O primeiro impeachment de um governador da história do Brasil

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Primeiro impeachment estadual

 

Um ambiente-clichê de filme de faroeste marcou o primeiro impeachment de um governador da história do Brasil. Na sexta-feira 13 de setembro de 1957, o comércio do centro de Maceió (AL) fechou, as ruas se esvaziaram, os bondes não circularam, a energia foi cortada – desconhecidos tinham alvejado os equipamentos nos postes. Tudo isso era por causa da votação de um projeto de afastamento do governador Muniz Falcão (PSP). A proposta da UDN era relatada pelo deputado Teotônio Villela – que, 20 anos depois, sob o regime militar, viraria símbolo da luta pela anistia. Com 13 votos, o governo estava em minoria. A oposição tinha 22. A tensão era visível, e o conflito armado, iminente.

 

Sebastião Marinho Muniz Falcão tinha surpreendido os udenistas com sua eleição. Iniciara a carreira política no PST; tornara-se popular como delegado regional do Trabalho. Também fora ligado ao ex-governador Silvestre Péricles Góis Monteiro, do qual se afastara, e se aproximara do nacional-populismo. No governo, entrou em confronto com a oligarquia a UDN – seu antecessor, Arnon de Mello, era udenista. Por meses, as duas legendas trocaram ameaças, inclusive da tribuna. Pelo menos um deputado oposicionista foi morto. Mas o ambiente piorou com uma proposta do governo: criar uma taxa de 2% sobre a cana, para investimentos sociais.

 

O impeachment foi proposto. Acusava Muniz Falcão de: atentado contra o livre funcionamento da Assembleia; emprego de ameaças para constranger juiz de Direito a deixar de exercer seu ofício; emprego de ameaças e violências contra deputados estaduais, para afastá-los da Assembleia e coagi-los no exercício de seus mandatos; infração de lei de ordem pública; realização de despesas não autorizadas por lei.

 

Foi nesse clima que cinco homens atravessaram a Praça Dom Pedro II e se dirigiram ao Palácio Tavares Bastos, por volta de 14h30. A sede do Legislativo estava cercada pela Polícia Militar, naquela sexta-feira. Lá dentro, só havia parlamentares, jornalistas, poucos funcionários. O presidente da Casa, Lamenha Filho, dispensou o serviço de taquigrafia. Substituiu-o por gravadores. Também protegeu com sacos de areia a Mesa, de onde dirigiria os trabalhos. A oposição estava no fundo do plenário, em uma sala atrás de Lamenha. Os repórteres também ficaram por ali. O principal acesso ao plenário era do lado oposto. Todos olhavam para lá, esperando. Até que alguém, que olhava por uma janela, gritou: “Estão chegando!”

 

Os cinco homens passaram pelo cordão da PM. Eram os deputados Humberto Mendes – sogro do governador e que teria, segundo se dizia, encomendado 22 caixões, um para cada parlamentar oposicionista –, Claudenor LimaLuiz Gaia e Aderval Tenorio. Filho de Humberto, Walter Mendes, sem mandato, integrava a comitiva. Apesar do calor, vestiam capas de chuva. Não foram revistados e entraram.

 

Segundo o enviado especial do Correio da Manhã, Márcio Moreira Alves (1936-2009), então com 21 anos, os cinco recém-chegados entraram por três portas diferentes. Tiraram metralhadoras dos sobretudos e varreram o plenário com rajadas. A UDN – todos os parlamentares estavam armados – reagiu, também à bala. A troca de tiros durou pelo menos dez minutos. Os dois lados tinham muita munição.

 

Repórteres rastejavam para documentar o conflito. Um dos jornalistas, José Medeiros, do também extinto O Cruzeiro, encontrou o dirigente nacional da UDN Juracy Magalhães deitado, de revólver na mão. Walter Mendes tentou dar a volta por um corredor lateral para surpreender os udenistas deitados perto da mesa. Foi rendido por um PM da segurança.

 

Depois que o tiroteio acabou, e a Polícia Militar entrou, encontrou um morto (Humberto Mendes) e oito feridos. Entre estes, o jovem repórter do Correio da Manhã, baleado na perna. Com um curto relato que ditou a um médico e foi enviado à redação, Alves ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 1957. Onze anos depois, como deputado do MDB, o jornalista seria o pivô da decretação do Ato Institucional Número 5. Como pretexto, o regime militar usou a negativa da Câmara dos Deputados a autorizar processo contra o deputado, por supostamente ofender as Forças Armadas.

 

O presidente Juscelino Kubitschek decretou intervenção no Estado, que foi ocupado pelo Exército. Sem os deputados governistas, a oposição se reuniu sozinha e aprovou o impeachment de Muniz. O governador se afastou, mas recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte considerou a decisão ilegal, por não ter tido a participação dos governistas, e a anulou. Houve nova sessão, com os dois lados. Mais uma vez, o governador foi afastado. Foi julgado por um tribunal misto de parlamentares e desembargadores, que não aprovou a acusação de crime de responsabilidade. Voltou ao cargo em 1958 e concluiu o mandato em 1961. Morreu em 1966 – aos 51 anos, de causa natural.

(Fonte: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil – NOTÍCIAS / BRASIL / por Wilson Tosta – Estadão Conteúdo/fornecido por Microsoft News – 30/04/2021)

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