Plínio Marcos, criador de Navalha na Carne (1967).

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A morte do maldito sublime

Plínio Marcos (Santos, 29 de setembro de 1935 – São Paulo, 19 de novembro 1999), dramaturgo que foi censurado durante o regime militar.
O teatro brasileiro perdeu sua alma marginal: Plínio Marcos. Depois de três derrames e quase um mês de internação, em São Paulo, o dramaturgo morreu dia 19 de novembro, por falência múltipla de órgãos. O criador de Navalha na Carne (1967) tinha 64 anos. Antes de se tornar um dos mais importantes autores do teatro brasileiro – apontado por Nelson Rodrigues como seu sucessor –, ele foi estivador, palhaço de circo e camelô. Estreou em 1959, aos 24 anos, com Barrela, adaptada depois para o cinema. Mas foi com Dois Perdidos numa Noite Suja (1966) que ganhou fama. Seus textos contemplaram a realidade dura e cruel das prostitutas, dos meninos de rua, da violência policial. Eram temas perturbadores para a época, e Plínio Marcos foi alvo da ferocidade da censura durante o regime militar. Barrela esteve proibida por 21 anos.
(Fonte: Veja, 24 de novembro, 1999 – ANO 32 – N° 47 –Edição 1625 –DATAS/LUPA – Pág; 150/151)

 

 

O maldito canonizado

O escritor Plínio Marcos agiu como um artista marginal. Mas o lançamento de suas obras teatrais o consagra como clássico

 

DE SAÍDA – Plínio Marcos em sua casa em Santos por volta de 1959, pouco antes de partir para a carreira teatral em São Paulo

 

O homem baixo, barbudo e suado se aproximava da fila dos teatros ou percorria as mesas do restaurante Gigetto para convencer as pessoas a comprar seus livros. Entre as décadas de 1960 e 1990, era difícil não ser abordado por ele. Vendia peças, crônicas e romances impressos em gráficas baratas. Era visto como mais um dos chatos da galeria de personagens noturnos que até hoje povoam o centro de São Paulo. “Vendo muito porque já fui camelô”, dizia. “Sei vender.” Sobrevivia assim.

 

ESTREIA – Plínio Marcos e Ademir Rocha na primeira montagem de “Dois Perdidos numa Noite Suja”, no teatro de Arena, SP, em 1966 (Crédito:Derly Marques)

 

O camelô, funileiro, estivador e palhaço santista Plínio Marcos de Barros (1935-1999) ficou consagrado como um clássico do teatro brasileiro e dramaturgo maior dos anos 1960. Suas “Obras Teatrais” acabam de sair pela Funarte, com organização e estudo crítico de Alcir Pécora, professor de Teoria Literária da Universidade de Campinas. São seis volumes com 29 peças, 10 inéditas, que formam um legado dramático só comparável pelos especialistas ao do carioca Nelson Rodrigues.

 

A edição é um marco cultural que realiza um projeto incompleto de Plínio. Em 1997, ele cedeu à Funarte, os direitos de publicação do conjunto de peças por dez anos. Depois da morte de Plínio, o contato com a instituição foi retomado pelos filhos, Ricardo Barros e Leo Lama, e a ex-mulher, a atriz Walderez de Barros, herdeiros de dezenas de caixas de textos, muitos deles inéditos. “Fui copista de Plínio”, conta Walderez, que viveu com ele de 1962 a 1985. “Era anárquico e escrevia à mão, com uma caneta esferográfica, geralmente de cor azul.Eu datilografava e corrigia os poucos erros. Os textos já surgiam como peças de teatro prontas.”

 

Escândalo

 

Plínio dizia não escrever ficção, mas reportagens, e criou para si o personagem do artista marginal. Mas seu desejo íntimo era ser canonizado como escritor — e o foi, após uma lenta deglutição de crítica e público. Suas peças, entre elas as famosas “Dois Perdidos numa Noite Suja” (1966) e “Navalha na Carne” (1967), chamaram público pelas cenas de violência e sexo ambientadas no submundo e pela abundância de palavrões e ataques à ditadura, ao consumismo e à hipocrisia. “Ele relatou tudo o que viveu na zona do meretrício de Santos e no centro de São Paulo”, diz Walderez.

 

Apesar de Plínio não ter pertencido a movimentos de esquerda, foi adotado pelo Partido Comunista por ser o autor mais censurado da época e simbolizar a resistência ao regime. Peças como “Barrela” (1958) sofreram proibição por mais de 20 anos. “Fui perseguido pela censura, mas fiz por merecer”, ironizou. Foi preso pelos militares menos por suas ideias políticas que pela obscenidade dos espetáculos. “Não faço teatro para o povo, mas em favor do povo. Faço teatro para incomodar os que estão sossegados”, argumentava.

 

OBRA – As 29 peças de Plínio Marcos saem em seis volumes

 

 

Incomodou tanto que sua canonização se dá “à brasileira”, como diz Pécora: “É uma forma de elogiar a obra para confiná-la a um gueto e esquecê-la”. O organizador lembra que, desde o início da carreira, as peças de Plínio foram celebradas por teatrólogos renomados, como Sábato Magaldi e Anatol Rosenfeld. Segundo Pécora, a publicação das obras teatrais permite avaliar em perspectiva a obra e a “estética bruta” de Plínio. “Aquilo que era recebido como escandaloso e ‘coisa de marginal’ nos anos 60 hoje invadiu a vida dos brasileiros”, afirma.

 

“Está nas casas, nas novelas de TV e no vocabulário socialmente aceito.” Plínio Marcos pode ser descrito como um precursor, embora não se enxergasse dessa forma. “Minhas obras são atuais porque o país não evoluiu”, disse. Caso tivesse sobrevivido ao AVC que o matou aos 64 anos, estaria com 82 e ainda vendendo livros noite adentro. “Como era camelô, convencia as pessoas a comprar seus livros e elas diziam que faziam isso para ajudá-lo”, diz Ricardo Barros. “Na realidade, ele é que ajudava as pessoas a abrir os olhos para a realidade que as cercava.”

 

 

Em 1988, ele vendia os livros que editava nas ruas de São Paulo (Crédito: Graciela Magnon)

 

(Fonte: http://istoe.com.br – EDIÇÃO Nº 2491 07.09 – CULTURA – O maldito canonizado/ Por Luís Antônio Giron – 07.09.17)

 

 

 

 

 

 

 

 

Autor maldito de assuntos malditos como homossexualismo, marginalidade, prostituição e violência, Plínio Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos de São Paulo. É o João Antônio¹ do teatro brasileiro. Nunca cedeu. Impôs, sempre, sua verve sem hipocrisias. Direta, forte e sem arestas. Era, segundo ele mesmo afirmava, “figurinha difícil”. Foi, entre as coisas que dele se sabe, dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo, camelô de seus próprios livros, técnico da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço.

Nasceu em Santos (SP) a 29 de setembro de 1935 e morreu em São Paulo (SP) a 19 de novembro de 1999. Depois de tentar tornar-se jogador de futebol e de trabalhar como palhaço de circo por cinco anos, escreveu, aos 22 anos, sua primeira peça, “Barrela”, a qual chegou às mãos de Patrícia Galvão (Pagú), que ficou entusiasmada ao lê-la.

A partir daí e com a ajuda de Pagú, Plínio integrou o elenco de companhias amadoras de teatro. Depois, transferiu-se para São Paulo, no início da década de 60, onde participou da criação do Centro Popular de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Na década de 60, Plínio participou, também, da novela “Beto Rockfeller”, na TV Tupi, de 4 de novembro de 1968 a 30 de novembro de 1969, fazendo o papel de Vitório, melhor amigo de Beto Rockfeller (Luiz Gustavo) -personagem principal da novela. Em entrevista concedida à Folha, em 1993, Plínio afirmou: “nunca gostei de trabalhar. Só fiz “Beto Rockfeller” para não ficar órfão (“ficar órfão” significava cair nas garras dos militares). Quando me ofereceram o papel, pensei: se aceitá-lo, ganharei evidência. E, enquanto estiver em evidência, os milicos não me pegarão.”

Aliás, a ligação de Plínio com a TV brasileira nunca foi das melhores, em 1994, ao responder à pergunta “Qual foi o 1º programa que você viu na TV?”, feita para uma enquete do caderno TV Folha, da Folha de S.Paulo, ele respondeu: “Nada. Nunca vi TV”.

Na mesma época da novela Beto Rockfeller, Plínio era uma pedra no sapato dos militares que governavam o país. Ele o viam como um “inimigo do sistema”. Seu crime? As peças “Dois Perdidos numa Noite Suja” e “Navalha na Carne”, escritas entre 1966 e 1967.

Para os militares, peças que traziam um mundo sem meias palavras, direto e convincente, que davam tratamento dramático à realidade de prostitutas, gigolôs e bandidos, poderiam servir à subversão.

Sob o governo militar, “Barrela” também foi proibida, e, em 1970, “Abajur Lilás” foi censurada. (As duas obras só seriam liberadas em 1980.)

Com todas as suas peças proibidas pelo regime militar, Plínio quase desistiu da carreira de dramaturgo.

Na década de 80, quando o regime militar terminou e suas peças foram liberadas, Plínio novamente surpreendeu. Escreveu as peças “Jesus Homem” e “Madame Blavatsky” nas quais mostra um seu lado mais espiritualista. Em 1985, ganhou os prêmios Molière e Mambembe pela peça “Madame Blavatsky”.

Entre suas melhores obras estão: “Barrela” (1958), “Dois Perdidos Numa Noite Suja” (1966), “Navalha na Carne” (1967), “Quando as Máquinas Param” (1972), “Madame Blavatsky” (1985).

Segundo o crítico e historiador de teatro, Décio de Almeida Prado, “Plínio tinha uma experiência humana ligada às classes pobres e levou esse mundo para o teatro, até então em grande medida desconhecido. O teatro dele não era exatamente político, de pobres contra ricos, mas trazia uma experiência amarga dos pobres, e isso representou uma grande novidade. “Navalha na Carne” é uma peça com muita força, com três excluídos que sofrem e nos fazem sofrer”.

Plínio Marcos escreveu para a Folha de S.Paulo na década de 70 no caderno Folhetim e, na década de 80, assinou a coluna “Berrando da Geral”, além de algumas outras colaborações esporádicas no jornal.

1 – Escritor brasileiro. Autor dos livros: “Malagueta, Perus e Bacanaço”, “A Dama do Encantado”, “Abraçado ao Meu Rancor”, “Leão-de-Chácara” e “A Dama do Encantado” entre outros. Seus escritos se notabilizaram pela ousadia linguística, ele conseguia combinar a gíria dos malandros com um texto rigorosamente literário. João Antônio trazia para os seus livros, igualmente a Plínio Marcos, o ambiente onde habitavam os marginais e malandros das ruas das grandes cidades.

(Fonte: www.almanaque.folha.uol.com.br – ALMANAQUE FOLHA/ Por Renato Roschel do Banco de Dados – Juan Esteves – 31/10/93)

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