Tarsila do Amaral, pintora brasileira, grande estrela do Modernismo, uma artista criadora.

0
Powered by Rock Convert

Foi a primeira obra no Brasil a procurar reunir os elementos de uma linguagem internacional e contemporânea com uma certa força da terra sem a qual poucos artistas conseguem substituir

 

Abaporu- de Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação/ Elo7)

 

Tarsila do Amaral (Capivari, SP, 1º de setembro de 1890 – São Paulo, 17 de janeiro de 1973), pintora brasileira, grande estrela do Modernismo brasileiro, uma artista criadora.

A pintora modernista, foi uma mulher avançada para seu tempo. Na contramão da pintura acadêmica, produziu telas sob influência cubista que se tornaram símbolos do movimento. Nos anos 20, quando São Paulo era provinciana, Tarsila chocou a elite local – incluindo sua família, um clã de barões do café – ao envolver-se na agitação modernista. Numa época em que o divórcio era tabu, casou e descasou quatro vezes.

“Os protagonistas quase todos foram-se a outras bandas com suas asas de anjos”, dizia melancolicamente o romancista e crítico Geraldo Ferraz, num artigo sobre a grande retrospectiva de Tarsila em 1969. Numa exposição encerrada no início de janeiro de 1973, esteve um óleo seu, de 1972: “Fazenda”. Sobre um fundo em que se destaca o cor-de-rosa, estão as mesmas casinhas simplificadas geometricamente, a mesma composição ortogonal em que linhas verticais e horizontais se cruzam, um certo toque ingênuo que a velhice acentuou. Agora, tanto esse quadro ameno – vegetação, águas mansas, construções rústicas, o retrato de um Brasil rural que Tarsila esboçou à sua maneira – quanto a contribuição antiga, às vezes rude e sempre estimulante, passam para um julgamento mais sólido e mais sábio: o da história.

Cubismo no carnaval – Embora primeira dama incontestada do Modernismo ( e em alguns aspectos o pintor mais importante dele), Tarsila não participou da “Semana de Arte Moderna” a não ser “por carta”. Em janeiro de 1922, quando se deu a explosão, estudava placidamente numa academia em Paris – e foi informada dos acontecimentos por sua amiga Anita Malfatti, esta sim, vanguardista da primeira hora. É pouco provável que tenha entendido logo o alcance e os objetivos do movimento. Sua pintura dessa época era tão bem comportada quanto a que seus futuros amigos queriam destruir. E mesmo depois da volta ao Brasil (em junho de 1922), seus quadros são como a “Natureza Morta” – dignos da boa ex-aluna do acadêmico Pedro Alexandrino.

Durante os seis meses que dura, porém, o contato com Anita e seu grupo (do qual faz parte o futuro marido Oswald de Andrade) é proveitoso. Em dezembro Tarsila volta para a Europa, mas não às academias parisienses. Torna-se aluna de Lhote e Gleizes, frequenta o atelier de Lèger, incorpora a seu vocabulário a disciplina do cubismo. E quando chega ao Brasil, em 1924, sua pintura é uma síntese entre a geometria cubista o estilo de Lèger (o nome internacional com quem terá sempre maior afinidade) e o clima caboclo da pátria, ainda nos primeiros anos da industrialização. Um exemplo: “Carnaval em Madureira” – em que uma espécie de Torre Eiffel se planta, de repente, no meio do alegre subúrbio carioca.

Ainda em 1924, Tarsila viaja com Oswald de Andrade e o poeta francês Blaise Cendrars pelas cidades históricas de Minas Gerais. Viagem importante, “Nela”, diz Tarsila, “encontrei as cores que adorava em criança e depois me ensinaram que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado. Mas após Minas Gerais vinguei-me da opressão, passando-as para minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes.” Tem início a fase “pau-brasil”, à qual Tarsila voltará, praticamente, nos anos maduros. As cores e o tema de “Religião Brasileira”, por exemplo, são os mesmos de trabalhos análogos na década de 20.

Pesadelos e operários – Em 1928, Tarsila pinta sua obra mais conhecida: o “Aba-Poru”. Era um presente de aniversário para Oswald e ela queria espantá-lo. O resultado, contudo, é bem maior. Sob o impacto da tela, o poeta Oswald cria o movimento literário do antropofagismo, precursor de muitos aspectos da tropicália da década de 60. E a pintura de Tarsila passa por uma fase que por extensão se chama “antropofágica”. São composições com algumas influências surrealistas (o próprio “Aba-Poru” nasceu de pesadelos e lembranças da infância, as histórias de monstro e contadas pelas velhas escravas da fazenda) e de forte inspiração nacionalista. Começou a década de 30, houve a revolução e o ufanismo flutua no ar.

Também da convivência com Oswald – anarquista que pouco depois anuncia sua adesão ao comunismo – nasce o interesse de Tarsila pelos temas sociais, que ela aborda, pela primeira vez, numa tocante tela de 1933, “Operários”. Mas a pintora – filha de fazendeiro rico, representante daquela aristocracia do café que a Revolução de 1930 começa a devastar – “chegara ao social mais por sentimentalismo que por ideologia”, escreve o crítico Sérgio Milliet. E a professora e crítica de arte Araci Amaral (prima da artista e atenta estudiosa de sua obra) acrescenta: “Tarsila nunca se sentiu atraída pela crítica dos acontecimentos”. Sua arte política, portanto, é transitória e periférica. “As costureiras”, por exemplo, revela uma visão feminina, e é antes um quadro delicado e “decorativo” (no sentido em que Mário de Andrade usou essa palavra para toda a obra de Tarsila) do que um contundente documento social.

Etapas e definições – Qual é o legado para a arte no Brasil desta fascinante personagem, belíssima mulher, amálgama de culturas conflitantes, “caipirinha vestida por Poiret” (o mais ilustre costureiro da época) – como a definiu em um poema o também fascinante Oswald de Andrade? E que julgamento lhe reserva a crítica futura, com seus instrumentos apurados por uma perspectiva que só o tempo pode fornecer?

A pergunta é delicada e implica uma separação de categorias que ultimamente têm andado misturadas: a do bom e a do importante. Da importância de Tarsila ninguém – nem hoje nem no futuro – poderá duvidar. Sua obra foi a primeira, no Brasil, a procurar reunir os elementos de uma linguagem internacional e contemporânea com uma certa força da terra sem a qual poucos artistas conseguem substituir. E mais que qualquer outro brasileiro retratou – sem literatice nem pieguismo – etapas importantes de nossa evolução, começando pela cultura rural e a mitologia de sua infância, passando pelos primeiros anos da industrialização urbana, chegando de leve ao desafio das questões sociais.

De sua qualidade também não restam dúvidas. Mas agora que Tarsila está instalada, definitivamente, sob os microscópios da história, vão começar as grandes distinções. Como acontece com todos os verdadeiros grandes artistas, o que for obra-prima se imporá como tal. O que for apenas fruto de uma produção equilibrada virá à tona. E o muito trabalho episódico também terá que ser definido com clareza. É certo, aliás, que os próximos tempos trarão uma alta geral de Tarsila em nosso esfuziante mercado de arte. É o costume. Mas os preços não são a última palavra. Nem permanecem estáveis para sempre.

Presa há muito tempo a uma cadeira de rodas, com um eterno lenço amarrado sob o queixo e um xale de cor viva cobrindo os joelhos, era vista na inauguração de exposições de velhos amigos, ou nos leilões que agitaram o mercado paulistano em 1972. Conservou até o fim sua vontade forte de artista criadora, dizendo numa das últimas entrevistas: “Para Deus, nada é impossível. Ainda espero andar, com aparelho ou sem ele”. E nunca parou de pintar – recostada na cama, com tintas, paletas e pincéis espalhados pelo colo. Depois de hospitalizada um mês e de uma rápida broncopneumonia de três dias, a grande estrela do Modernismo saiu definitivamente de cena. Tinha quase 82 anos. Submetida a uma operação de vesícula em dezembro de 1972, estava em lenta recuperação quando foi acometida de broncopneumonia, no dia 17 de janeiro de 1973, em São Paulo.

(Fonte: Veja, 24 de janeiro, 1973 – Edição 229 –DATAS – Pág; 11 – ARTE/Por Olivio Tavares de Araújo – Pág; 68/69)

(Fonte: Veja, 10 de dezembro de 2003 – ANO 36 – Nº 49 – Edição 1832 – LIVROS/ Por Marcelo Marthe – Pág: 158/159)

Powered by Rock Convert
Share.