Jean-Yves Calvez, era um dos maiores especialistas em marxismo, sendo padre

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O jesuíta que elogiava Marx na crítica ao capitalismo

 

 

 

Jean-Yves Calvez (Saint Brieuc (Bretanha francesa), 3 de fevereiro de 1927 – Paris, 11 de janeiro de 2010), filósofo, teólogo, especialista em marxismo, poliglota, o jesuíta era um dos maiores especialistas em marxismo, sendo padre. Foi redator de importantes documentos sociais católicos, mesmo criticando as falhas da Igreja nesta área.

 

 

 

Um dos livros deste padre, sobre o marxismo, era recomendado pelo antigo Partido Comunista da União Soviética. Por causa do seu conhecimento sobre o tema, era considerado de esquerda por muitos católicos – mas foi ele um dos principais redatores de importantes documentos de doutrina social católica.

 

 

 

Com menos de 30 anos, em 1956, um dos seus primeiros livros – “O Pensamento de Karl Marx”, que continua a ser reeditado e é já um clássico – revelou-se um sucesso. Nessa altura, Calvez já era jesuíta (entrara aos 16 anos), mas ainda não era padre – seria ordenado a 31 de julho de 1957.

 

 

De tal modo o livro foi bem acolhido que, conta Claire Lesegretain no La Croix, era recomendado nas células do Partido Comunista Francês. Também o PC da União Soviética sugeria a sua leitura. O que lhe trouxe desconfianças, mesmo no interior da Igreja Católica: “O padre Calvez era um homem de consensos, acima de tudo”, diz dele o colega jesuíta Georges de Charrin, citado pelo mesmo jornal.

Os seus interesses e saberes eram múltiplos: além do marxismo e do socialismo, estudava a economia e o capitalismo, o pensamento social católico, o conflito do Médio Oriente, a cooperação Norte-Sul, a laicidade e as relações Igreja-Estado.

 

 

 

Nascido a 3 de fevereiro de 1927, em Saint Brieuc (Bretanha francesa), Jean-Yves entrou no noviciado dos jesuítas em 1943. Como ele próprio escreveu no livro “Travessias Jesuítas”, publicado em 2009, atravessou várias etapas da história da Igreja e do mundo: a II Guerra Mundial, os padres-operários do pós-guerra, o personalismo cristão e os filósofos existencialistas, o Concílio Vaticano II a pretender renovar a Igreja, os vertiginosos anos 60 e o Maio de 68, o longo pontificado de João Paulo II que mudaria o rosto católico, a queda do Muro de Berlim e o final dos regimes comunistas de Leste.

 

 

 

 

Tudo isso Jean-Yves Calvez viveu, sobre tudo isso ele refletiu e deu chaves de leitura. Em 2007, dois anos antes de rebentar a crise em que o mundo está mergulhado, dizia em entrevista ao P2: “O capital financeiro, divorciado da economia real, é muito perigoso.” O capital financeiro não é o verdadeiro poder do mundo, “mas joga um papel, por vezes, muito prejudicial”, acrescentava.

 

 

 

Acreditava no pleno emprego e na partilha do tempo de trabalho, através da redução do tempo laboral, tendência que se vem acentuando desde há um século, dizia.

 

 

 

As pessoas no centro

 

 

 

Em 2005, também em declarações durante uma outra vinda a Lisboa, confessara-se “tocado” pelo entusiasmo da passagem de milênio e com as mudanças provocadas pelo 11 de setembro no mundo. “Talvez não por razões reais, mas pela interpretação dada por George W. Bush, criou-se uma atmosfera de receio, de inquietude.” A “guerra ao terrorismo” é uma guerra a fantasmas, um pouco assustadora”, acrescentava.

 

 

 

 

Na Companhia de Jesus desempenhou vários cargos de responsabilidade, incluindo o de provincial de França e de assistente do superior geral, o padre Pedro Arrupe, que revolucionou a intervenção social dos jesuítas. Na Igreja Católica, deu aulas em faculdades de teologia e filosofia, criou e dirigiu vários institutos de investigação teológica e política.

 

 

Viajante incansável, esteve no Leste europeu convidado por universidades e governos comunistas, nas Américas a dirigir cursos e a coordenar experiências de renovação da Igreja, em países da Europa a fazer conferências. Além do francês, falava russo, espanhol, inglês, alemão, italiano, português (graças às temporadas passadas no Brasil).

 

 

 

 

Um dos textos fundamentais do pensamento social católico das últimas décadas – a encíclica “Populorum Progressio” (1967), do Papa Paulo VI, sobre o desenvolvimento – teve Calvez como o principal redator. Mesmo assim, o teólogo e filósofo dizia, ainda há três anos, que a doutrina social católica deveria falar mais de alguns temas – e citava a necessária crítica ao capitalismo como “carácter desigual da gestão do capital”. E alertava para a necessidade de políticos e empresários católicos serem formados na doutrina social, para aumentar a consciência do bem comum. “Demasiado poucos homens intervêm para determinar o destino dos outros, por exemplo nas empresas. A maior parte das pessoas – mesmo quem tem responsabilidades – depende do capital financeiro exterior, que age sobre elas”, afirmava.

 

 

 

 

Era esta realidade que o levava a dizer que as críticas de Karl Marx ao capitalismo permaneciam “válidas”. Em “Mudar o Capitalismo”, de 2001, defendia que “é possível encontrar meios de tornar o capitalismo mais igual, menos divisor da sociedade”. E explicava: “O capitalismo atual tem como grande defeito matar a iniciativa, a criatividade, engendrar a passividade, porque tudo está determinado a partir do capital, da finança. E as pessoas – incluindo os chefes das empresas – são esmagadas por este poder demasiado anônimo. Esse é o grande defeito.” Jean-Yves Calvez queria as pessoas no centro.

Jean-Yves Calvez morreu dia 11 de janeiro de 2010, em Paris, na sequência de um edema pulmonar, agravado por complicações cardíacas. Tinha quase 83 anos.

(Fonte: https://www.publico.pt/2010/01/19/jornal – 19 de Janeiro de 2010)

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