Primo Levi, escritor italiano de origem judaica, químico de formação, que lutou durante a II Guerra.

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O grande memorialista do século XX

 

Levi: purgatório após sobreviver a Auschwitz

 

 

Primo Levi (Turim, 31 de julho de 1919 – Turim, na Itália, 11 de abril de 1987), escritor italiano de origem judaica, químico de formação, que lutou durante a II Guerra Mundial na resistência antifascista. Seus livros mais conhecidos, Se Isto É um Homem” e “Se Não Agora, Quando?”, narram suas experiências durante a guerra, especialmente o período em que passou cativo no campo de concentração de Auschwitz.

Levi, judeu italiano, foi deportado para Auschwitz em janeiro de 1944, aos 24 anos. Para sua sorte, àquela altura da guerra, devido à escassez de mão-de-obra, os alemães preferiam destinar alguns prisioneiros saudáveis para o trabalho escravo em vez de mandá-los diretamente para câmaras a gás ou fornos crematórios.

Claro, o massacre ia adiante, mas o ritmo diminuíra, sempre em nome da insuperável eficiência germânica. Levi passou um ano inteiro dentro do campo de concentração, na fábrica de borracha de Buna.

A memória desse período está contida em seu primeiro livro, “É Isto Um Homem?”, escrito logo depois da guerra. Numa incessante referência à Divina Comédia, de Dante Alighieri, Levi associa o inferno a Auschwitz, identificando, entre seus carcereiros, os diversos Caronte, Minos e diabos de Malebolge.

Em pleno kraftwerk, a usina elétrica, ele relembra os versos dantescos que narram o trágico naufrágio de Ulisses em vista do Monte do Purgatório. Levi, ao contrário de Ulisses, evitou o naufrágio por um triz. De fato, se “É Isto Um Homem?” descreve o inferno, sua continuação, “A Trégua”, de 1962, é o purgatório.

Começa precisamente no ponto em que o outro termina. Ou seja, nos primeiros dias de janeiro de 1945, quando, com a avançada das tropas soviéticas, os nazistas foram obrigados a se retirar apressadamente de Auschwitz. Doente, com escarlatina, Levi foi abandonado em companhia de 800 prisioneiros na enfermagem do Lager.

Desses, cerca de 500 morreram de doença, de frio ou de fome antes da chegada dos russos, no fim do mês. Outros 200, apesar de todas as curas, foram-se nos dias imediatamente sucessivos. Um dos mortos desta última fase, um dos tantos Ulisses de Auschwitz, era uma criança nascida do Lager, sobre a qual nada se sabia, apelidada por seus companheiros de Hurbinek, um dos poucos sons incompreensíveis que conseguia pronunciar. Morreu no começo de março, sem nome, sem jamais ter visto uma árvore, “liberto mas não redimido. Nada resta dele: seu testemunho se dá por meio de minhas palavras.”

Depois de um mês de convalescença, Levi finalmente pôde sair de Auschwitz. As primeiras imagens que viu em torno do campo de concentração recordaram-lhe o “caos primordial, e fervilhava de exemplares humanos escalenos, defeituosos, anormais: e cada qual se debatia em movimentos cegos ou deliberados, na busca apressada da própria esfera.”

O lugar que Levi encontrou, percorrendo intermináveis quilômetros a pé ou de trem, sempre acompanhado por um mercador grego, foi um dos campos de refugiados que os russos instalaram no interior da Polônia, em Bogucice, às portas de Cracóvia. Graças á sua formação em Química, Levi foi nomeado farmacêutico do campo, o que lhe propiciava certos benefícios, como uma ração suplementar de alimentos, podendo repetir três ou quatro vezes a refeição.

Ele sofria de uma fome descontrolada, insaciável, em boa parte psicológica, acumulada nos meses de inanição do Lager. Uma gula que parecia eterna, de purgatório dantesco. Quando a Alemanha se rendeu, em abril, começou a longa viagem de retorno ao lar de Levi. Inicialmente, os russos pretendiam transferir todos os refugiados italianos para o Porto de Odessa e, de lá, embarcá-los num navio para a Itália.

Não foi o que aconteceu, Levi e seus companheiros, “a mercê da indecifrável burocracia soviética”, viajaram por seis dias a bordo de um velho trem de carga, tomados pela fome e pelo frio. Ao chegar em território ucraniano, em vez de seguir para o sul, como seria natural, foram levados para o norte, para um campo de refugiados perto do vilarejo de Staryje Doroghi. Durante o período de permanência nesse campo, num estado de indolência forçada, “sonolenta e benéfica como longas férias”, todos puderam tentar reconstruir um pedaço de vida. Uns catavam cogumelos. Outros abatiam os cavalos exaustos que os soldados russos traziam da Alemanha. Um marinheiro calabrês virou eremita. Duas alemãs escondidas no bosque instalaram uma espécie de prostíbulo campestre.

Anel de latão – O personagem que Levi observa com maior interesse em A Trégua, porém é Cesar, um judeu, antigo companheiro de Auschwitz. Cesare é a perfeita caricatura do trambiqueiro. Trabalhando num mercado romano antes da guerra, aprendera todos os truques do ofício, e volta a colocá-los em prática no instante em que põe os pés fora do campo de concentração.

 

 

 

A conquista da liberdade foi o tema de seu melhor livro de memórias, na esteira do filme homônimo de Francesco Rosi, com o ator John Turturro no papel de Levi, em “A Trégua”.

Primo Levi, escritor judeu-italiano, que esteve em Auschwitz era o prisioneiro 174517. Ali, assistiu a toda forma de brutalidade. Ainda assim, sua obra reflete uma crença luminosa na razão.

Os principais livros de Levi, como A Trégua e A Tabela Periódica, são de cunho autobiográfico. Relatam suas experiências no campo de concentração e na Europa do imediato pós-guerra.

Menos conhecido é o fato de que ele deixou ficções, entre as quais o romance Se Não Agora, Quando?. Publicado na Itália em 1982, o livro fala de um grupo de guerrilheiros judeus que percorre a fronteira russa emboscando os alemães.

Levi também foi guerrilheiro antes de ser aprisionado. Um homem que sucumbiu à tristeza e se matou na velhice, mas um escritor cujo legado é, definitivamente, o mais sólido monumento ao otimismo.

Levi morreu dia 11 de abril de 1987, aos 67 anos, ao cair no vão da escadaria do prédio onde morava, em Turim, na Itália. Primo Levi suicidou-se, atirou-se pelo vão da escada. Ainda hoje seu gesto é visto com grande estupor. É inconcebível, para nossas mentalidades tacanhas, que um sobrevivente de Auschwitz, depois de resistir aos infinitos horrores do Lager nazista, possa renunciar voluntariamente à própria vida.

Um sobrevivente, antes de tudo, deve sobreviver, testemunhando, dias após dia, o peso do passado e as glórias do presente. O fato é que Levi nunca aceitou passivamente o papel que lhe tentavam impingir. Era um homem livre. Livre, inclusive para se matar, para se atirar pela escada.

(Fonte: Veja, 24 de fevereiro de 1999 – ANO 32 – N° 8 – Edição 1586 – LIVROS/ Por Carlos Graieb – Pág; 134)

(Fonte: Veja, 22 de abril de 1987 – Edição 972 – DATAS – Pág;99)

(Fonte: Veja, 9 de abril de 1997 – ANO 30 – Nº 14 – Edição 1490 – Livros – “A Trégua” /Por Diogo Mainardi – Pág: 121)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Primo Levi ensina a lembrar o nazismo

 

O escritor italiano Primo Levi (1919-1987) é às vezes lembrado por ter dito que aqueles que passaram por campos de concentração nazistas “se dividem em duas categorias bem distintas, com poucas gradações intermediárias: os que calam e os que falam”.

 

Essa frase volta e meia é citada porque foi justamente a necessidade de falar que levou Levi a construir uma das obras fundamentais deste século sobre os horrores criados pelo regime nazista.

 

Autor de mais de uma dezena de títulos, entre relatos memorialísticos, ensaios, ficção e poesia, Levi escreveu três livros que tratam diretamente das suas lembranças do campo de concentração de Auschwitz, onde passou um ano.

 

Em “É Isto um Homem?”, o primeiro e mais impressionante dos seus relatos, Levi descreve em detalhes o seu cotidiano no campo de extermínio nazista. Enquanto escreve, tenta compreender a lógica que havia por trás da loucura nazista e como a experiência radical no campo de concentração ia deformando os prisioneiros que conseguiam sobreviver dia após dia.

 

Em “A Trégua”, Levi narra o longo caminho que percorreu, da libertação do campo pelos soviéticos em janeiro de 1945, até conseguir chegar a sua casa, em Turim, mais de dez meses depois.

 

Em “Os Afogados e os Sobreviventes”, o seu último livro, Levi volta a falar sobre a sua memória do terror nazista e reflete sobre um tema que o angustiava demais em 1985: “Em que medida o mundo concentracionário morreu e não retornará mais?”.

 

Em 1987, o corpo do escritor foi encontrado no pátio do prédio onde morava, em Turim. Tinha 68 anos. Todas as indicações são de que Levi se suicidou, saltando da janela do terceiro andar do prédio.

 

O primeiro banho

 

Judeu italiano nascido em Turim, formado em química, Levi foi preso no final de 1943, aos 24 anos, e chegou ao campo de Auschwitz no início de 1944.

 

Talvez por causa de sua formação profissional, Levi consegue ver de forma assustadoramente clara tudo o que se passa ao seu redor, tanto em Auschwitz quanto durante a sua longa volta à Itália.

 

Numa passagem impressionante de “A Trégua”, Levi analisa em detalhes o primeiro banho que toma após os soviéticos libertarem o campo de concentração.

 

“Era fácil reconhecer no banho (…), por detrás do aspecto concreto e literal, uma grande sombra simbólica, o desejo inconsciente, por parte da nova autoridade, de nos despojar dos vestígios de nossa vida anterior, de fazer de nós homens novos, segundo seus modelos, impondo a sua marca”, anota.

 

Levi também emociona ao descrever os inúmeros personagens que cruzam sua vida no longo retorno à Itália. Um desses é Hurbinek, um menino de três anos, “que nascera talvez em Auschwitz e que não vira jamais uma árvore”.

 

E acrescenta: “Hurbinek morreu nos primeiros dias de março de 1945, liberto mas não redimido. Nada resta dele: seu testemunho se dá por meio de minhas palavras”.

 

Outro personagem exemplar de “A Trégua” é o grego Mordo Nahum. Ele ensina coisas fundamentais a Levi. A primeira é que, em tempos de guerra, deve-se pensar antes nos sapatos e, depois, na comida. “Porque quem tem sapatos pode ir em busca de comida, enquanto o inverso não funciona.”

 

O argumento do grego está errado, diz Levi, porque a guerra já terminou. “Guerra é sempre”, responde Mordo Nahum.

 

Como “É Isto um Homem?”, “A Trégua”, que vai virar filme, é um livro obrigatório. Mesmo para quem acha que já leu tudo sobre o Holocausto, o livro de Levi tem algo a acrescentar -ainda que seja apenas para relembrar de horrores passados há menos de 60 anos.

 

A obra de Levi enfrentou inúmeros problemas com os seus editores, a começar por Giulio Einaudi, o mais famoso e importante deles.

 

Levi entregou os originais de “É Isto um Homem?” a Einaudi em 1947, que recusou o texto, por considerá-lo muito triste para aquele momento. O escritor então recorreu a uma pequena editora de Florença, que lançou a obra numa pequena edição, de 2.500 exemplares, naquele mesmo ano.

 

O livro foi bem recebido pelos críticos, mas quase não vendeu. Um encalhe de 600 exemplares foi perdido durante uma inundação em Florença, em 1966.

 

Einaudi, um dos mais importantes editores da Itália, resolveu publicar uma nova edição de “É Isto um Homem?” em 1958. Só então o livro começou a fazer sucesso de público. Cinco anos depois, com a primeira edição de “A Trégua”, Primo Levi finalmente se tornou um escritor bem conhecido.

 

No Brasil, como ocorre com quase toda a literatura italiana deste século, a obra de Levi jamais foi objeto de uma política editorial séria. “É Isto um Homem?” (editora Rocco) só saiu em 1989, com o lamentável atraso de 42 anos em relação à edição original.

(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/3/15/ilustrada – ILUSTRADA / Por MAURICIO STYCER DA REPORTAGEM LOCAL – São Paulo, 15 de março de 1997)

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