Roberto Rossi Zuccolo, professor de todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie

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Foi o introdutor do concreto protendido no Brasil

Roberto Rossi Zuccolo (São Paulo, 26 de abril de 1924 – São Paulo, 19 de abril de 1967), engenheiro civil, professor de todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie e alinhados com a escola paulista.

Ele foi professor do Mackenzie de 1953 a 1967, justamente o período em que saiu dos bancos mackenzistas a geração de ouro da escola paulista.

Sobre a escola paulista, a relação entre calculistas e arquitetos ainda revela uma lacuna. A importância do trabalho conjunto de ambos se dá, sobretudo, pelo significado da estrutura na linguagem do movimento. Nesse sentido, um dos profissionais mais destacados é o engenheiro Roberto Rossi Zuccolo.

Concreto protendido

Se a escola carioca ajudou a desenvolver o concreto armado e Niemeyer, em particular, fez o cálculo estrutural avançar nas formas livres, a escola paulista apresentou como novidade o protagonismo do concreto protendido. É aí que Zuccolo entra na história. Mesmo vivendo apenas 43 anos, realizou quase 2 mil obras. Entre os engenheiros, é lembrado como, possivelmente, a maior autoridade em concreto protendido no seu tempo.

Roberto Zuccolo nasceu em São Paulo, em 26 de abril de 1924. Ainda criança, mudou-se para o Rio Grande do Sul, voltando a São Paulo para se preparar para entrar na faculdade. Cursou engenharia civil no Mackenzie, onde se formou em 1946. Logo que saiu da faculdade, criou a empresa Escritório Técnico de Estruturas de Concreto. Entre seus primeiros clientes estava o departamento de engenharia do Banco Nacional Imobiliário (BNI). Miguel Juliano, que foi desenhista do BNI, conheceu Zuccolo no final dos anos 1940. “Trabalhavam no banco vários engenheiros saídos do Mackenzie, como Toledo Piza e Roberto Monte”, ele relembra. Após receber – e aceitar – uma proposta para trabalhar meio período na Caixa Econômica Federal, o que lhe permitiria fazer o curso de arquitetura, Juliano alugou uma sala dentro do escritório de Zuccolo. Poderia, assim, continuar fazendo trabalho extra.

E apareceu muito trabalho. Na maioria das vezes, Zuccolo calculava a estrutura, Piza fiscalizava a obra e Juliano era o responsável pela arquitetura. O arquiteto se lembra de um episódio revelador. O desenho de Juliano para uma casa na rua José Cândido de Souza, no Jardim Novo Mundo, tinha a configuração que ele mesmo chama de “bloquinho”: um caixote térreo com estrutura de concreto independente. Quando Zuccolo viu aquilo, disse: “Não vou deixar você fazer isso. A cliente é minha amiga e não vai gastar dinheiro assim. Essa casa pode ser apoiada diretamente na alvenaria”. Juliano conta que foi difícil convencê-lo a seguir o projeto. “Nós demos a ele a noção do moderno em arquitetura”, relembra o arquiteto.

No Mackenzie

Mas a relação entre o engenheiro calculista e os arquitetos estreitou-se em 1953: depois de lecionar na Faculdade de Engenharia Civil do Mackenzie, (2) ele assumiu a cadeira de sistemas estruturais da Faculdade de Arquitetura da mesma instituição. Na arquitetura, Zuccolo lecionou por mais de 15 anos, até sua morte. Foi professor de todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie e alinhados com a escola paulista. (3) Esse grupo cuja linguagem arquitetônica foi criada basicamente a partir da estrutura é formado, entre outros, por Fábio Penteado (turma de 1953), Paulo Mendes da Rocha, João De Gennaro e Alfredo Paesani (todos de 1954), Pedro Paulo de Melo Saraiva (1955), Francisco Petracco (1958) e Decio Tozzi (1960).

Espontaneamente, os ex-alunos sempre se recordam dele. Para Mendes da Rocha, por exemplo, “Zuccolo tem uma história maravilhosa. Foi um ilustre engenheiro do século 20, indispensável para todo o desenvolvimento das técnicas construtivas no país. Ele foi uma espécie de Eugène Freyssinet. Nós tínhamos uma reverência enorme por ele. Na ocasião, estava realizando as primeiras experiências com o concreto protendido e fazia o seguinte: entrava em concorrência com o projeto já esboçado, como era permitido, e desenvolvia uma variante para apresentar depois. Ele ganhava a concorrência e mostrava a variante, que custava metade do preço, feita com concreto protendido. Fez, assim, várias pontes e viadutos, com êxito empresarial”.(4)

Entre os mackenzistas, Saraiva foi o que talvez tenha realizado mais trabalhos com o ex-professor. Com dois anos de formado, Saraiva chamou Zuccolo para participar do concurso da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A equipe era composta ainda por Mendes da Rocha e Paesani. O projeto apresentado por eles consistia em uma torre apoiada em apenas quatro pilares com balanços para todos os lados. Além de ser a primeira vitória que obtiveram em certames, o edifício inaugura, ainda que timidamente e turvado pelo forte elemento do térreo e pelo volume do plenário, a clareza estrutural miesia na que foi incorporada nos desenhos da nova geração. Apesar de completamente detalhado, o prédio não foi construído.(5)

Cinco anos mais tarde, Saraiva e Mendes da Rocha criaram com Zuccolo a sede da CNI (1962), no Setor Bancário Norte de Brasília, com solução estrutural assemelhada. Zuccolo e Saraiva fizeram muitos outros edifícios juntos, a maioria prédios residenciais em altura, como os edifícios Porto Fino (1961) e Porto Velho (1961, com Francisco Petracco), em Santos, SP, e o Solar do Conde (1962, com José Maria Gandolfi), em São Paulo. E ainda o ginásio na cidade de Eldorado Paulista (1956) – “um dos poucos da época com estrutura protendida”, lembra Saraiva – e a Faculdade de Geologia e Paleontologia da USP (1961).

Torre e edifício genérico

Mas antes disso tudo, um ano depois do concurso catarinense, o jovem Saraiva realizou dois marcos do movimento arquitetônico local com o auxílio de Zuccolo. O primeiro deles é o edifício 5ª Avenida (1958), na avenida Paulista. Trata-se de um prédio comercial, uma lâmina cujo projeto foi resultado de concurso julgado pelo IAB. (6) Realizado juntamente com Juliano, o desenho possui o mérito de ser precursor na adoção de somente duas linhas estruturais paralelas, em vez de três. O resultado foi possível graças ao uso de vigas protendidas (somente no maior vão). As lajes possuem espessura de quatro centímetros e nervuras em ambos os sentidos. Zuccolo começava a dominar a tecnologia da protensão, inventada em 1924. No mesmo ano em que projetou o edifício ele criou a empresa Serviços de Engenharia de Protensão (SEP), que tinha um acordo com a francesa Société Technique pour l’Utilisation de la Précontrainte (Stup) e representava a patente do método Freyssinet, (7) prestando assistência técnica na execução das obras no Brasil. Contudo, até então o método era mais adotado em estruturas de pontes e viadutos. O 5ª Avenida foi um dos primeiros edifícios comerciais do mundo a utilizar a técnica: lá, o vão era de 11 metros (com 7,2 no sentido longitudinal) e balanços de 1,1 metro nas laterais.

A inovação estrutural chegou aos ouvidos do empreendedor, que, assustado, contatou Telêmaco Van Langendonck, professor da Escola Politécnica, para avaliar a pertinência do cálculo de Zuccolo. Quem conta é Juliano. Na época, foi ele quem informou Zuccolo de que Telêmaco faria uma visita com o empreendedor à obra e ele deveria acompanhar. “Eu não sou menino, Juliano”, ele teria respondido, furioso. O mackenzista torcia o nariz para o colega da Poli, por questões geracionais e ideológicas. Mesmo contrariado, explicou o projeto e acompanhou o “consultor”. No final da visita, Telêmaco sentenciou: “Podem fazer, está tudo certo”. Depois do episódio, Zuccolo mudou de opinião a respeito do colega e eles até se aproximaram.

Ele era muito sério no trabalho. Mas era também um gozador nato. Um exemplo? A construção do 5ª Avenida foi realizada por Adolpho Lindemberg – que é integrante e colaborador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), uma organização ultradireitista de cunho católico. Nas reuniões com Lindemberg, Zuccolo fazia questão de provocá-lo, sugerindo ser quase íntimo de Stalin.

Outro marco criado por Saraiva e Zuccolo também em 1957 foi o projeto para o concurso do Clube Paulistano, que ficou em segundo lugar. Ao contrário do trabalho vencedor – de Mendes da Rocha e De Gennaro -, (8) era composto por um pavilhão regular, paralelo à rua Colômbia. Ele inaugura a proposta de edifício genérico: uma grande cobertura pavilhonar, de desenho exato e estrutura com poucos apoios, que abriga em seu interior todo o programa em pequenos volumes. Essa temática, depois adotada por Vilanova Artigas e quase todo o seu séquito, ficou patente no projeto da casa Ivo Viterito (1962), de Artigas. Ele mesmo conta: “Certa ocasião, entrou em meu escritório uma senhora de idade, de óculos, madame Viterito, e me disse: ‘Me disseram que o senhor é um arquiteto muito conhecido, muito bom, e eu queria fazer uma casa de presente para meu filho que vai se formar em medicina’. Fiquei pensando: decerto, a velha senhora não sabe o que é um arquiteto. […] Nós nos comovemos tanto com a velha senhora que o calculista, o homem que calculou este concreto, nem me cobrou o serviço. Uma estrutura apoiada em quatro pontos, quatro colunas e duas vigas que correm para um lado e outro. […] colegas meus, arquitetos, viram nela algumas soluções que podíamos transformar em solução para a casa paulista”.(9) Adivinhem o nome do calculista da casa Viterito? Sim, foi Zuccolo. Além desse projeto, ele criou com Artigas o ginásio de Utinga (1963), em Santo André. Inicialmente, o cálculo previa utilizar vigas pré-fabricadas, o que não deu certo. Outro arquiteto que tem uma parceria extensa com Zuccolo foi Elgson Ribeiro Gomes, que, após colaborar com Heep em São Paulo, estabeleceu-se em Curitiba.

Ideologia

Zuccolo morava no Alto do Sumaré e circulava pela cidade em uma Kombi. “Muitas vezes fui com ele buscar os filhos no Caetano de Campos”, lembra Saraiva. O escritório de Zuccolo ficava na rua João Adolfo, 118, em um apartamento adaptado. Lá trabalhavam entre 20 e 25 profissionais. Além da matriz estrutural, uma pista sobre a afinidade entre os arquitetos e Zuccolo pode ser creditada a sua opção política. Naquela época, para os integrantes do Instituto de Engenharia (do qual ele era sócio), o IAB era um covil de comunistas. Sem nunca ter se filiado ao partido, o engenheiro era simpatizante e contribuidor. Quem recolhia a contribuição de Zuccolo ao partido, passando mensalmente em seu escritório, era Rubens Beyrodt Paiva, engenheiro formado no Mackenzie e seu contraparente. Não se sabe se por temor político ou por gozação, sempre que se hospedava em um hotel Zuccolo usava o codinome Ronito Monte. Em Brasília, onde desenvolveu diversos projetos, ele tinha um ritual. Chegava no hotel, punha o robe e ia até a varanda; lá, abria a vestimenta (sem nada por baixo) e gritava: “Sarah, cheguei!”.

Mas as coisas apertaram depois de março de 1964. No dia 31, quando o rádio que ficava no escritório sintonizado na Eldorado noticiou o golpe militar, Zuccolo arremessou com violência uma caneta no aparelho e gritou “Malditos!”. Dentro de seu escritório era produzido material subversivo, que a equipe distribuía na rua. Ainda em 1964, temendo ser preso, o calculista foi a Londres com a desculpa de ver o funcionamento de um novo reator atômico. Ficou por lá meses. Pormenor da construção da ponte Roberto Rossi Zuccolo, mais conhecida como ponte Cidade Jardim. Nessa ocasião, o engenheiro Cyro Laurenza, que trabalhava com ele – “foi um pai para mim”, emociona-se -, assumiu seu lugar, lecionando na arquitetura do Mackenzie.

Mas tal como a influência de Zuccolo entre os mackenzistas, deveria ser estudada a atuação de Mario Franco como professor da FAU.(10) Aliás, ambos têm o mesmo perfil profissional. “Nunca tivemos muito contato. Quando começamos a nos aproximar, e até marcamos uma viagem juntos ao Canadá, ele morreu”, (11) lembra Franco. Um fulminante câncer na garganta matou Zuccolo em uma semana, em 19 de abril de 1967. Alguns dias antes de ser internado, atravessou a avenida 9 de Julho – na altura de seu escritório – correndo, sem olhar para os lados. Guiando um DKW, Juliano quase o atropelou. “Você tá louco, Zuccolo!”, gritou, enquanto o calculista continuava em disparada.

Perguntado por que outros arquitetos não trabalhavam com Zuccolo, Saraiva responde que “ele era um homem de pontes”. E por esses projetos é mais lembrado. A ponte da Cidade Jardim, em São Paulo, acabou sendo batizada com seu nome. E antes que o engenheiro vire somente uma ponte, é urgente um estudo sério sobre seu legado.

(Fonte: http://www.arcoweb.com.br/artigos – UMA HISTÓRIA PARA SER CONTADA – 26 de Junho de 2009)

Texto de Fernando Serapião
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 350 Abril de 2009

(Fonte: https://sites.google.com/site/cissaat – Entrevista Paulo Mendes da Rocha)

Notas:

1 – Arup foi a maior lenda mundial na relação entre arquitetura e engenharia. A empresa batizada com o seu nome até hoje é uma referência mundial no assunto: ela possui 10 mil funcionários espalhados por 90 escritórios, em 37 países. Rice foi sua cria e Balmond é o atual vice-presidente da Arup. Leia Peter Jones, Ove Arup: masterbuilder of the twentieth century, Londres, Yale University Press, 2006.

2 – Dois anos após se formar, em 1948, ele passou a lecionar mecânica aplicada às máquinas em sua escola. No ano seguinte, tornou-se professor assistente da cadeira de estabilidade das construções, estrutura metálica e de madeira, também na engenharia civil, mesmo curso em que em 1951 foi professor de pontes e grandes estruturas de concreto armado.

3 – A exceção foi Carlos Milan, formado em 1951 e que não foi aluno de Zuccolo. Milan é elemento-chave da transição dentro do Mackenzie, pois se relaciona tanto com o grupo mais velho, de Salvador Candia e os arquitetos agrupados em torno da loja Branco & Preto (formado por Milan, Forte, Plínio Croce, Roberto Aflalo, Jacob Ruchti e Chen Y Hwa), quanto com o grupo da escola paulista e Artigas.

4 – Entrevista de Mendes da Rocha em PROJETO DESIGN 316, junho de 2006.

5 – Para o mesmo programa, a equipe fez outro projeto, em outro lugar (leia PROJETO DESIGN 333, novembro de 2007).

6 – Estavam no júri do 5ª Avenida os arquitetos Vilanova Artigas, Oswaldo Bratke e Eduardo Corona. Na segunda colocação ficou Gian Carlo Gasperini e em terceiro, Abelardo de Souza.

7 – Eugène Freyssinet (1879-1962) foi um engenheiro francês pioneiro em estruturas protendidas.

8 – Posteriormente, no desenvolvimento do projeto, a equipe vencedora fez mudanças e a cúpula ficou pousada em uma base regular.

9 – Vilanova Artigas, A função social do arquiteto, São Paulo, Nobel, 1989.

10 – Para o trabalho de Mario Franco, leia Haifa Yágizi Sabbag, Escritório Técnico Julio Kassoy e Mario Franco, São Paulo, C4, 2007.

11 – Entrevista de Mario Franco em PROJETO DESIGN 319, setembro de 2006.

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