Shostakovitch, compositor soviético. Foi um dos mais célebres compositores do século XX.

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Shostakovitch (São Petersburgo (atual Leningrado) em 25 de setembro de 1906 – Moscou, 9 de agosto de 1975), compositor soviético. Foi um dos mais célebres compositores do século XX.

Durante uma substancial parcela de sua vida, ele parece ter possuído o raríssimo condão de desagradar ao mesmo tempo à esquerda, à direita e ao centro. Passou por periódicos e frequentes dissabores junto ao governo de sua pátria, a Rússia. Irritou os conservadores do Ocidente, por sua indisfarçada e sincera adesão ao regime comunista. E, no plano musical, foi objeto de ataques contundentes da crítica mais isenta, que nunca lhe perdoou a extrema desigualdade qualitativa de sua produção.

Tudo isso, porém, enquanto vivo. Morto no dia 9 de agosto, em Moscou, após dias de hospitalização por problemas cardíacos, o compositor soviético Dimitri Shostakovitch entrou tranquilamente para o rol das legendas e mitos nacionais. À sua saída de cena não faltou sequer o toque de comovente grandeur adequado à ocasião. Na mesma noite, como regente convidado da Sinfônica de Boston, estava naquela cidade o maestro e violoncelista Mstislav Rostropovitch, particular amigo do velho mestre. O programa do concerto previa sua “Quinta Sinfonia”. Informado, pouco antes, do falecimento, Rostropovitch guardou 1 minuto de silêncio diante da plateia, regeu a obra, beijou a partitura e se retirou para os camarins, sem voltar ao palco para receber os aplausos.

Desgraça completa – Nascido em São Petersburgo (atual Leningrado) em 25 de setembro de 1906, Shostakovitch foi um caso de precoce e brilhante vocação. Compunha aos 11 anos, começou aos 13 os estudos musicais, no Conservatório de Leningrado, e concluiu aos 20 sua “Primeira Sinfonia”, que lhe assegurou sucesso imediato. A série de dissabores começou em 1930, quando a ópera “O Nariz” foi acusada, pela Associação de Compositores Proletários, de “decadência burguesa”. Em 1936, após rápida e não oficial reabilitação, caiu em desgraça completa. Sua ópera “Lady Macbeth de Mtzensk” (que falava de adultérios, assassínios e outras realidades indesejáveis ao regime) mereceu um artigo demolidor do jornal Pravda: “A música grasna, pigarreia, engasga e sufoca, com o objetivo de descrever as cenas de amor com tanto realismo quanto possível”. Na mesma semana, outra de suas composições (um balé) era arrasada: “Sem caráter, sem nenhum significado. O compositor demonstra apenas desprezo por nossas canções nacionais”.

Tão exexplicavelmente quanto a derrocada oficial veio a primeira vitória, em 1940: Shostakovitch recebeu o Prêmio Stalin por um de seus quintetos. Com o desenvolvimento da II Guerra Mundial, o compossitor tornou-se, rapidamente, quase herói nacional. A “Sétima Sinfonia”, dedicada à resistência de Stalingrado, foi estreada na própria cidade, sob o cerco das tropas hitleristas, e irradiada para todo o mundo debaixo do bombardeio.

Escorregões de aprendiz – Em 1946, nova débâcle, devida à “Sexta Sinfonia”, demasiadamente moderna para o gosto do governo. Talvez à maneira de Galileu, Shostakovitch admitiu prontamente o seu erro. A obra seguinte tinha o sub-título de “Resposta Criativa de um Artista Soviético a uma Crítica Justa”, e lhe garantiu a sobrevivência no país. Não terminariam aí, contudo, as provocações. Mesmo após o stalinismo, a “Décima Terceira Sinfonia” (incluindo o texto de um poema de Eugeny Evtushenko) esperou vários anos e passou por uma ou duas correções antes de ser liberada para o Ocidente.

Talvez em razão de tantas idas e vindas, Shostakovitch acabou por não saber construir uma linguagem própria, conservando-se sempre no meio caminho entre opções diversas e desníveis evidentes. No decorrer de uma mesma obra, ele oscilava entre momentos de autêntico lirismo, efeitos gratuitos e escorregões de gosto dignos de um aprendiz. Para um musicólogo severo como o argentino Juan Carlos Paz, sua música se distinguiu “pela vulgaridade conseqüente, pela mistura inábil de estilos, pela incapacidade melódica, pela tática dos enchimentos estrondosos, pela orquestração desorbitada”. O julgamento soa inclemente. Talvez a história seja mais complacente, quando puderem ser vistas, à distância, as agruras de um seguro talento, sujeito às pressões de um regime inflexível.

(Fonte: Veja, 20 de agosto, 1975 – Edição n° 363 – MÚSICA – Pág; 80)

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