Salim Miguel, escritor e ex-diretor da Editora da UFSC

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Autor de mais de 30 livros e vencedor de prêmios como APCA,

 

Salim Miguel. Nascido no Líbano, autor tinha a vida de imigrantes como tema central de sua obra - (Foto: Leonardo Aversa / 16-12-1999)

Salim Miguel. Nascido no Líbano, autor tinha a vida de imigrantes como tema central de sua obra – (Foto: Leonardo Aversa / 16-12-1999)

 

Salim Miguel (Kfarssouron, Líbano, 30 de janeiro de 1924 – Brasília, 22 de abril de 2016), escritor, romancista, contista, um jornalista cirúrgico nas palavras, inovador nas reportagens da extinta revista Manchete e que marcou época como crítico literário nas páginas do Jornal do Brasil nas décadas de 1970 e 1980 e ex-diretor da Editora da UFSC.

Nascido no Líbano, em Kfarssouron, em 30 de janeiro de 1924, Miguel chegou ao Brasil aos três anos, desembarcando com seus pais e duas irmãs no Rio, mas a família acabaria se radicando em Santa Catarina. Autor de mais de 30 livros e ganhador de prêmios como o Machado de Assis (2010) e o APCA (1999), Salim despertou para a literatura na adolescência. Aos 27 anos, já trabalhando como jornalista, lançou seu primeiro livro, já apontando para o que seria um viés central de sua obra, com o título “Velhice e outros contos”.

— Sempre fui marcado pelo tema da velhice, da morte, do tempo e da memória — disse ao GLOBO em 2009.

A memória, sobretudo no que se refere à infância e adolescência, atravessa os livros de Miguel, em romances como “Jornada com Rupert” e “Nur na escuridão” (sua obra mais celebrada).

— Eu tenho textos também que se passam em outras épocas, mas de fato esse é o período da minha vida que continua sendo o mais produtivo para mim em termos de material para escrita. Acredito, simplesmente, que somos o que a infância e a adolescência nos fez. Tudo que vem depois são acréscimos — afirmou, em entrevista de 2008, chamando a atenção também para o papel do imigrante em sua literatura e na literatura brasileira. — Diante da importância da imigração para o Brasil, acho que nossa literatura e mesmo nossos ensaístas ainda não deram ao tema a atenção devida. Existe um processo muito rico, de formação de uma sociedade a partir da chegada de estrangeiros, da convivência deles numa terra nova, que ainda foi pouco explorado em nossa ficção.

Salim Miguel chegou com três anos de idade ao Rio de Janeiro, cidade onde morou com a família durante um ano. Mas o destino estava (sem trocadilho) escrito: após morar em São Pedro de Alcântara e Antônio Carlos, em Santa Catarina, sua família fixou residência em Biguaçu, onde se estabeleceu com um pequeno comércio.

Desde cedo, Salim lia tudo o que lhe caía nas mãos, dos folhetins de Michael Zevaco a Eça de Queiroz, passando por Arthur Schopenhauer e Machado de Assis. Na venda do pai, conheceu figuras que mais tarde viraram personagens de seus romances, e na livraria de João Mendes, poeta cego de Biguaçu, passava horas lendo em voz alta para manter o livreiro ligado ao mundo da literatura.

Ele foi um dos líderes do movimento conhecido como Grupo Sul, que agitou a vida cultural de Florianópolis de 1947 e 1958. Entre 1957 e 1958, escreveu, em parceria com sua mulher Eglê Malheiros, o argumento e o roteiro do primeiro longa-metragem catarinense, “O preço da ilusão”.

Em 1964, foi preso (“para averiguações”) pelos militares e retido no quartel da Polícia Militar por 48 dias. Na prisão, Salim registrou em um diário que, trinta anos mais tarde, se transformou em um trabalho de ficção: “Primeiro de abril: narrativas da cadeia”, eleito em 1994 o melhor romance do ano pela União Brasileira de Escritores.

Libertado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Agência Nacional, nas revistas Fatos e Fotos e Tendências e na adaptação de livros para roteiros de cinema (casos de “A cartomante”, de Machado, e “Fogo Morto”, de José Lins do Rego), ambos com Eglê Malheiros e Marcos Farias.

Ainda no Rio, Salim editou, ao lado de Eglê, Cícero Sandroni, Fausto Cunha e Laura Sandroni, a revista Ficções, que se tornou referência no jornalismo literário brasileiro. De volta a Santa Catarina, em 1980, ajudou a organizar, para o governo do Estado, o Prêmio Nacional Cruz e Souza, o mais importante do País à época. De 1983 a 1991, dirigiu a Editora da UFSC, e em 1996 assumiu a superintendência da Fundação Franklin Cascaes, onde lutou para criar uma política cultural em Florianópolis.

Em 1951, “Velhice e outros contos” foi o primeiro dos mais de trinta títulos que integram a sua bibliografia, entre eles “A morte do tenente e outras mortes”, “Vida Breve de Sezefreno das Neves”, “Mare Nostrum” e “Nur na Escuridão”.

Doutor honoris causa pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2002, ano em que ganhou o Prêmio Juca Pato de intelectual do ano, Salim dirigiu de 1983 a 1991 a Editora da UFSC, fazendo com que ele se tornasse referência no País. Em 1993 assumiu o papel de gestor da Fundação Franklin Cascaes, ajudando a criar políticas culturais para Florianópolis. Em 2009, a Academia Brasileira de Letras reconheceu sua obra com o prêmio Machado de Assis.

“Salim é um homem de ação, sempre envolvido em projetos que concretiza com primazia. Intelectual inquieto e multifacetado, é um humanista que tem utilizado a palavra como instrumento na construção de uma sociedade mais tolerante e solidária, em que a liberdade de imaginar e de nos reinventarmos constantemente possa nos tornar mais conscientes e responsáveis por nossas escolhas”, escreveu a pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da UFSC, Luciana Rassier, doutora em Literatura pela Universidade de Montpellier, na França e tradutora do romance “Primeiro de Abril” para a editora parisiense L’Harmattan.


Nas décadas de 1940 e 1950, ao lado de amigos e de Eglê Malheiros (com quem se casou e com quem viveu até o último dia de sua vida), fundou revistas literárias, organizou exposições e fez cinema e teatro. Em 1964, ele e Eglê foram presos pela ditadura. Depois de soltos, se mudaram para o Rio. Na cidade, Salim trabalhou em veículos como “Manchete” e “Jornal do Brasil”.

 

— Jornalismo é literatura, embora as pessoas digam que não. Joel Silveira, por exemplo, tem reportagens que são grandes obras literárias, e de modo geral toda boa reportagem tem um pouco de ficção — disse ao GLOBO em 2008.

 

Salim Miguel, escritor e ex-diretor da Editora da UFSC (Foto: Divulgação)

Salim Miguel, escritor e ex-diretor da Editora da UFSC (Foto: Divulgação)

 

Seu filho, o jornalista Antônio Carlos Miguel, escreveu em sua coluna no G1 neste sábado: “As imagens mais fortes que guardo de meu pai em casa são batucando sua máquina de escrever ou rosto escondido atrás dos livros que devorava sem parar”. Sua vasta biblioteca de cerca de 10 mil títulos — com primeiras edições autografadas de clássicos brasileiros, romances latinoamericanos e de autores de todo o mundo, como Flaubert e James Joyce — foi há dois anos doada para uma universidade pública de Florianópolis, a UDESC.

 

Em 2012, Miguel sofreu um Acidente Vascular Cerebral mas conseguiu se recuperar e lançou dois livros inéditos depois disso. Desta vez, não resistiu. Seu corpo será cremado em Brasília e depois haverá uma cerimônia, ainda sem data marcada, em Florianópolis sem caráter religioso — ele não tinha religião. Atendendo a seu desejo, a família lançará as cinzas no Rio Biguaçú (na cidade onde passou grande parte da infância e adolescência) e na Praia de Cachoeira de Bom Jesus (que frequentava no verão).

Salim Miguel morreu em 22 de abril de 2016, aos 92 anos, em Brasília. Ele estava internado desde o dia 7 de abril, na UTI do Hospital Santa Luzia, para tratar de uma broncopneumonia. 

(Fonte: http://noticias.ufsc.br/2016/04 – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – 22 de abril de 2016)

(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/livros – CULTURA / LIVROS/ POR O GLOBO – 23/04/2016)

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