Zulfikar Ali Bhutto, ex-primeiro-ministro paquistanês, líder do Partido do Povo Paquistanês.

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Morte no cadafalso

Condenado pelo governo militar do Paquistão, o ex-primeiro-ministro Zulfikar Ali Bhutto é executado na prisão, durante a noite

Governou o Paquistão entre 1971 e 1977, ainda era um homem extremamente popular, um homem que dominou a política paquistanesa nos últimos vinte anos, até sua deposição por um golpe militar em julho de 1977.

Zulfikar Ali Bhutto (Chari Buksi, Larkana, Sind, 5 de janeiro de 1928 – Rawalpindi, 4 de abril de 1979), ex-primeiro-ministro paquistanês entre 1973 e 1977, líder do Partido do Povo Paquistanês, foi presidente do Paquistão entre 1971 e 1973, foi deposto pelo general e presidente do Paquistão Zia Ul-Haq (1924-1988) em 1977, e enforcado dois anos depois.

Zulfikar Ali Bhutto, foi um dos políticos mais populares de sua geração. Na década de 70, chegou a ser presidente e primeiro-ministro. Muito ligado ao Ocidente, representou o Paquistão nas Nações Unidas e também ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores. Educado e entusiasta da democracia, fundou o Partido Popular do Paquistão, o PPP. Organizou um governo nacionalista, em que os militares não exerciam influência. Em 1977 o Exército rebelou-se e o depôs. Zulfikar foi preso, acusado de encomendar o assassinato de um adversário político. Acabou condenado à morte.

Desde que se iniciou na política em 1957, como representante de seu país na Organização das Nações Unidas, Bhutto soube construir uma reputação internacional. Diplomata astuto e dono de razoável bagagem intelectual, houve períodos em que ele personificou a própria existência do Paquistão – um alinhado de etnias inconciliáveis cuja viabilidade foi duramente golpeada pela secessão de sua província bengali, atual Bangladesh, depois da guerra paquistanesa-indiana de 1971. E, nesse mesmo ano, quando assumiu a chefia do governo, ele já era uma personalidade amplamente conhecida no mundo. Por esse motivo, quando sua sentença de morte foi anunciada, em março de 1978, e depois confirmada pela Suprema Corte do Paquistão, em fevereiro de 1979, uma torrente de pedidos de clemência desabou sobre a mesa do general Zia Ul Haq.

CASUÍSMOS – Os apelos vieram de todos os lados, assinados por governantes de tendências tão distintas quanto os presidentes Jimmy Carter, dos Estados Unidos, Leonid Brejnev, da União Soviética, e Hua Kuo-feng, da China. Zia Ul Haq, entretanto, permaneceu impassível. E o condenado, por sua vez, recusou-se a pedir clemência – único recurso que poderia, quem sabe, tê-lo salvo da morte.

Sua execução era uma espécie de questão pessoal para Zia Ul Haq. Em primeiro lugar, ele desarquivou o atentado contra um inimigo do ex-primeiro-ministro, Ahmed Reza Kasuri, ocorrido em novembro de 1974 – e no qual morreu o pai de Kasuri. Apesar da falta de provas conclusivas, a autoria do crime foi atribuída a Bhutto e uma série de casuísmos jurídicos foi providenciada para garantir sua condenação. Em seguida, Bhutto foi submetido a humilhações e crueldades várias durante todo o tempo que esteve preso. A violência de Zia Ul Haq também se estendeu à família de Bhutto. Além da prisão de sua mulher e filha, outros parentes foram perseguidos e as propriedades do ex-primeiro-ministro foram saqueadas.

Benazir Bhutto tem, sem dúvida, raízes políticas. Depois de derrubar Bhutto, o general não admitia à perspectiva de ver seu inimigo novamente no governo – um desfecho inescapável, no caso da devolução do poder aos civis. Mas o fato é que a eliminação de Bhutto acabou se tornando uma obstinação para Zia Ul Haq.

Passavam poucos minutos da meia-noite de 4 de abril e o ex-primeiro-ministro do Paquistão, Zulfikar Ali Bhutto, terminava a redação de seu testamento em uma estreita, infecta cela na prisão central de Rawalpindi, uma das principais cidades do país. Preso há dezoito meses e condenado à forca sob acusação de tentativa de morte de um adversário político em 1974, quando ainda era o homem forte do país, Bhutto sabia que a sentença estava para ser executada. Depois de onze dias de privação, ele tivera permissão para tomar banho e fazer a barba. Também pudera trocar o uniforme negro de condenado por seu próprio shalwar, a tradicional túnica paquistanesa. E, naquela mesma tarde, recebera a última visita da mulher, Nusrat Ispahani, e da filha Benazir – ambas mantidas sob prisão domiciliar pelo governo militar do general Mohammed Zia Ul Haq.

Fora um pequeno círculo do governo e de autoridades carcerárias, Bhutto, sua mulher e a filha foram as únicas pessoas informadas com antecedência da hora da execução. Aos 51 anos, o ex-primeiro-ministro ainda era um homem popular, daí os cuidados do governo para diminuir o impacto de seu enforcamento. Tarah Masih, veterano carrasco da prisão de Rawalpindi, foi avisado de que deveria chegar para o trabalho bem antes do alvorecer, hora habitual das execuções nos países islâmicos. Tropas cercaram a penitenciária para impedir a aproximação de jornalistas. E por volta da 1 hora da manhã de 4 de abril as portas da cela de Bhutto se abriram para dar início ao ritual do suplício. Ele morreria pouco minutos depois.

“DEUS ME AJUDE” – Envelhecido pela longa detenção, o outrora refinado, cosmopolita Bhutto, caminhou até o cadafalso seguido por uma escolta de seis policiais. Tinha os olhos baixos e as mãos amarradas às costas. No patíbulo, suas pernas foram presas uma à outra e a cabeça envolta em um capuz, enquanto um oficial de justiça lia a sentença de morte. “Deus me ajude, sou inocente”, teria então suplicado o ex-primeiro-ministro, já com a corda no pescoço. Neste comento a plataforma cedeu sob os pés do condenado e seu corpo despencou no vazio. Em seguida, os restos do homem que dominou a política paquistanesa nos últimos vinte anos, até sua deposição por um golpe militar em julho de 1977, foram encerrados e despachados para a base aérea de Chaklala, perto da cidade.

De lá, o corpo de Bhutto foi enviado em avião militar para a aldeia de Chari Buksi, na província de Sind, terra natal do ex-primeiro-ministro. Fora enterrado, na presença apenas de uns poucos parentes. Toda essa discrição, contudo, não impediu que a notícia logo se alastrasse pelas principais cidades do país, como Karachi, Lahore e Lyallpur. Milhares de pessoas passaram a manifestar-se nas ruas desafiando a proibição policial e pedindo vingança. Ao mesmo tempo, a morte de Bhutto provocava consternação também em outras partes do mundo – talvez nem tanto pelo que representasse como fato político, mas mais pelo impacto que sempre acaba causando uma pena de morte, ainda mais de uma pessoa internacionalmente conhecida. Chefes de Estado e de governo ao redor do mundo manifestaram seu pesar.

PRISÕES E MORTES – A reação popular, no Paquistão, pode não ter sido tão intensa quanto seria previsível, dado o prestígio de Bhutto. O Exército ocupara as ruas como medida de intimidação. E, algumas semanas antes, cerca de 2 000 líderes políticos ligados ao ex-primeiro-ministro haviam sido detidos. Mas o vigor das manifestações – que se estendiam e provocaram pelo menos cinco mortes – foi suficiente para alimentar especulações sobre a estabilidade política do Paquistão nos próximos meses.

(Fonte: Veja, 23 de dezembro de 1987 – Edição n° 1007 – DATAS – Pág; 67)
(Fonte: Veja, 24 de agosto de 1988 – Edição n° 1042 – INTERNACIONAL – PAQUISTÃO – Pág; 58)
(Fonte: Veja, 11 de abril de 1979 – Edição n° 553 – INTERNACIONAL – Pág; 36/37)
(Fonte: Veja, 29 de dezembro de 2007 – ANO 40 – N° 52 – Edição n° 2041 – A semana – Internacional – O caos chamado Paquistão/ Por Duda Teixeira e Fábio Portela – Pág; 26 a 29)

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