Roger Bastide, sociólogo e pesquisador francês, ajudou a transformar a sociologia brasileira.

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Roger Bastide (Nîmes, 1° de abril de 1898 – Paris, 11 de abril de 1974), sociólogo e pesquisador francês, chegou ao Brasil em 1938. Um dos principais organizadores da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na qual trabalhou de 1938 a 1954, ajudando a transformar a sociologia brasileira. Antes quase exclusivamente teórica ou impressionista, numa ciência baseada em pesquisas de campo.

Escreveu “O Candomblé da Bahia”, “Relações Raciais entre Negros e Brancos em São Paulo” (em colaboração com Florestan Fernandes), “Problemas da Vida Mística”; ultimamente, dirigia em Paris o Centro de Psiquiatria Social; voltou ao Brasil em 1973, preparando nova edição de “Brasil, Terra de Contrastes”;

Durante a Segunda Guerra Mundial, dirigiu em São Paulo o Serviço de Informação da França Livre. Bastide morreu dia 11 de abril de 1974, aos 76 anos, em Paris.
(Fonte: Veja, 17 de abril de 1974 – Edição n.° 994 – DATAS – Pág; 99)

A religião afro-brasileira na visão de Roger Bastide

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
10-Jul-2006

Segundo o autor, os candomblés mais puros são os de Nagô, Queto e Ijexá. Justamente, os aprofundados por Bastide neste livro. O autor também enfatiza que as festas são apenas uma parte do candomblé e que a religião está presente em toda a existência dos adeptos.

Os cientistas sociais no Brasil estão finalmente reconhecendo a muito rica contribuição do pesquisador francês Roger Bastide que aqui mergulhou profundamente na cultura afro-brasileira, principalmente no aspecto religioso.

Bastide deu ao estudo do universo africano no Brasil uma visão ao mesmo tempo científica e poética respeitando as leis e regras próprias das manifestações culturais. O cientista social traçou a estrutura, os símbolos e o sensível que envolve as religiões afro-brasileiras em sua obra prima: “O Candomblé da Bahia”, reeditado pela Companhia das Letras em 2001 (São Paulo).

Com trabalhos como este e com suas aulas de sociologia, quando foi professor da USP entre 1938 e 1957, apesar de ter criado muitas polêmicas, Bastide é um dos mais influentes cientistas sociais do país. Entre seus alunos temos Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

Bastide também estudou profundamente as obras e teve contato direto com Câmara Cascudo, Gilberto Freyre e Pierre Verger. Criou polêmica principalmente com os marxistas ao privilegiar o cultural e até o místico na formação dos seres humanos. O livro citado acima e aqui analisado é um estudo antropológico, sociológico, etnográfico e psicanalítico pioneiro e de enorme valor em que os significados e os ritos são enriquecidos com detalhes da vivência de campo e com o contato íntimo com os atores sociais.

Os primeiros estudos da cultura negra no Brasil são de Nina Rodrigues e Homero Pires e extremamente preconceituosos. Nina Rodrigues, por exemplo, via as manifestações religiosas como simples histeria e considerava o negro inferior. Manuel Querino foi o primeiro, no início do século XX, a enfatizar a contribuição essencial da cultura africana na formação da civilização brasileira. Bastide utiliza-se das obras de todos estes acima, mas de forma bem crítica.

Contato íntimo — Bastide ressalta a necessidade de um contato íntimo para se compreender as manifestações culturais. “Para fazer trabalho etnográfico, não basta descrever os ritos ou citar o nome das divindades; é preciso também compreender o significado dos mitos e dos ritos” afirma (p. 22).

Esta é a qualidade, por exemplo, segundo o autor, da contribuição de Artur Ramos que “despendeu-se de todo e qualquer preconceito, quer de raça, quer de religião” (p. 23). Destaca, portanto, a extrema necessidade de abandonarmos os etnocentrismos e considerarmos, antes de tudo, que o pensamento africano é extremamente culto.

Ele procura penetrar-se ao máximo e com muita calma nos valores e símbolos. “O ingresso no mundo dos candomblés efetua-se por meio de uma série de iniciações progressivas, de cerimônias especializadas (…) e é à medida que se vai penetrando no interior do santuário que os mistérios vão sendo apreendidos”, enfatiza Bastide (p. 25). Assim o autor critica a apreensão apressada do Ocidental: “quer saber de tudo desde o primeiro instante, eis por que, no fundo nada compreende” (idem). A filosofia africana foi se desvendando para Bastide por etapas lentas e envolventes, com muito mais preocupação com os sentimentos do que com a razão.

Segundo o autor, os candomblés mais puros são os de Nagô, Queto e Ijexá. Justamente, os aprofundados por Bastide neste livro. O autor também enfatiza que as festas são apenas uma parte do candomblé e que a religião está presente em toda a existência dos adeptos.

Cerimônias e cotidiano — O livro de Bastide inicia-se com a descrição detalhada das cerimônias principais do candomblé da Bahia: o sacrifício, as oferendas, o “padê de Exu, os deuses intermediários e as danças preliminares e específicas para os deuses. Tudo termina com os ritos de saída quando a personalidade normal reaparece, mas para sempre modificada após a iniciação.

O autor descreve com detalhes muito ricos as etapas das cerimônias e as formas de solidariedade que são criadas entre as pessoas e entre o mundo dos deuses. Ele discorda de Durkheim e dos marxistas em geral ao afirmar que: “não é a morfologia social que domina e explica a religião (…) mas ao contrário é o aspecto místico que domina o social” (p. 45). No entanto, hoje suas obras estão sendo reeditadas e devidamente reconhecidas pelos detalhes e pela ênfase nos símbolos, ritos, mitos e significados.

Toda a vida cotidiana do indivíduo que segue o candomblé passa a ser influenciada diretamente por suas crenças e manifestações religiosas, defende o autor. Quem quiser aprofundar-se no mundo da religião afro-brasileira em sua manifestação mais pura na Bahia, através de uma análise extremamente engajada e honesta, deve ler “Candomblés da Bahia” de Roger Bastide.
(Fonte: www.jornalpoiesis.com – Francisco Pontes de Miranda Ferreira é jornalista)
Texto publicado na versão impressa de Poiésis – Literatura, Pensamento & Arte, nº 124, julho de 2006, pág. 10

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