Um pioneiro da organização das redes mundiais de tratamento e difusão da informação registrada

0
Powered by Rock Convert

Paul Otlet, o verdadeiro precursor da web.

Paul Otlet: um pioneiro da organização das redes mundiais de tratamento e difusão da informação registrada

INTRODUÇÃO

Paul Otlet foi um dos fundadores da documentação. Neste trabalho será discutido o percurso de construção desse campo disciplinar, enfatizando-se o Princípio Monográfico, uma das principais contribuições de Otlet para a consolidação teórica e prática da documentação. Nessa perspectiva, serão examinadas partes do Traité de Documentation, obra na qual Otlet define o campo teórico da documentação, suas leis e métodos, bem como os aspectos essenciais à compreensão do Princípio Monográfico.

A documentação nasceu de um movimento surgido no final do século XIX e início do século XX, na Europa, com o objetivo de encontrar alternativas para organizar a massa crescente de documentos produzidos no período. Esse movimento, que envolveu cientistas, pesquisadores, bibliotecários e bibliógrafos, ficou conhecido como Movimento Bibliográfico.

A intenção de Paul Otlet, ao participar do Movimento Bibliográfico, era dar à documentação um caráter científico. Suas propostas estão expostas no Traité de Documentation: le livre sur le livre: théorie et pratique, publicado em 1934, obra que representa a maturidade do seu pensamento sobre a organização e o acesso ao conhecimento. No Traité, Paul Otlet define o objeto de estudo da documentação – o documento -, propõe metodologias e técnicas para estudá-lo, sinalizando também para a necessidade de criar algumas inter-disciplinas, constituídas pelas interfaces com a sociologia, psicologia, lógica, lingüística, estatística, entre outras. Essa visão ampla revolucionou não só o modo de trabalhar com a informação no seu tempo, mas também teve impactos que perduram até hoje.

Na contemporaneidade, os estudos sobre a obra de Otlet têm sido retomados por inúmeros pesquisadores, tais como W. Boyd Rayward, professor da Universidade de Chicago, biógrafo de Otlet, Michael Buckland, professor da Universidade da Califórnia, Bernd Frohmann, professor da Faculdade de Estudos de Informação e Mídia do Canadá, José Lopes Yepes, da Universidade Complutense de Madrid, entre outros.

No Brasil, destaca-se, dentre outros trabalhos, a tese de livre docência da professora Hagar Espanha Gomes, O pensamento de Paul Otlet e os princípios do UNISIST, defendida na Universidade Federal Fluminense em 1975. Em 1986, Edson Nery da Fonseca publicou a coletânea Bibliometria: teoria e prática, na qual figura a tradução de uma seção do Traité de Documentation chamado O livro e a medida: bibliometria, na qual Otlet discute a aplicação da matemática e da estatística à bibliologia. Edson Nery da Fonseca também é autor do texto A classificação decimal universal no Brasil, publicado como apêndice da edição brasileira do livro Documentação, de Bradford, no qual estão registradas informações sobre a participação brasileira no Institut International de Bibliographie. Em 2000, as professoras Maria Nazaré Freitas Pereira e Lena Vânia Ribeiro Pinheiro organizaram a coletânea O sonho de Otlet: aventura em tecnologia da informação e comunicação, cujo prefácio, de autoria de Maria de Nazaré Freitas Pereira, relaciona Paul Otlet à internet. Em 2002, Maria de Fátima Tálamo et alii apresentaram o trabalho Otlet, o criador de estruturas informacionais pela paz mundial, no 20º Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. O texto trata das tecnologias que Otlet utilizou na construção do Répertoire Bibliographique Universel e dos planos arquitetônicos do Mundaneum. Jaime Robredo publicou em 2003 o livro Da Ciência da Informação revisitada aos sistemas humanos de informação, no qual aborda, entre outros aspectos históricos da ciência da informação, o Movimento da Documentação e a contribuição de Otlet para a documentação.

Ressalta-se ainda a presença dos princípios otletianos na criação de instituições brasileiras como o Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), hoje Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). Mas o capítulo brasileiro dessa história merece estudo aprofundado, retornando-se, no mínimo, ao princípio do século XX. Citam-se, como exemplo, dois dos mais relevantes episódios do envolvimento do Brasil na história da documentação. Em 1911, Manoel Cícero Peregrino da Silva, diretor da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, utilizou-se do serviço de consulta ao Répertoire Bibliographique Universel (RBU). Essa consulta é reputada por Rayward (1975) como o maior evento na história da distribuição do RBU, quando foram encomendadas 600 mil fichas para formar o repertório de assuntos gerais do recém-criado Serviço de Bibliografia e Documentação da Biblioteca Nacional. Entretanto, o envolvimento do Brasil com o instituto belga é ainda anterior. Registra-se na literatura da documentação brasileira a publicação, em 1901, do artigo A bibliographia universal e a classificação decimal, pelo então diretor da Escola Polytechnica de São Paulo, Victor da Silva Freire, no anuário da instituição. Nesse artigo, Freire faz um estudo da Classificação Decimal Universal (CDU), apresentando as divisões gerais da tabela e as subdivisões da área de “engenharia ou arte do engenheiro”. No mesmo texto, defende a participação do Brasil na organização da “Bibliografia Universal de Bruxelas”. O estudo de Freire foi publicado em opúsculo e numerado pelo Institut International de Bibliographie (IIB). Segundo Fonseca (1961), foi um dos primeiros a ostentar o índice da CDU na própria folha de rosto. Os episódios mencionados anteriormente por si só revelam a força com que o pensamento de Otlet marcou o desenvolvimento da documentação nas instituições brasileiras.

Diversos instrumentos documentários foram concebidos e construídos por Otlet durante seu trabalho no IIB; seu mérito, sem dúvida, foi o de ter reunido teoria e prática em um trabalho incansável para a consolidação de novas metodologias para a análise e síntese do conhecimento, visando à sua circulação. A erudição, o interesse pelas ciências em geral e pelas ciências sociais em particular e seu entusiasmo por certas vertentes do positivismo e cientificismo dominantes na época marcaram sua atuação. Na raiz do pensamento de Otlet está a crença de que a universalização do acesso ao conhecimento seria o caminho para a paz mundial. Esses aspectos são indissociáveis da proposta de criação do campo da documentologia ou bibliologia.

As formulações de Otlet, tais como o Princípio Monográfico, a Classificação Decimal Universal e a tecnologia das fichas padronizadas, são as bases de um ambicioso projeto de cunho universalista. Constituem técnicas e tecnologias elaboradas por meio da observação empírica e interlocução com pensadores e cientistas unidos em torno da organização do conhecimento. São pontos de partida para idealizações como a construção de um livro universal, apenas superadas pelo desenvolvimento da microinformática, na década de 1980, e, posteriormente, pela internet. Ao lado desses princípios e técnicas, Otlet destaca o papel das instituições, consideradas fundamentais para garantir a cooperação e o intercâmbio entre os sistemas de informação, de modo a formar redes. Esses são os principais traços do modelo desenhado por ele para pensar e trabalhar o conhecimento e a informação, prenunciando as formas de tratamento e circulação da informação que serão adotadas a partir da segunda metade do século XX.

(Fonte: http://www.scielo.br/scielo – Ciência da Informação – Paola Santos/ Mestre em ciência da informação pela Escola de Comunicações e Artes/USP)

Powered by Rock Convert
Share.