigo, que poderia então ser reescrito para incorporar as demandas populares.
As 3.500 sugestões e comentários recebidos podem parecer um número baixo, mas para um país de 400 mil habitantes é uma participação considerável. A página do conselho constitucional no Facebook conseguiu 4.300 “amigos”.

Participação facilitada

“O povo da Islândia é bastante ativo politicamente, com um alto índice de filiação aos partidos políticos, mas ainda assim a resposta do público aos nossos trabalhos foi maior do que esperávamos”, comenta a presidente do conselho.
A participação popular dos islandeses na formulação da nova Constituição é facilitada pelo fato de quase 100% da população do país ter acesso à internet. Mais de 80% dos adultos islandeses têm perfis no Facebook.

Para Nordal, o exemplo islandês poderia ser aproveitado por outros países, mas ela reconhece que as particularidades de seu país favoreceram o sucesso da experiência da constituinte. “As coisas são mais simples aqui”, reconhece.

Para o especialista Charlie Beckett, professor do departamento de mídia e comunicação da LSE (London School of Economics), a questão chave para o sucesso da experiência islandesa é o fato de ser um país com uma população pequena, socialmente coesa, com alto nível de educação e amplamente conectada à internet, numa situação que é difícil de se encontrar em outros lugares.
Para Beckett, a internet pode ser útil para envolver o público em debates políticos, mas não é uma boa ferramenta para a tomada de decisões. “A proporção de gente que participa é sempre pequena, e os mais articulados ou com maior capacidade de mobilização acabam dominando as decisões”, osberva.

Ele cita como exemplo o Citizen”s Briefing Book, compilação de sugestões populares coletadas na internet pelo presidente americano, Barack Obama, no início de sua gestão, em 2009, para orientar as prioridades de seu governo.

Mais de 500 mil pessoas participaram da consulta, mas a iniciativa acabou sendo deixada de lado após a legalização da maconha ser escolhida como a prioridade número um do público, à frente de questões como o fim da guerra no Afeganistão ou o controle das contas públicas.

Representantes

“Há uma boa razão para que a maioria das democracias se apoiem em representantes do povo em vez de votações diretas”, observa Colin Delany, editor do site americano Epolitics.com.
“A maioria das leis são altamente detalhadas, então a habilidade de um cidadão comum interpretar, digamos, uma mudança no parágrafo terceiro da subseção 8 de uma lei particular é limitada”, afirma.

Para Delany, nos poucos casos em que há participação popular direta, como no caso dos Estados americanos que permitem projetos de lei sugeridos pelos eleitores, os resultados são desanimadores.

“As pessoas podem votar em qualquer coisa que querem sem levar em consideração as consequências, por um lado, e por outro as empresas e outros interesses particulares frequentemente controlam o processo por meio de propagandas na TV ou outros meios”, diz.
“No mundo legislativo, o processo de crowdsourcing é comumente usado como artifício de propaganda”, conclui Delany.

Na Islândia, a contribuição popular para a formulação da Constituição ainda deverá passar pela prova do Parlamento do país, que ainda poderá alterar o texto recebido nesta sexta-feira.
O projeto final poderá ainda passar depois por um referendo popular, cuja realização ainda é discutida.

Pela atual Constituição do país, adotada após a independência da Dinamarca, em 1944, a única provisão para a realização de um referendo é a eventualidade de uma mudança na relação entre a Igreja e o Estado, mas o governo do país estuda a possibilidade de submeter o texto final do projeto à consulta popular para manter o princípio de abertura e transparência.

(Fonte: www.tecnologia.ig.com.br – BBC Brasil – 29/07/11)

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