Sérgio de Camargo, foi discípulo do pintor ítalo-argentino Lucio Fontana e do escultor romeno Constantin Brancusi

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Sérgio de Camargo (Rio de Janeiro, 8 de abril de 1930 – Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1990), escultor carioca, reconhecido pelo rigor e pela poesia de suas peças geométricas repletas de surpresas rítmicas e luminosas.

SENSUALIDADE MAROTA – Sérgio de Camargo nunca se considerou um escultor. “Sou apenas um montador”, dizia. De certa forma, ele tinha razão. Em suas obras, ele não trabalhava modelando a pedra ou a madeira. Ao contrário, como um arquiteto em sua prancheta, ele se punha a criar um intrincado desenho de formas simultaneamente harmônicas e ruidosas.

Ao montar seus célebres Relevos, painéis de parede híbridos de pintura e escultura, Camargo sempre partia da forma cilíndrica. Cada cilindro, que podia ser feito de madeira ou de mármore, era cirurgicamente cortado a 50 graus de inclinação, originando então uma nova forma simultaneamente angulosa e arredondada.

Em seus Relevos, juntos, os cilindros cortados erguem-se como uma alva cordilheira, pontuada por picos íngremes e bases sinuosas, em que uma peça faz sombra sobre a outra, criando assim uma gama de matizes brancos espantosamente contrastantes. Uma matriz densa e compacta que lembra a terra, o orgânico, o vegetal, o cristalino – tornando-se um meio de manifestar o oposto: o imaterial, a luz, o ar, numa unidade bela e misteriosa.

Ainda nos anos 40, quando não se havia decidido entre a arte e a diplomacia, a geometria já encantava Camargo, filho de uma tradicional e endinheirada família carioca. Feitas na adolescência, suas primeiras incursões artísticas produziram formas femininas vagamente barrocas, de sensualidade marota daqueles primeiros tempos.

Pouco mais tarde, numa viagem à Argentina, o jovem artista acabou-se tornando um discípulo informal de um dos grandes nomes do mundo da arte do século XX, o pintor ítalo-argentino Lucio Fontana (1899-1968). Com Fontana, que retalhava suas telas a golpes certeiros de navalha e cuja obra Camargo aprenderia a desmitificar a ilusão da arte. Como que provocando o espectador, suas esculturas podem ser vistas num giro de 360 graus, em que as formas vão se alternando gradativamente, enquanto exibem os recortes e resquícios dos veios da pedra.

SORBONNE – Depois de Lucio Fontana, Camargo, que tecnicamente sempre foi um autodidata, teria mais um grande mestre: o escultor romeno Constantin Brancusi (1876-1957). Camargo conheceu Brancusi, talvez o maior nome da escultura moderna do planeta, ao lado do inglês Henry Moore, nos anos 50, quando morava em Paris e cursava Filosofia na Sorbonne.

“Fui umas trinta vezes ao ateliê de Brancusi. Ele era um camponês que não falava de arte. Contava umas coisas, falava de outros assuntos e de repente surgia um ‘flash’, um comentário rápido, sobre uma obra ou a maneira de trabalhar. Eu aproveitava esses comentários e procurava ficar atento para intuir seu raciocínio”, recordaria mais tarde o brasileiro.

Cada vez mais distanciado do mundo das ideias puras, Camargo acabaria por abrir um ateliê na capital francesa. E foi na Paris de 1962 que ele iniciou o mais fértil período de experimentação de sua carreira, em que os relevos e esculturas a partir da forma cilíndrica seriam o ponto alto.

Inicialmente, Camargo trabalharia formas brancas em madeira pintada. Posteriormente, num procedimento incomum para um artista com um projeto estético moderno, ele passaria a usar o mármore, um material nobre tradicionalmente associado à arte acadêmica.

As obras em branco ocupariam Camargo até os anos 80. Nelas, o artista dizia-se interessar sobretudo pela incidência da luz. Propositalmente, não polia suas peças em branco, impedindo, dessa forma, que elas refletissem a luz e se tornassem, ao contrário, o mais opacas possível.

Em sua última década de vida, contudo, Camargo mudaria radicalmente de cor, trabalhando com o mármore negro belga, uma espécie rara e nobre de carvão fóssil. Produziu peças geométricas negras que lembram pequenas maquetes de cidades futuristas. Nelas, queria que a luz, diversamente das peças brancas, fosse refletida.

Por isso, dava-lhes um polimento caprichado. “Tento fazer com que o preto brilhe porque naturalmente essa cor tende a absorver a luz. Se as minhas peças negras não fossem assim elas ficariam muito amarradas em si mesmas, tristes e apagadas”, dizia.

Auto-exigente, vaidoso, fez uma produção até modesta pela quantidade. “Para mim, só interessa o que é excelente”, costumava repetir. Dono de uma saúde frágil, abalada pelo alcoolismo, pelo cigarro que lhe causou um enfisema pulmonar no fim da vida, Camargo viveu intensamente. Casou-se duas vezes, teve quatro filhos e deixou uma obra preciosa.

Sérgio de Camargo faleceu em 20 de fevereiro de 1990, causada por complicações decorrentes de uma cirrose e enfisema pulmonar, aos 60 anos, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 14 de dezembro de 1994 – ANO 27 – Nº 50 – Edição 1370 – ARTE/ ANGELA PIMENTA– Pág: 152/153)

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