Georges Bataille, escritor francês, que refletiu com ímpeto transgressor sobre arte, religião, erotismo e economia

0
Powered by Rock Convert

 

 

 

 

Georges Bataille: filosofia do excesso

Georges Bataille (Billom, França, 10 de setembro de 1897 – Paris, 9 de julho de 1962), escritor francês, que refletiu com ímpeto transgressor sobre arte, religião, erotismo e economia

Georges Bataille fundou a revista “Acéphale”, em 1936 com artistas e intelectuais de seu círculo, como Pierre Klossowski, Georges Ambrosino e André Masson. “Acéphale” era ainda o nome de uma sociedade secreta criada pelo filósofo na época.

A revista também teve vida curta: apenas cinco números, entre 1936 e 39. Mas registra uma fase crucial do pensamento de Bataille, em meio a seu rompimento com o grupo surrealista de André Breton e a escalada nazifascista que levou à Segunda Guerra.

Um dos aspectos notáveis de “Acéphale” é ressaltar a importância de Nietzsche para Bataille, que teve papel fundamental para a revisão do legado do pensador alemão no século XX. No momento em que o autor de “Assim falou Zaratustra” era objeto de leituras fascistas, o francês desafiava o senso comum ao citá-lo já no texto de abertura do número de estreia, que afirmava: “O que empreendemos é uma guerra”.

“Eu tinha um ponto de vista a partir do qual o sacrifício humano, a construção de uma igreja ou a dádiva de uma joia não tinham menos interesse do que a venda de trigo.” As palavras do ensaio “A Noção de Dispêndio”, de Georges Bataille, foram escritas em tom de militância, quando o escritor francês ainda não havia alcançado os 30 anos. Evidenciam a tentativa precoce de abarcar num mesmo gesto reflexivo domínios do conhecimento tão diferentes quanto antropologia, religião, arquitetura, arte, filosofia e economia.

 

Por trás da aparência pacata escondia-se uma personalidade perturbada pelo apetite voraz de conhecimento, um ímpeto revolucionário e transgressor, sem esquecer sua atividade secreta de pornógrafo, que gerou clássicos da ficção erótica como “História do Olho” (1928), publicado sob o pseudônimo Lord Auch. Dez volumes e mais de sete mil páginas foram necessários para compilar as obras completas de Bataille, organizadas pela Editora Gallimard com prefácio de Michel Foucault, que o aponta como um dos escritores mais importantes do século 20.

 

Com uma escrita que se desenvolve ambiguamente entre a filosofia e a literatura, Bataille é um dos poucos pensadores inclassificáveis do século XX e continua a causar um significativo e paradoxal impacto, num misto de lucidez e estranhamento que desestabiliza o leitor. Nascido em 1897, era arquivista e trabalhou a maior parte da vida no departamento de heráldica e numismática da Biblioteca Nacional francesa. Nos anos 1920, participou dos movimentos da vanguarda dadaísta e surrealista, sempre em diálogo com a esquerda revolucionária de Paris. Rapidamente se afastou do que considerava o idealismo autoritário e hierárquico de André Breton e do comunismo de vocação stalinista. Propôs em seu lugar um baixo materialismo, elaborado em textos como “O dedão do pé” (1929), que colocava em foco o excluído, o rejeitado e censurado ou, simplesmente, o sujo e o abjeto.

 

Ênfase no que é visto como ‘improdutivo’

 

Na década de 1930, o contato com as releituras de Hegel proferidas pelo filósofo Alexandre Kojève intensificou ainda mais suas divergências com o materialismo marxista. Apesar do pensamento político pouco ortodoxo, colaborava com a revista trotskista “La critique sociale”, onde “A noção de dispêndio” foi publicado pela primeira vez, em 1933, acompanhado de ressalvas editoriais dos companheiros que discordavam de sua tendência principal. Nesse texto, a perspectiva econômica é deslocada da produção ao consumo e, em particular, ao consumo inútil, assim como a vivência, e não o reconhecimento teórico, é considerada a experiência predominante. A desigualdade da sociedade se reflete nas diferenças vividas no consumo entre a sujeira moral da miséria e a pureza pedante da riqueza. A revolução, por sua vez, só é possível subjetivamente quando a classe dos reprimidos se reconhece, numa espécie de desespero religioso, privada de humanidade na sujeição mental e material.

Os companheiros comunistas não podiam concordar com Bataille. Quando o escritor, preocupado com o crescimento galopante do fascismo, tentou reunir os intelectuais de esquerda na Frente Popular de Léon Blum, fracassou pateticamente. Como alternativa, organizou um fórum sociológico, o Collège de Sociologie, dedicado à análise e crítica do fascismo e de sua força de fascinação, numa perspectiva que unia a sociologia e o sagrado no conceito de “heterologia”, inspirado nas obras de Émile Durkheim e Marcel Mauss (1872-1950).

Com a irrupção da Segunda Guerra, Bataille se isolou academicamente e, em diálogo privilegiado com o novo amigo Maurice Blanchot, adentrou numa segunda fase de sua obra. Nela, articulou questões de teor existencial, religioso e místico no projeto da “Suma ateológica”, que deixou os títulos “O culpado”, “A experiência interior” e “Sobre Nietzsche” (os dois últimos saem pela Autêntica em 2014).

Os dois livros que saem agora pela Autêntica foram escritos depois da Segunda Guerra e se conectam profundamente, sendo ambos parte do que pode ser considerada a terceira fase da obra do escritor. “A parte maldita” é a reedição da tradução elegante de Júlio Castañon Guimarães de 1975, e “O erotismo” ganha nova tradução por Fernando Scheibe, numa edição ricamente ilustrada e acompanhada de textos dos principais especialistas brasileiros no assunto, Raúl Antelo e Eliane Robert de Moraes.

Dois textos compõem o primeiro volume: os ensaios “A noção de dispêndio” e “A parte maldita”. Este último seria o primeiro tomo, intitulado “La consommation”, do projeto original de Bataille. A palavra traduzida como “consumação” marca diferença com a noção de “consumo” e pode ser entendida como sinônimo de “dispêndio”. Os dois textos foram originalmente publicados juntos em 1949, com prefácio de Jean Piel, e foi esse livro que serviu de base para a tradução atual.

O texto, na sua versão atual, é apenas a primeira parte do livro idealizado como “A parte maldita — ensaio de economia geral”. A segunda parte do projeto original, no qual Bataille trabalhou longamente, chamava-se “A história do erotismo” e foi abandonada em 1951. Em 1957, ele editou esta parte com o título “O erotismo”, que corresponde ao outro livro lançado agora. A esse dois ensaios viria somar-se um terceiro, o fragmento “A soberania”, escrito na mesma época e abandonado em 1954 para só aparecer postumamente, nas “Obras completas” (1976).

Em sua projeção original, Bataille propunha algo mais ambicioso: uma teoria geral da “parte maldita” que abarcasse a economia e a ecologia simbólica (“A consumação”), a metafísica e o erotismo (“A história do erotismo”) e, finalmente, a subjetividade para além do sujeito (“A soberania”). Ou como ele mesmo caracteriza: “Um livro que ninguém espera, que não responde a nenhuma pergunta formulada, que o autor não teria escrito se tivesse seguido sua lição ao pé da letra, eis a excentricidade que hoje proponho ao leitor. Isso incita de imediato a desconfiança.”

 

O projeto de Bataille se sustentava na premissa de uma distinção fundamental entre a economia política restrita e uma “economia geral”, cujo escopo abarca a totalidade da vida e, até mesmo, da energia do universo. Se a economia política de Adam Smith e Karl Marx se fundamenta na acumulação de riqueza; na perspectiva de uma “economia geral” o fundamento é a necessidade do dispêndio, uma ideia extravagante inspirada no “Ensaio sobre a dádiva” (1924), do antropólogo Marcel Mauss. Segundo Mauss, que estudava narrativas antropológicas e descrições das trocas em sociedades primitivas, os sacrifícios de riqueza eram desafios simbólicos, sempre ligados ao necessário dispêndio e à destruição de riqueza em lugar de sua preservação.

Em 1931, Bataille conheceu essa teoria do potlatch, que repercutiu na sua compreensão do dispêndio improdutivo: “o luxo, os enterros, as guerras, os cultos, as construções de monumentos suntuários, os jogos, os espetáculos, as artes, a atividade sexual perversa”, em suma, atividades que “pelo menos nas condições primitivas têm em si mesmas seu fim”. Esboça-se na troca de dádivas um sistema de performance social que extrapola a importância econômica na dimensão social, moral e religiosa. Em “A parte maldita”, a interação entre produção e dispêndio descreve o fundamento natural em diferentes formações sociais, por exemplo o Tibete tradicional, a União Soviética stalinista e, principalmente, como chave para entender a economia da guerra e a política de apoio econômico do plano Marshall dos Estados Unidos.

Já em “O Erotismo”, o fundamento civilizatório é analisado na experiência interior da proibição diante da violência que suspende a natureza do homem. Entretanto, trata-se de uma suspensão dialética, pois preserva a natureza no homem e, condicionada pela sociedade, se expressa subjetivamente em angústia e êxtase. Bataille interpreta a angústia existencial como a experiência interior da ameaça de se perder na continuidade da natureza. O êxtase, por sua vez, vem com a transgressão da fronteira e na experiência momentânea da união impossível com a continuidade na “pequena morte” do sujeito.

Com esses conceitos, Bataille analisa a religião, a poesia, o amor e o erotismo em todas suas articulações. De acordo com esse pensamento, a subjetividade soberana é aquela que se afasta do humano, por via do crime e da criação artística e na execução da autoridade. A soberania é a negação da negação, disse Bataille, a suspensão da dialética e da civilização constituída sobre a proibição. Esta soberania é necessária e impossível: todos os homens são de alguma maneira soberanos, mas ninguém consegue viver só. Em “A Experiência Interior”, de 1943, Bataille analisa a partir de vivências pessoais e íntimas os limites do sujeito na poesia, na meditação, na experiência mística e na angústia. Entre elas, a rebelião das massas é a única que possibilita a experiência interior da união entre o subjetivo (a soberania) e o coletivo (a solidariedade).

 

(Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/08/10/georges-bataille-filosofia-do-excesso-506391 – CULTURA/ Por Karl Erik Schøllhammer10/08/2013)

(Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/08/10 -506392 – CULTURA/ Por Guilherme Freitas – 10/08/2013)

 

 

 

 

 

 

 

 

Powered by Rock Convert
Share.